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18% das espécies de vertebrados podem sumir até 2100

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Uma pesquisa prevê que, até 2100, as coextinções, quando o fim de uma espécie leva à extinção de outra, se tornarão mais frequentes e isso pode levar ao desaparecimento de cerca de um quinto (17,6%) das categorias de vertebrados.

O artigo foi publicado nesta sexta (16) na revista científica Science Advances, do grupo Science, e é uma colaboração de Giovanni Strona, pesquisador da Comissão Europeia em Ispra (Itália), e Corey Bradshaw, da Universidade de Flinders, em Adelaide (Austrália).

Para calcular o ritmo de extinção, o estudo utilizou uma modelagem computacional que considerou como o desaparecimento de uma espécie provoca impacto direto ou indireto em outras, por meio das chamadas relações ecológicas entre elas (que podem ser de presa e predador, de parasitas, hospedeiros ou de comensalismo, quando uma espécie depende da outra para sobreviver).

A partir de previsões de como as espécies se relacionam entre si -por meio das teias alimentares-, os cientistas fizeram simulações de extinções em uma escala global considerando três cenários climáticos: um em que as emissões de gases estufa vão continuar na taxa atual, um de aumento intermediário e um de aumento de emissões acelerado.

Nos três cenários, as mudanças climáticas, mais do que as mudanças no uso do solo, foram o principal fator que esteve associado ao aumento de extinções locais, incluindo coextinções, de espécies "virtuais", usadas no estudo -os pesquisadores optaram por usar espécies virtuais, e não reais, pois os dados de extinção locais em diversas regiões do mundo são incompletos, podendo gerar inconsistências na análise.

Levando em consideração os efeitos de extinção de uma espécie para o desaparecimento de outras espécies, as coextinções podem ter um efeito de até 184% a mais em cima das extinções primárias.

Esse efeito foi ainda mais deletério em espécies classificadas como "vulneráveis" no modelo ecológico, embora seja difícil calcular o quanto do efeito seria real em espécies vivas.

"Nós não estamos mapeando o desaparecimento total de uma espécie em particular no planeta, mas sim fazendo uma projeção realística, a partir de seu comportamento e relação com outras espécies, dado o ritmo atual de mudanças climáticas e de uso de terra", disse Giovanni Strona, em entrevista à Folha de S.Paulo.

O autor lembra que embora sejam modelos, eles são bem previsíveis e se aproximam do observado hoje com algumas espécies. "O que nós demonstramos no estudo é que quando deixamos uma situação em que alguns grupos altamente especializados são extintos, outros que dependem diretamente deles vão sofrer um impacto, tornando as relações ecológicas menos eficientes", explica.

Ele cita um exemplo da vida real, o da maior mosca conhecida da África, a espécie Gyrostigma rhinocerontis, que é parasita do rinoceronte-negro africano. "Esse é um bom exemplo de uma espécie altamente especializada que evoluiu em milhares de anos para ser parasita somente de um animal, o rinoceronte, e com a caça predatória ela está declínio porque existem algumas poucas populações do rinoceronte-negro no sul da África", diz.

Dessa forma, a coextinção, embora possa parecer um fenômeno distante, é muito mais próximo.

A herpetóloga (que estuda répteis e anfíbios) e professora da Universidade Federal da Bahia Luisa Diele-Viegas, que não participou da pesquisa, cita estudos produzidos no Brasil que já mostram esses declínios populacionais por causa das mudanças climáticas e os efeitos em outras espécies.

Um exemplo foi um estudo publicado recentemente que mostra que as mudanças climáticas têm provocado a savanização de áreas na Amazônia por causa de alterações no regime de chuvas, afetando a fauna local.

"O que a gente observa é que conforme o desmatamento e a mudança climática avançam, aumenta a perda floresta e as espécies que são mais generalistas [grosso modo, que possuem muitas outras fontes de alimento] adentram nas áreas que eram originalmente florestadas, e isso faz com que as espécies mais especializadas, endêmicas das matas, vão sendo gradualmente eliminadas localmente até a extinção", explica.

Em relação aos biomas brasileiros, uma diferença que já pode ser observada, inclusive em estudos feitos pela própria pesquisadora, é em relação ao aumento de incêndios em áreas da caatinga. "A caatinga, diferente do cerrado, não é um bioma fogo-dependente [ou seja, que precisa do fogo constante para se manter em equilíbrio], então as queimadas frequentes acabam prejudicando a fauna e flora local e podem levar ao desaparecimento de espécies", afirma.

Essas queimadas mais intensas já são fruto direto das mudanças climáticas, segundo relatório do IPCC (painel do clima da ONU) divulgado neste ano, que diz que eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e intensos.

Para a pesquisadora, usar modelos preditivos é uma ferramenta essencial justamente para identificar esses ecossistemas com maior risco de sofrer extinções por mudanças no uso do solo. "Utilizando diferentes cenários, dos mais pessimistas aos mais otimistas, é possível identificar as áreas chamadas refúgios, que vão manter ajudar na manutenção dessas espécies e ajudar em políticas de preservação", diz.

A pesquisa de Strona e Bradshaw teve um resultado que foi considerado surpreendente por muitos cientistas: a alteração no uso de terra, principalmente causada pelo desmatamento, não tem um papel assim tão significativo na extinção das espécies.

"Mas isso é uma interpretação simplista, porque o desmatamento é um fator determinante das mudanças climáticas, já que ele também eleva as emissões de gases de efeito estufa. O que nós vimos é que, comparativamente, o número de extinções [medido pela taxa de perda de biodiversidade] é menor do que o causado por mudanças climáticas", diz.

Fonte: Folhapress/Ana Botallo

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