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CRM vê riscos em projeto de lei em que mulher escolhe parto cesário ou normal

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Imagem de Free-Photos por Pixabay 

O Conselho Regional de Medicina (CRM-PI) divulgou nota rebatendo o projeto de lei nº 163/2019 que discute a "garantia da gestante para optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal". Esse projeto é de autoria do deputado João Mádison (MDB) e tramita na Assembleia Legislativa do Piauí.

A presidente do CRM-PI, Mirian Parente, disse ao Cidadeverde.com que a notícia foi recebida com surpresa e que em nenhum momento os conselheiros foram procurados para discutir o tema na Alepi. A médica ressalta que falta amparo técnico no referido projeto.  

"Nós tivemos conhecimento desse projeto de lei e reunimos os nossos conselheiros, em que muitos são ginecologistas obstetras, para organizarmos esse posicionamento.  Muitas vezes, esses projetos são feitos sem nenhum embasamento técnico, sem uma orientação técnica, e isso preocupa o Conselho. Há muitos normativas existentes que discutem o tema e uma construção social de quem vivência. Nós não fomos procurados, mas estamos abertos a discutir e dar esse amparo técnico", disse Mirian.

A nota do CRM-PI informa que "está fundamentadamente comprovado que o parto cesariano oferece mais riscos de infecções e morte para pacientes nas situações habituais. Além disso, o CRM-PI também considera alarmante o Projeto de Lei Estadual n° 163 de 19 de agosto de 2019, pois o sistema público de saúde, que já não vem comportando a sobrecarga existente, não suportará o aumento do número de atendimentos por cirurgia, que certamente demanda mais profissionais qualificados, mais estrutura de centros cirúrgicos, leitos de UTI e leitos de enfermaria, sem falar no maior tempo de internação". 

Questionado sobre o projeto de lei e a nota do CRM-PI, o deputado João Mádison disse que projeto de lei semelhante já foi aprovado na Assembleia de São Paulo. O projeto foi lido em plenário na Alepi no dia 19 de agosto deste ano e encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça. O site da Alepi aponta apenas que está em regime normal de tramitação. 

"O projeto tem que ser discutido, ter audiência pública, eu não sou o dono da verdade. Agora, o projeto está tramitando: vai para a Comissão de Constituição e Justiça, depois para as outras, de Saúde, e se os deputados acharem por bem não aprovar, não aprova. Eu coloquei porque acho que as pessoas mais pobres não tem como fazer cesariana e ficam sofrendo, muitas vezes perdem até os filhos. É preciso dar oportunidade para essas pessoas mais pobres a ter também um parto digno, ter o seu filho com dignidade e tranquilidade. O Estado também deve assumir a sua responsabilidade. Vamos aguardar. (O projeto) vai para as comissões e o relator chama para discutir com a sociedade", acrescentou o deputado. 

O Projeto

O artigo primeiro do projeto de lei dispõe que "a parturiente tem direito à cesariana efetiva, devendo ser respeitada em sua autonomia", sendo que o parágrafo primeiro ressalta que "a cesariana eletiva só será realizada a partir de 39 semanas de gestação , após ter a parturiente sido conscientizada e informada acerca dos benefícios do parto normal e riscos de sucessivas cesarianas".

Já no parágrafo segundo diz que "na eventualidade de a opção da parturiente pela cesariana não ser observada, ficará o médico obrigado a registrar as razões em prontuário". 

O projeto também reforça que nas maternidades e nas instituições afins "será afixada placa com os seguintes dizeres: 'constitui direito da parturiente escolher cesariana, a partir da trigésima nona semana de gestação'" e que "sempre poderá o médico, em divergindo da opção feita pela parturiente escolher cesariana, encaminhá-la para outro profissional". 

O artigo segundo reforça que "a parturiente que opta ter seu filho por parto normal, apresentando condições clínicas para tanto, também deve ser respeitada em sua autonomia". 

 

Confira na íntegra a nota do CRM-PI


O Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí – CRM-PI vem apresentar as seguintes considerações a respeito do Projeto de Lei Estadual n° 163, de 19 de agosto de 2019, de autoria do Deputado João Mádison, que “dispõe sobre a garantia da gestante para optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal”.

