Elétrica, rouca e de unhas roídas até a carne, Deborah Colker não escondia a ansiedade a poucos minutos da estreia oficial de "Ovo", na última quarta, em Montreal (Canadá).
Pudera: não bastasse ser a primeira mulher e a primeira brasileira a dirigir um espetáculo do Cirque du Soleil, a coreógrafa teve nas mãos a tarefa de criar o show de aniversário de 25 anos da popular franquia canadense.
Divulgação |
Casal principal do espetáculo "Ovo", a Joaninha e o Estrangeiro, que vivem um romance |
Quando as luzes se acenderam, o palco foi invadido por uma comunidade de insetos coloridos, que ensaiavam passinhos de dança entre os números acrobáticos da trupe.
O recheio era uma comédia teatral, com a história de amor entre um bicho azul indecifrável e uma gorda joaninha.
No total, "Ovo" apresenta 13 números com os tradicionais contorcionistas, malabaristas, trapezistas e equilibristas.
São 53 acrobatas-insetos em cena, às vezes todos ao mesmo tempo --a diretora não quis usar nenhum dançarino, preferindo ensinar os ginastas a se movimentarem a seu ritmo.
A marca do Cirque du Soleil está lá, com o fulgor de seu entretenimento popular e colorido. Mas não é só o nome, em português, que trai o dedo de Colker no show. Para começar, a ideia de usar insetos como personagens é dela, e possivelmente o melhor casamento entre a diretora e a trupe.
"O tema da biodiversidade veio pronto. Pensei em insetos por causa da relação com os corpos e a acrobacia", afirma.
O gosto do Brasil fica evidente com a trilha sonora, que é carregada de percussão e viaja de samba e forró a funk carioca.
E a assinatura da coreógrafa fica inconfundível no último ato, que mostra uma evolução performática da parede de alpinismo que ficou famosa com o espetáculo "Velox" (1995), da Companhia Deborah Colker. Agora ela tem 8 m e tem apoio de camas elásticas.
No entanto, a inspiração não veio só de casa. O número "Creatura" chegou pronto do grupo de mímica e teatro de máscaras suíço Mummenschanz --só que o bicho elástico acabou dançando o ritmo paraense carimbó.
O belga Joseph Collard, que interpreta o personagem Flipo no espetáculo "Ovo", do Cirque du Soleil |
Conflitos
Ainda assim, dá para ver que não foi fácil fundir uma trupe de escala industrial e marca forte com a direção da carioca.
Ela conta algumas vitórias, como as de levar seu cenógrafo, Gringo Cardia, e diretor musical, Berna Ceppas, para uma superprodução que costuma privilegiar canadenses.
Mas também teve "de ceder em muitas coisas" e listou semanas insones. Gilles Ste-Croix e Guy Laliberté, diretores artísticos, barraram experiências e até inseriram atos de última hora. "Às vezes eu queria matar o Gilles, não conseguia nem falar 'oi'; outras vezes o amava", conta Colker.
Os canadenses também cederam. "Deborah Colker não é qualquer uma", disse Ste-Croix. "Ela é algo a se entender. Mas trouxe muita energia para os personagens."
Na quarta, o resultado agradou: a casa lotada aplaudiu de pé os insetos circenses.
"Ovo" conta com quatro brasileiros entre os músicos e um, Zeca Padilha, entre os acrobatas.
Mas o público nacional terá de esperar até pelo menos 2015 para ver o novo show do Cirque du Soleil, pelas previsões atuais da companhia canadense. A ideia é manter o show na estrada por 15 anos.