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Francisca Trindade, uma história de resistência; 20 anos de sua partida

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Foto: Alepi

 

Neste 26 de março, aniversário de 57 anos da deputada federal Francisca Trindade, Sônia Terra, amiga da parlamentar, escreve artigo resgatando memórias afetivas e a história da piauiense. 

Francisca Trindade morreu aos 37 anos, em julho de 2003, vítima de aneurisma cerebral. Foi a parlamentar mais votada da história do Piauí nas eleições 2002, com 165.190 votos.
Leia artigo 


TRINDADE: FRANCISCA UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA. MEMÓRIAS AFETIVAS. SAUDADE PERMANENTE.

Sônia Terra*

Com o mês de março, trago em mim, mais forte, um sentimento de saudade. Saudade de uma mulher cuja existência marcou muito as nossas histórias. Saudade de Francisca Trindade!

Relembro com saudade o sorriso carismático, a inteligência marcante, a coragem desafiante, a alegria contagiante... a amiga presente e a companheira brilhante. Lembro com saudade e muito orgulho.

Esse ano de 2023 marca 20 anos de sua prematura partida para uma outra dimensão... 20 anos desde aquele 26 de julho que marcou para sempre a história do Piauí, quando perdia uma das suas maiores lideranças políticas. Partiu aos 37 anos, vítima de um aneurisma. Nesse 26 de março de 2023, Trindade faria 57 anos. Seguimos celebrando e agradecendo a força potente que foi sua existência entre nós.

Para uma geração mais nova, é sempre importante dizer quem foi Francisca Trindade. Para nós, que com ela convivemos, é sempre necessário relembrar quem foi e sempre será Francisca Trindade.

Mulher negra, Francisca Trindade, destacou-se no Piauí como importante e potente liderança na luta pelos direitos de cidadania e justiça. Filha de Raimundo Pereira da Trindade e de Lídia Maria da Trindade, nasceu em Teresina em 26 de março de 1966 e sempre teve o bairro Água Mineral, zona norte da cidade, como seu lugar de vivências e militâncias. Era casada com Edilberto Borges e mãe orgulhosa de Camila Kissy e Yan Kalid.

Atuou como professora, iniciou sua participação na militância católica, na Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP) da Arquidiocese de Teresina e na sua comunidade, onde fundou e presidiu a Associação de Moradores do Bairro Água Mineral. Posteriormente atuou na criação da Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí-FAMCC, resultando em ativa atuação na organização da Articulação Nacional do Solo Urbano, onde foi representante do estado na Central Nacional de Movimentos Populares. Assumiu a militância partidária em 1985 quando se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT). Nas eleições de 1992 disputou uma vaga na Câmara Municipal de Teresina na legenda petista e ficou como primeira suplente. Em 1995 assumiu o mandato no lugar de Wellington Dias, e em outubro de 1996 conseguiu eleger-se vereadora. Nas eleições de outubro de 1998 elegeu-se deputada estadual na legenda do PT, tendo sido a mais votada em Teresina e a quinta mais votada em todo o estado. Nos anos 1999-2000 foi presidente da Comissão de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa. Nas eleições municipais de 2000 foi candidata a vice-prefeita de Teresina na chapa encabeçada por Wellington Dias, mas não teve sucesso.
No pleito de outubro de 2002 foi eleita deputada federal com 165.190 votos, então a maior votação da história do Piauí. Tomou posse em fevereiro de 2003 e tornou-se primeira- vice-presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior. Faleceu em pleno exercício do mandato, no dia 26 de julho de 2003, em São Paulo.

Em meio a toda essa trajetória, seus passos também marcaram uma intensa participação no movimento negro e de mulheres, onde foi uma das fundadoras do Grupo Afro Cultural “Coisa de Nêgo”, em Teresina, em 1990. Essa presença marcante como mulher negra, contribuiu significativamente para dar visibilidade as discussões em torno das questões étnico- raciais, trazendo ao cenário local uma maior participação de lideranças negras, inspiradas por sua história de vida.

Sua incansável luta no movimento de moradia, possibilitou-lhe uma maior consciência de classe, gênero e raça, onde firmava e fortalecia seu espaço como cidadã, mulher e negra. Desafiava sem medo as injustiças, trazendo na sua voz o grito das muitas vozes silenciadas pela opressão e marcadas pelas desigualdades sociais e raciais.

Falar de Francisca Trindade vai muito além de uma saudade, de uma amizade. Falar de Francisca Trindade é não deixar na teia do esquecimento o seu rico legado para a história política, social e cultural piauiense. É falar do protagonismo de mulheres negras, através de sua trajetória forjada nas lutas que marcaram a sua existência e resistências. Falar de Francisca Trindade é reconhecer sua herança ancestral de mulher negra, que herdeira de Esperança Garcia, não aceitou passivamente o lugar da invisibilidade imposta às mulheres negras e afrontou o sistema patriarcal, racista e classista de uma sociedade que não aprendeu a respeitar nossa existência. Falar de Francisca Trindade é evidenciar uma trajetória marcada por insubmissões à “pirâmide social que nos colocou sempre na base, subjugadas por questões de gênero tanto quanto pelas étnico-raciais.” (ALMEIDA et al, 2018).

Falar de Francisca Trindade é importante, sobretudo, para que as novas gerações possam conhecer sua história, vivenciada em um contexto social pós ditadura e onde nosso sonho juvenil se entrelaçava com o sonho coletivo de uma sociedade melhor, com igualdade de direitos e cidadania plena. Visibilizar sua trajetória é reconhecer o seu legado de contribuição na política piauiense, na inserção de novos paradigmas na vida de mulheres que se fortaleceram em suas lideranças. É reafirmar que sua história de representatividade negra nos impulsiona a seguir firmes na luta antirracista, potencializando cada vez mais nossa participação política social na sociedade piauiense.

Francisca das Chagas da Trindade, segue frutificando suas sementes em cada mulher negra que segue desafiando o poder opressor e recriando-se em suas potencialidades com a coragem, a altivez e a ousadia de ser herdeira de Esperança Garcia.

Trindade Vive em cada uma de nós. Sempre viverá!


*Sônia Terra é Jornalista, Educadora Social, Integrante da Rede de Mulheres Negras do Piauí, Mestranda em Sociedade e Cultura/UESPI

 

Da Redação
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