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Brasil perde por dia três órgãos destinados a doação

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Com o coração fraco e há mais de um ano na UTI do Incor, em São Paulo, Wellington, de 5 anos, aguarda transplante (Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo)

 

Dados inéditos do Ministério da Saúde obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação revelam que, enquanto houve uma queda expressiva de desperdício de órgãos por falta de transporte, aumentaram as recusas em razão de outros fatores, como condições dos doadores, falta de exames ou indisponibilidade de equipes. A mudança no perfil das recusas de órgãos ocorreu após a edição de um decreto presidencial que assegurou a disponibilidade de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para esse propósito. Assim, o país ainda perde, em média, mais de três órgãos destinados a doação por dia.

Em 2015, 173 órgãos foram ofertados pelos estados à Central Nacional de Transplantes (CNT) — para distribuição a outras unidades da federação — e acabaram recusados por falta de transporte. No ano passado, até outubro, foram apenas 42. Já as recusas por outros fatores que não o logístico aumentaram de 750 para 959 no mesmo período, um acréscimo de 27,8%.

O sistema de transplantes no Brasil passou por um ajuste, há um ano e meio, que permitiu o aumento de doadores efetivos e de cirurgias para enxerto de um novo coração, pulmão ou fígado em pacientes acostumados a uma fila de espera. Em 6 de junho de 2016, começava a vigorar o decreto presidencial que obriga a oferta de pelo menos uma aeronave da FAB para o transporte de órgãos no país.

O amadurecimento do sistema, com avanço significativo de logística, acabou por revelar problemas que, antes, ficavam escondidos simplesmente porque o transporte inexistia para boa parte de órgãos.

— Se não havia logística, nem chegávamos aos outros problemas. Agora temos o transporte, e outra questões afloram. O que ocorre é um amadurecimento do sistema do ponto de vista da gestão — afirma a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), vinculado ao Ministério da Saúde, Rosana Reis Nothen.

O GLOBO revelou em 2016 que recusas da FAB em transportar órgãos — em especial corações, com um tempo de resistência fora do peito de apenas quatro horas — vinham impedindo transplantes em pacientes cuja sobrevivência estava integralmente atrelada à substituição do órgão doente pelo sadio. Em três anos, foram 153 recusas. Nos mesmos dias, a Aeronáutica atendeu a 716 requisições de transporte de autoridades dos três poderes.

No dia seguinte à publicação da principal reportagem, o presidente Michel Temer assinou o decreto que obriga o uso de um avião da FAB para deslocar órgãos. Desde então, a FAB já transportou mais de 400 órgãos. Se, em 2015, 61 ofertas de corações foram recusadas por falta de transporte, esse número caiu para 36 no ano seguinte. Até outubro do ano passado, sete órgãos foram recusados por este motivo.

Um fenômeno inverso ocorreu com as recusas de corações por causa das condições de manutenção dos doadores, da falta de exames, indisponibilidade de equipes ou mesmo idade avançada e inexistência de um receptor em lista. Somente entre janeiro e outubro de 2017, 211 corações deixaram de ser aproveitados entre os estados. É quase a mesma quantidade de pacientes adultos numa fila de espera: 250 em setembro passado, conforme dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Em 2015, cem corações foram recusados por fatores não relacionados a transporte.

No caso de fígado e pâncreas, também era a logística a principal causa do não aproveitamento de órgãos em 2015. Agora, a condição do doador, com manutenção insuficiente após a morte encefálica, passou a ser o fator central para recusas.

— Poucos países excedem um aproveitamento de três órgãos por doador. No Brasil, o índice é de dois órgãos por doador. Na Espanha (considerada como detentora de um modelo referência na área), o índice é 2,7. O sistema enfrenta dificuldades, mas está continuamente crescendo e melhorando. Há um problema real em muitas situações (de não aproveitamento do órgão). Em outras, (a perda) é inerente ao sistema — diz a coordenadora-geral do SNT.

NÚMERO GERAIS AVANÇAM

Os dados obtidos pela reportagem mostram que o balanço é positivo. Os aceites de órgãos — quando os estados ofertam para a central nacional — aumentaram de 809 em 2015 para 935 até outubro de 2017, um acréscimo de 15,5%. O Ministério da Saúde registrou no ano passado um recorde histórico de doadores efetivos, aqueles em que houve o transplante. Enxertos de coração aumentaram 5,3% no ano passado. De fígado, 9,6%. E de pulmão, 19,5%, conforme estimativa do ministério. A quase integralidade dos procedimentos é feita pelo SUS.

Mesmo assim, o problema da recusa de órgãos precisa ser enfrentado com melhor interlocução entre as partes envolvidas, segundo o coordenador estadual de transplante de Santa Catarina, Joel de Andrade. O estado liderou em quantidade de órgãos ofertados porém recusados no ano passado por fatores alheios à logística, com 246 casos. Em seguida aparece o Paraná, com 200; e Goiás, com cem. A justificativa dos três estados é simples: houve um expressivo aumento da quantidade de doadores (no Paraná, passou de 6,8 para 38 por milhão; em Santa Catarina, chega a 40,2) e há poucas restrições para ofertar a outro estado.

— Tudo que não é contraindicação absoluta, levamos (a oferta) até o fim. Isso inclui extremos de idade. Somos o estado que mais oferece, logo há mais rejeição. Mas não se trata de um falso problema. Com as doações de hoje, poderíamos fazer mais transplantes — diz Andrade.

O coordenador considera elevada a quantidade de perdas de órgãos por paradas cardíacas do doador, o que poderia ser evitado com medidas clínicas. Também faltam exames como ecocardiograma e cateterismo coronariano.


Para o presidente da ABTO, Paulo Pêgo, é preciso mais qualidade do cuidado com o doador: — Um doador que teve morte cerebral pode ajudar 10, 12, 14 pessoas.


Fonte: O Globo 

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