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Em coma, Fábio Barreto tem rotina detalhada pelo pai

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O sertanejo é, antes de tudo, um forte. "Na época em que eu nasci, de dez crianças nordestinas, só três sobreviviam. Tenho couraça. Como o Lula, eu vi menino sendo enterrado em beira de estrada. A gente via criança sendo levada para o enterro nuns paus, enrolada numa rede... Todo mundo chamava de anjo. Tinha cemitério de anjo na minha cidade. Sou sertanejo, minha filha."

Luiz Carlos Barreto, 82, produtor de mais de 50 filmes, fotógrafo de "Vidas Secas" (1963) e comandante em chefe da política cinematográfica, é, antes de tudo, um resistente.

Resistiu a sucessos ("Terra em Transe", "Dona Flor e Seus Dois Maridos", "Bye Bye Brasil") e fiascos ("Tati, a Garota", "Bella Dona"). Resistiu à fama de maior produtor do Brasil e à de lobista imbatível. Agora, Barretão, como é conhecido por todos, resiste a um drama pessoal.


NOVA ROTINA

Por trás da história de "Lula, o Filho do Brasil", que voltou ao noticiário após a escolha para representar o país no Oscar, há uma outra história que faz Barreto ouvir as críticas ao filme com uma suavidade que não lhe era comum. Sua fala acalmou-se. Sua rotina mudou.


Atualmente, Barretão, que mora numa casa rodeada por árvores, no parque Guinle, vai todos os dias visitar o filho, Fábio Barreto, ali perto, em Laranjeiras mesmo. Vai sempre nos fins de tarde.


"Acontece de ir na hora do almoço, mas gosto mais de ir no final do dia", diz. "Nos finais de semana, não. Aí eu fico mais tempo lá. Converso com ele, a gente vê filmes juntos. O Fábio gosta muito do 'Babel', do 'Ouro Negro'. Gosta muito de cinema épico. A gente coloca esses filmes porque, nesta fase, a ativação cerebral é o mais importante a fazer."

Nelson Antoine/AP

Fábio Barreto

OLHOS ABERTOS


Fábio, 52, sofreu um acidente de carro na noite do dia 19 de dezembro do ano passado, em Botafogo, no Rio de Janeiro, quando, após a terceira tentativa frustrada de embarcar para o Piauí, voltava para casa.


Ele iria passar o Natal com a mulher e com um dos quatro filhos em Teresina. Não conseguiu voo.


O cineasta chegou ao hospital entre a vida e a morte. Em três meses de internação, passou por cirurgias, deu sinais de recuperação, mas, até hoje, não acordou. Em casa desde o final de março, assistido por uma equipe médica, alimenta-se por sonda e não se mexe.


"Ele está se recuperando lentamente", diz Barreto. "Ele está ouvindo tudo e passa boa parte do tempo acordado. O que ainda não está medido é o grau de elaboração do que ouve. Não sabemos se entende. Esse teste será feito até o final do mês."


Há dez dias, o pai contou para o filho que "Lula" disputará a vaga no Oscar. "Ele faz algumas expressões, mas não sabemos o que significam", diz. "Mas isso eu contei na hora. Ele apostou que o filme iria para o Oscar."


Fábio Barreto está no que se chama de coma flutuante. Passa muitas horas com os olhos abertos, reage de diferentes maneiras aos filhos, à mulher e aos pais, mas ele não interage com o mundo exterior.


Barreto desfia informações sobre pesquisas internacionais a respeito do assunto, sobre ligações neuronais e nutrição. "Ele está com uma alimentação à base de ervas", diz.


"Tinham começado a aparecer coisas que o Fábio nunca teve, como diabetes, pressão alta. Com essa alimentação, mudou tudo."


CRENÇA E DESCONFIANÇA

Barretão também é capaz de descrever, em detalhes, o local do acidente. "O Fábio foi vítima de uma irresponsabilidade. O carro atravessou a pista porque tinha ali uma gradezinha que não segurava nem bicicleta", diz, num lampejo de indignação.


Barretão, mesmo ao lembrar os momentos mais duros destes meses, não fraqueja. Quando parece que os seus olhos vão marejar, dá um volteio qualquer e ressurge forte.


Apenas quando ele cita sua mulher, Lucy, o sertanejo deixa antever, na pele resistente, algum traço de esmorecimento.


"Ah, a Lucy é mais forte que eu. Ela tem um misticismo... Ela tem certeza que o Fábio vai acordar. Só não tem a data", sorri.


Barreto crê na ciência e no poder místico. "Mas acredito duvidando. Às vezes, boto o espelho na frente dele e digo: 'Olha aí, você tá mais novo. Parece até que tá gostando disso. Sai daí logo, rapaz."




Fonte: Folha Online

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