O tema em questão já vem sendo discutido pela Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina – CFM por ocasião de outro projeto de lei semelhante ao projeto em comento. Assim, com base nestas discussões, o CRM-PI demonstra preocupação em relação ao Projeto de Lei nº 163, de 19 de agosto de 2019, uma vez que é preciso pensar o que é mais importante: os princípios da autonomia da gestante, do seu direito à escolha e/ou o princípio de preservação à vida.

Além disso, é preciso avaliar as regras de organização e funcionamento da saúde pública, especialmente dentro do Sistema Único de Saúde – SUS, que tem normas e fundamentos constitucionais voltados para a proteção da saúde, por meio de medidas e escolhas que inibam os riscos de agravos à saúde das pessoas, seja de modo individual ou coletivo.

O primeiro desses fundamentos, conforme disposto no art. 196 da Constituição Federal (CF), é o da adoção de políticas públicas que preservem a saúde sob todos os aspectos, o que se denomina de princípio da segurança sanitária. Tal princípio, que não se contrapõe à autonomia da vontade, fornece orientações a partir da definição, de acordo com as evidências científicas, de medidas protetivas segundo as quais o serviço de saúde deve ser sempre voltado à prevenção, evitando-se o atendimento curativo, conforme estabelece diretriz organizativa do SUS prevista no art. 198, II da CF.

Para o CRM-PI, não se pode pensar em uma total autonomia da paciente para escolher o tipo de parto que ela deseja (normal ou cesariano), o que deve ser feito por meio da avaliação do profissional médico da área que indicará a melhor e mais segura opção. Ademais, fatores externos a essa autonomia devem ser considerados no sistema público de saúde: baixo poder aquisitivo de pacientes que vivem em regiões de ineficiente saneamento básico (água sem tratamento, falta de esgotamento), além de cuidados essenciais e mínimos de saúde para a paciente que venha a passar por cesárea, como necessidade de higiene doméstica, necessidade para compra de antibióticos, boa alimentação, atendimento de qualidade na rede pública, entre outros. Estes cuidados são essenciais para que se possa evitar intercorrências e mortes por infecção puerperal.

Importa destacar que, dentre os fundamentos de organização do SUS, sobretudo em relação ao parto, estão as políticas de saúde que dispõem que o parto natural é o que mais previne riscos, sendo o parto cesariano a exceção, devendo somente ser realizado caso haja real necessidade. Nesse sentido, não se pode entender que a autonomia da gestante possa se sobrepor às situações em que a política pública do Ministério da Saúde, fundada em bases e evidências científicas e recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), define outra medida como a mais segura terapeuticamente.

Sobre este ponto, o Ministério da Saúde (MS), por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (CONITEC), realizou consulta pública, em abril de 2015, quanto às “Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação Cesariana”, com extensa descrição da situação no Brasil e seu impacto na saúde da mulher e do bebê. Estas diretrizes foram aprovadas em 2016, pela Portaria n° 306, de 28 de março de 2016, após pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT).

A adoção dessa política pelo MS decorre do assustador número de cesarianas no Brasil, que alcançou as mais altas taxas do mundo, tendo a OMS se referido a uma “epidemia de cesarianas”, uma vez que o Brasil apresentou, no ano de 2016, uma taxa de 55% de partos cesáreos.

Portanto, para o CRM-PI, está fundamentadamente comprovado que o parto cesariano oferece mais riscos de infecções e morte para pacientes nas situações habituais. Além disso, o CRM-PI também considera alarmante o Projeto de Lei Estadual n° 163 de 19 de agosto de 2019, pois o sistema público de saúde, que já não vem comportando a sobrecarga existente, não suportará o aumento do número de atendimentos por cirurgia, que certamente demanda mais profissionais qualificados, mais estrutura de centros cirúrgicos, leitos de UTI e leitos de enfermaria, sem falar no maior tempo de internação.

Assim, não resta dúvida de que o princípio mais caro que há é o princípio da preservação da vida, acima até mesmo do princípio da autonomia de escolha, que, nesse caso da cesariana, precisa do parecer e da indicação do médico, sempre.



Carliene Carpaso
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