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Laurentino Gomes diz que "1822" é "candidato " a virar minissérie

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Sucesso no papel, Laurentino Gomes diz acalentar o ideia de ver "1808" e "1822" serem vertidos para a TV. "São candidatos naturais a minisséries."



Já o próximo livro será sobre "1889", para "fechar a trilogia das datas ícones da formação do Brasil". Mas Gomes pensa em escrever sobre a escravidão e a Guerra do Paraguai --"sempre no século 19".


Folha - Você se sente pressionado pelo sucesso?

Laurentino Gomes - Sim, o sucesso de "1808" me assustou um pouco, e tive que fazer um trabalho de redesenho interno para manter uma atitude humilde e não subir no salto alto.


Ele ainda te espanta?

Não me acostumei com a ideia de ser um best-seller. O livro tem uma coisa misteriosa: a resposta imediata do leitor, que algo é surpreendente. Porque ele não se limita a ler o livro; ele procura contato com o autor, manda perguntas e comentários por e-mails, quer participar de bate-papos, das sessões de autógrafo...





Entre a publicação de "1808" e "1822" passaram-se três anos, período em que o Facebook e o Twitter se tornaram febres no país. Você notou diferença na recepção e divulgação de um e outro livro por conta dessas redes sociais?

Sim, o efeito delas é poderoso. Têm um efeito multiplicador muito maior [do que a mídia tradicional] e atingem um público formador de opinião e muito inovador.


Qual a matriz narrativa da obra: história ou jornalismo?

O DNA do trabalho é sem dúvida o jornalismo. Não há muita diferença entre o que faço e o que faria em jornal ou revista. A diferença está apenas na profundidade e na extensão. Mas a linguagem, a pesquisa, o modo de editar a informação é um trabalho de apuração jornalístico. Porque confronto as fontes e, sobretudo, vou aos locais em que as coisas ocorreram. Quer dizer, isso é bem diferente do que em geral se faz na historiografia acadêmica.Mas sou um jornalista. Poderia estar fazendo isso nas áreas de medicina, astronomia, psicologia; mas por vocação, faço em história.


Como organiza a massa de informações?

Pesquiso sozinho, porque às vezes há um dado que muda toda a forma de organizar o texto. Por exemplo, a informação de que José Bonifácio usava um rabicho no cabelo e que ele o escondia debaixo da casaca, nas cerimônias oficiais.Faço uma edição sutil, combinando informações pitorescas, análises mais profundas e perfil das pessoas.




Fica mais atento ao detalhe?

Isso, os detalhes que irão surpreender o leitor. Funcionam como uma isca.


"1822" enfatiza mais personagens e perfis do que o processo --social, econômico, cultural... Isso também vem do jornalismo?

É uma fórmula narrativa muito característica do que se faz nos EUA e no Reino Unido. Mas também é uma ferramenta do jornalismo. O personagem se torna quase um avalista de uma informação de caráter mais macroeconômico ou sociológico.


Mas sua ênfase é mais nas personagens da elite ou que orbitam em torno dela. Suprimir o povo também foi uma opção deliberada?

Sim, porque não dá pra contar a história da Independência ignorando dom Pedro 1º, José Bonifácio, a princesa Leopoldina, o lorde [Thomas] Cochrane. Eles são personagens-âncora.
Além disso, a história desses personagens está muito mais bem documentada do que, por exemplo, a história de um cidadão anônimo que passou que morava no Rio.
Se eu invertesse totalmente a perspectiva, seria uma construção muito mais demorada e exigiria uma pesquisa primária que ainda não existe no Brasil.


Um livro sobre história pode ser ideologicamente neutro?

Não acredito nisso. Algo fascinante dessa disciplina é que ela pode justamente ser manipulada o tempo todo --seja por quem está no poder ou na oposição. E isso não é por má fé. A história é uma construção mitológica que refaz o passado para justificar lutas e bandeiras políticas do presente.


Sob esse ponto de vista da impossibilidade de isenção, como você definiria "1822"?

Acho que é um sobrevoo sobre tudo o que se fez sobre isso no passado. Tem ali o Oliveira Lima, mas tem também o Tarquínio, a Isabel Lustosa, há também um pouco da historiografia portuguesa, que não é muito estudada no Brasil.


No livro, há muito pouco da historiografia clássica de esquerda sobre o período...

Sim, porque há obras que são literalmente inúteis, como as de Nelson Werneck Sodré. É uma análise meramente ideológica do que aconteceu. Essa historiografia marxista é muito fascinada pelos macrofenômenos. Não tem pessoas ou personagens --é uma história asséptica.


Como você reage às críticas da academia, que diz que livros de divulgação, como o seu, banalizam a história?

Elas foram mais forte no começo, mas depois acabei sendo validado. Por exemplo, soube que quem me indicou para o prêmio da ABL foi José Murilo de Carvalho. Isso mostra que os historiadores sérios aceitam a ideia de que sou um divulgador, e não um banalizador.


Já há um público cativo no Brasil para esse gênero?

Sem dúvida. É só olhar as listas dos mais vendidos para ver como há uma demanda reprimida por esse tipo de trabalho.Mas há também um desafio para o mercado editorial no Brasil, que é o de fazer livros com linguagem mais acessível. Acho que é um erro publicar uma tese de doutorado em estado bruto e achar que vai atingir um público mais amplo. Isso não acontecer! Esses trabalhos têm que passar antes pela crivo da edição.


Por que, de "1808" a "1822", você trocou de editora?

Tive dificuldade em convencer a editora a fazer estratégias mais agressivas, tive que montar minha própria estrutura de divulgação e de marketing. Também tive problemas editoriais: uma edição de "1808" que saiu com páginas misturadas com páginas de outro livro ["O Sári Vermelho", de Javier Moro]. Soube pelos leitores, que me perguntavam o que Indira Ghandi tem a ver com dom João 6º!


O mercado editorial no Brasil ainda é muito amador?


Sim, por não conseguir criar fórmulas para ampliar o público leitor. É um erro dizer que o problema da falta de leitura no Brasil é apenas de renda e escolaridade.Mas há também um gargalo na distribuição.
Acho que a formação de leitores começa por "Harry Potter", "Crepúsculo", "Lua Nova". E quem sabe, lá na frente, esse leitor esteja lendo --talvez nem ele, mas seu filho-- Proust, Saramago...


O que pensa dos e-books?

Não se pode confundir o futuro do livro com o futuro do papel. O importante é manter a relevância do conteúdo e testar novos formatos para atingir novas audiências. O mundo, daqui para a frente, é multimídia!


O próximo livro?

"1889" --quero fechar essa trilogia das datas ícones da formação do Brasil. Também gostaria de fazer um livro sobre a escravidão e outro sobre a Guerra do Paraguai.


Você gostaria de ser convidado para dar uma aula ou palestra na USP, que é o ícone da academia no Brasil?

Gostaria muito! Em primeiro lugar, porque é um lugar que identifica novos fenômenos e o analisa com a profundidade necessária.E também para entender com a academia --e que respeito muito, como a USP-- tá interpretando o meu fenômeno.Acho que seria uma oportunidade maravilhosa contar a eles o que estou fazendo, mas também para ouvirem a respeito do que eu faço.


Fonte: Folha

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