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Prefeito do Ceará não aceita proposta para litígio

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Sete municípios cearenses podem perder parte de seus atuais territórios no contexto das discussões entre as Assembléias Legislativas do Ceará e do Piauí acerca das áreas de litígio entre os dois Estados. Pelo menos é o que pode acontecer caso seja aprovada a proposta apresentada pelo deputado estadual Antônio Uchôa, presidente da comissão especial do parlamento piauiense. Isso afetaria parte dos municípios de Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús.

Ao todo, 2.417km² hoje considerados desses municípios — ao sul da faixa litigiosa — passariam para o Piauí, segundo a proposta apresentada durante a sessão aberta realizada na Assembléia Legislativa do Piauí, em Teresina, no mês passado. Em troca, o Ceará ficaria com os territórios ao norte da área de litígio — que hoje pertencem aos municípios de Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina e São Benedito. O grande problema é que estes municípios já consideram as áreas em negociação como suas, portanto a proposta não traria ganhos reais para o Estado do Ceará.
 

Consultas populares

O caso mais grave seria o do município de Poranga, que poderia perder quase 68% do próprio território — o equivalente a 870,6km², conforme estimativa do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). Na edição especial do Regional, publicada pelo Diário do Nordeste no último dia 8 de fevereiro, o prefeito de Poranga, Aderson Pinho, defendeu a realização de consultas populares para resolver a questão, mas se mostrou contrário à possibilidade e alertou que o município poderia perder bastante na arrecadação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). “O município de Poranga não abre mão de suas comunidades”, disse, à época.

Em termos percentuais, a segunda unidade municipal mais prejudicada seria Croatá, que poderia perder cerca de 265km² ou 39% do próprio território, conforme o Ipece. Para a prefeita Aurineide Pontes, o município poderá entrar em crise econômica e “voltar ao estágio de vila” caso a idéia seja aprovada. Entre as localidades que seriam passadas para o Estado do Piauí, está o distrito de Santa Tereza.

“Não concordo. Só se for por decreto, se eu for obrigada”, disse sobre a hipótese. Para a prefeita, a alteração na posse do território provocaria a perda da identidade cultural daquela população, bem como da tradição histórica da etnia daquele povo. Aurineide garantiu que o município dá total assistência a Santa Tereza, dotado de escola e assistência do Programa de Saúde da Família (PSF) e tendo, nos últimos anos, sido beneficiado com a construção de 20 casas populares, a perfuração de um poço profundo e a aquisição de ônibus para transporte dos alunos matriculados no Ensino Médio.

Já o prefeito de Carnaubal, Raimundo Nonato Araújo, disse que é a favor de que seja realizado um plebiscito ou uma consulta popular para decidir não só a posse das localidades em litígio com o município de Domingos Mourão, no Piauí, como também os problemas com as cidade de Guaraciaba do Norte e São Benedito, com as quais faz limite. Isso porque o prefeito admitiu que há confusão nas áreas fronteiriças, principalmente para saber qual ente público deve dar assistência à população.

Ele citou como exemplo a localidade de Santana, que, segundo ele, não foi recenseada no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Não sei de fato se lá é Ceará ou Piauí”, admitiu, apesar de garantir mandar um professor ensinar na localidade. O mesmo acontece com várias localidades contabilizadas para Guaraciaba, mas assistidas por Carnaubal. “Temos uma perda de FPM de R$ 1,7 milhão por ano por causa disso”, lamenta.

Para o gestor, o mais importante é ouvir as pessoas, que muitas vezes não têm assistência nem de um município nem de outro. “Eu respeitaria e acataria a decisão da população. Acho que seria um bom senso. Não adianta fazer um acordo e na prática ele não funcionar. Vai criar uma situação de constrangimento e insatisfação”, avaliou o gestor.

Já o prefeito de Guaraciaba do Norte, Egberto Martins, preferiu conhecer melhor a proposta antes de opinar, mas alertou para a possibilidade de queda na receita com o FPM. Ele também admitiu que algumas localidades afetadas em Guaraciaba hoje recebem assistência de Carnaubal. Na reportagem publicada pelo Regional em fevereiro, o prefeito de Crateús, Carlos Felipe, também se disse a favor da realização de consultas populares para decidir a posse das áreas de litígio com o Estado do Piauí.

 

Raízes históricas originam idéia da troca

O total da área de litígio entre o Ceará e o Piauí mede cerca de 3.210km², segundo estimativa do Ipece. Os municípios que perderiam parte de seus territórios para o Piauí, segundo a proposta do deputado Antônio Uchôa, são Poranga (870km² / 68% do próprio território); Ipueiras (287km² / 19%); Crateús (253km² / 8%); Croatá (265km² / 39%); Guaraciaba (137km² / 21%); Carnaubal (72km² / 19%); e Ipaporanga (49km² / 7%). As estimativas territoriais são do Ipece. Segundo o deputado Antônio Uchôa, a proposta de troca de território entre os dois Estados tem raízes históricas, mais precisamente com o acordo de 1880, quando o Ceará cedeu a localidade de Amarração, que fazia parte do município de Granja hoje, correspondente aos municípios de Luís Correia e Parnaíba (PI). Em troca, recebeu do Piauí a região de Príncipe Imperial atualmente, correspondente aos municípios de Crateús e Independência (CE). Por isso, a proposta é que o território em litígio das atuais áreas ao norte fiquem com o Ceará e a faixa litigiosa ao sul volte ao Piauí.

 

Deputado descarta possível permuta

Apesar de a segunda reunião entre as comissões de deputados do Ceará e do Piauí não ter data marcada ainda — a previsão inicial é de que seja realizada este mês —, o deputado estadual Domingos Filho, presidente da Assembléia Legislativa do Ceará e da comissão local, já descartou a possibilidade de permuta entre os dois Estados. O representante local admitiu apenas a demarcação da divisa de forma legal para se definir as responsabilidades sobre a prestação dos serviços públicos na área.

Até mesmo a autoria da idéia anunciada pelo deputado Antônio Uchôa em Teresina é controversa. Segundo ele mesmo, a proposta de permuta seria resultado de consenso entre os governadores Cid Gomes, do Ceará, e Wellington Dias, do Piauí. Entretanto, o deputado Domingos Filho disse que essa foi apenas uma “sugestão” de Wellington Dias, não ratificada pelo governador Cid.
 

Presidente da Assembléia Legislativa do Ceará, Domingos Filho (PMDB)

Depois da reunião passada, ficou acertado que as duas comissões consultariam o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para definir os pontos onde mais há problemas entre os Estados. De posse dessas informações, na próxima reunião, os deputados prometeram elaborar um calendário de audiências públicas a serem realizadas nos municípios envolvidos, para discutir o problema com prefeitos, vereadores e a população. A idéia é chegar a uma proposta consensual e enviar às bancadas federais dos dois Estados no Congresso Nacional para a criação de uma lei federal que ponha fim ao problema.

Segundo o analista de Políticas Públicas do Departamento de Gerência de Estatística, Geografia e Informações do Ipece, Cleyber Nascimento de Medeiros, “com a regulamentação de uma legislação que defina as divisas dos dois Estados, tanto o Ceará quanto o Piauí sairão ganhando, pois ambos terão uma melhor gestão do território, possibilitando prestar uma maior assistência à população local de cada município”.

A imprecisão das divisas estaduais e municipais pode provocar distorção nos dados populacionais e estatísticas econômicas e sociais, entre outros aspectos relevantes.
 
Fonte: Diário do Nordeste (CE)
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