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Filho de Glauber Rocha estreia na ficção com homenagem ao pai

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"Todo mundo carrega o peso da sua história; essa é a minha", diz em entrevista ao Terra na varanda do hotel que é sede do 43º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. "A ligação com meu pai sempre existirá, independente de quantos filmes eu fizer; mas que bom ser sempre lembrado pelo nome de Glauber, um gênio do nosso cinema".





Ontem à noite não foi diferente. Houve a curiosidade natural por parte do público e a ansiedade, talvez dupla, do diretor de 32 anos por exibir na competição do evento Transeunte. Mesmo sendo seu quarto longa-metragem, trata-se da primeira ficção, que vem após Rocha que Voa (2002), este feito justamente para refletir sobre o legado artístico e pessoal paterno, Intervalo Clandestino (2006) e Pachamama (2008), todos documentários. Eryk pode não fazer distinção entre os registros, mas a boa acolhida do novo filme ao menos responde à dúvida de sua habilidade ficcional.


Ainda sim, Transeunte é um trabalho que caminha na linha tênue do universo da ficção e do documentário. Conta o cotidiano de Expedito (Fernando Bezerra), homem na fase de seus 60 anos, solitário e preso a uma vida metódica sem grandes acontecimentos. Seu dia se resume a ouvir rádio ou olhar da janela de seu pequeno apartamento o canteiro de obras de uma grande construção no centro antigo do Rio de Janeiro. Caminha a esmo pelas ruas, faz compras, corta o cabelo, e apenas uma sobrinha lembra o dia do seu aniversário com um bolo. Aos poucos, porém, flagra-se algumas pequenas alegrias, como freqüentar uma roda de samba, chamada aqui de seresta, ou um encontro sexual com uma bela mulher. É um despertar para a vida, na medida do possível que cabe ao personagem. Tudo filmado com uma câmera tranqüila, com muitos closes no rosto e em partes do corpo do protagonista, num preto-e-branco poético.


Curioso que um jovem tenha escolhido o drama de um homem muito mais velho para pensar em sua estréia na ficção. "Acho que tive perdas sérias muito cedo, como meu avô e meu pai, e tive que lidar com a morte ainda quando criança", explica Eryk, que tinha apenas três anos quando Glauber morreu em 1981. Mais significativo, porém, é o fato de se interessar em criar um personagem comum nas grandes cidades, longe de qualquer referência de feitos grandiosos na vida. Ele conta ter tido a idéia inicial em 2004, quando apresentou no Festival de Cannes o curta-metragem Quimera. "Eu via aquele desfile de celebridades na passarela e imediatamente me ocorreu um perfil oposto a isso tudo, um anônimo como muitos que existem e talvez não deixem uma memória, um rastro no mundo; passei a me perguntar quem contaria a história dessas pessoas sem laços familiares ou realizações extraordinárias". A partir do argumento, ele se uniu a roteirista Manoela Dias para compor Expedito, um nome dúbio sugerido por um amigo e colecionador de material de cinema. "Ficou simbólico, porque ele é calmo, vai na inércia e não tem nada de expedito".


As referências cinematográficas surgem no decorrer do filme, numa inspiração natural a quem cresceu sob a orientação da mãe, a também diretora Paula Gaitán, que deu a luz a Eryk em Brasília, depois de conhecer Glauber nas filmagens de Terra em Transe. Foi ela que, junto com os filmes e a volumosa produção escrita do pai, formou Eryk. "Ela me apresentou ao filme que me fez decidir trabalhar com cinema, Outubro, do russo Sergei Eisenstein".


Inevitável que apareçam citações ao Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro de que Glauber foi líder, como o momento em que o protagonista ouve um profeta (o cantor Lirinha numa praça pública. A exemplo do que o cineasta baiano fez em 1968 em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, Eryk agora também circunda o personagem com a câmera. O próprio diretor recita suas outras influências, como o referencial Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutierrez Alea, produção de Cuba, onde Eryk estudou. Também concorda, quando sugerido pelo repórter, com as similaridades com A Falecida, de Leon Hirszman, apenas no movimento contrário. Aqui, enquanto a jovem personagem deseja a morte com obsessão, Expedito quer viver quando a morte já se mostra próxima.


Eryk acredita que poderia ter buscado a história também no universo documental, já que muitas das passagens filmadas nas ruas cariocas e o cotidiano de Expedito se mostra sempre pela janela da realidade. "Mas antes de tudo eu queria experimentar algo novo, arriscar, conhecer o trabalho com atores e a dramaturgia da ficção; não acho que há importância maior ou menor em um ou outro registro, ambos tem suas complexidades". A prova da disposição em apostar está nos próximos trabalhos do diretor, o drama sobre um taxista de serviço noturno, além de dois documentários, um sobre o Cinema Novo e outro sobre a ligação entre chineses e peruanos a ser filmada no Peru. Sem esquecer suas influências e raízes, como diz, mas também buscando caminho próprio.



Fonte: TERRA

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