Cidadeverde.com

STF autoriza retorno de mulher mantida sob escravidão à casa de desembargador

Imprimir

Foto:  Dorivan Marinho/SCO/STF

O caso do desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) Jorge Luiz de Borba, suspeito de manter uma empregada em condições análogas à escravidão, teve uma reviravolta na quinta-feira, 7. André Mendonça, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou o encontro do desembargador com a vítima e permitiu que ela volte para o lugar de onde foi resgatada - se ela concordar.

Mendonça rejeitou um recurso da Defensoria Pública que queria impedir o reencontro para proteger a vítima.

O processo foi encaminhado ao Supremo depois que o ministro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu atender pedido do desembargador para poder retomar o contato com a empregada.

Campbell se disse convencido de que, após examinar o processo, não viu indícios suficientes de crime porque a empregada "viveu como se fosse membro da família" na residência dos investigados

O desembargador e a esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, pediram para ter acesso à vítima e poderem trazê-la de volta, se ela concordar.

Desde a operação da Polícia Federal do dia 6 de junho, que resgatou a empregada doméstica, ela está em uma instituição de acolhimento, cujo endereço permanece sob sigilo.

Agora, com a nova decisão da Justiça, Borba pode saber onde ela está e reencontrá-la. Se a vítima concordar e quiser, ela poderá voltar para a residência do desembargador.

Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, o desembargador continua exercendo suas funções na 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SC.

Desde que o caso foi revelado, ele já recebeu quase R$ 200 mil em salários e benefícios.

Entenda a reviravolta do caso

A Defensoria Pública da União, que defende a empregada doméstica, discordou da decisão, alegando que a Justiça precisa respeitar um protocolo de ressocialização da vítima, para que ela conquiste a autonomia necessária para tomar uma decisão sobre o seu futuro.

A empregada é surda e nunca aprendeu Libras enquanto morava na casa do desembargador.

Ela foi levada para lá aos 9 anos e hoje tem 50. A vítima raramente saía de casa e também não sabe ler. Na instituição de acolhimento, ela está aos cuidados de profissionais que têm dado suporte a essas questões.

'Sem risco'

Mendonça manteve a posição de Campbell Marques, autorizando o encontro dos investigados com a vítima e um eventual retorno dela para a casa do desembargador.

"Não consta do processo e tampouco há notícia da existência de manifestações técnicas especializadas a respeito da capacidade intelectual da paciente (a empregada doméstica), no sentido de que a mesma seria privada de discernimento", argumentou o ministro do Supremo.

Em outro trecho da decisão, Mendonça disse ainda que não via na decisão do STJ um "risco" à empregada, como apelou a Defensoria

'Como membro da família'

Na instância de origem da investigação, o ministro do STJ Campbell Marques permitiu o reencontro e a volta da vítima para o local de onde foi resgatada por entender que os depoimentos das testemunhas não têm indícios de que a empregada foi tratada como escrava.

"Considero que os depoimentos colhidos, (...), mitigaram sobremaneira a percepção inicialmente configurada, não havendo, ao menos por ora, elementos para presumir que ainda se faz presente o risco de perpetração do delito do art. 149 do Código Penal", decidiu o magistrado. O crime do artigo 149 é "redução a condição análoga à de escravo".

Ele considerou que o fato da vítima não ter tomado todas as vacinas é "circunstância, evidentemente, despida de qualquer relevância" e citou exemplos de momentos de convivência familiar

"Pelos últimos 40 anos, a suposta vítima do delito viveu como se fosse membro da família", afirmou Campbell Marques na decisão.

O encontro estava marcado para acontecer na última quarta-feira, 6. A Justiça determinou que ela aconteceria dentro da instituição de acolhimento, com a presença dos advogados das partes, e fosse gravada, para servir de prova nas investigações

Afastamento do auditor do trabalho

Poucos dias depois do caso vir à tona, Campbell Marques determinou o afastamento do auditor do trabalho Humberto Monteiro Camasmie das investigações, proibiu o acesso dele aos autos e ordenou à Polícia Federal de Santa Catarina que o investigue pelo crime de violação de sigilo funcional, cuja pena é de seis meses a dois anos de detenção.

A motivação do ministro foi a entrevista que o auditor concedeu ao programa Fantástico. "Os fatos por ele noticiados durante sua entrevista encontravam-se sob segredo de Justiça", argumentou o magistrado.

Além da medida criminal, Campbell Marques determinou que Camasmie também seja investigado pela Corregedoria do Ministério do Trabalho e do Emprego pelo suposto vazamento de informações da investigação.

Outro lado

Desde que o caso veio à tona, Jorge Luiz de Borba nega todas as acusações. Depois da operação da Polícia Federal que resgatou a empregada, ele divulgou uma nota dizendo que "a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida" na família.

"Aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo suspeita de trabalho análogo à escravidão, na verdade, expressa um ato de amor", declarou o desembargador.

Ele também afirmou que vai pedir a adoção afetiva da vítima.

Além da investigação sob os cuidados do STJ, Borba também responde a uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por causa do episódio. Os dois procedimentos são sigilosos.

 

 

Estadão Conteúdo

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais