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ABO e Rh na farda

As casas legislativas brasileiras são um reflexo do nível educacional do seu povo. Falo isso me relacionando a todas as esferas (municipal, estadual e federal). Nossos representantes são uma amostra em miniatura da nossa própria população, por isso nem adianta reclamar muito sobre a qualidade dos políticos que são eleitos, salvo raríssimas exceções.

Na semana que passou analisamos no Conselho Estadual de Educação do Piauí uma lei prestes a ser sancionada pelo Governador do Estado sobre a obrigatoriedade de se colocar no fardamento escolar de todos os estudantes o grupo ABO e o fator Rh do estudante. A análise nos obriga a elencar pontos positivos e negativos da medida que, a princípio, soa como uma medida de grande relevância. Pensamos isso porque imaginamos que em situações de urgência ou emergência médica, para a necessidade de uma transfusão sanguínea, ganhar-se-ia algum tempo, porque a informação estaria ali no fardamento do estudante. Talvez tenha sido este o raciocínio do legislador quando teve a ideia e a apresentou aos seus pares que, certamente, devem ter debatido o tema, uma vez que uma lei desta magnitude impacta diretamente sobre o bolso dos pais que, todo início de ano, se obrigam a deixar muitos recursos para aquisição do material escolar, o que inclui o fardamento.

No plenário do Conselho discutimos prós e contras e fechamos com ideia de que a lei deveria ser vetada pelo Governador pelo fato de não trazer nenhum ganho para o estudante e sua família. Primeiro porque existe toda uma legislação em nível nacional que regula os procedimentos hemoterápicos desde 1988 quando, na época, explodia em todo o país a epidemia de AIDS, doença cujo agente etiológico é veiculado pelo sangue contaminado. Foram aprovadas leis e emitidos decretos de regulamentação que detalham os procedimentos necessários para captação e transfusão de sangue. Estes instrumentos legais obrigam as casas de saúde a fazerem todo o levantamento da tipagem sanguínea ABO e Rh, que são requisitos importantes para o processo de transfusão de sangue. O mais recente instrumento que regula isso foi uma Portaria emitida pelo Ministério da Saúde em 2016, reafirmando a necessidade de que os procedimentos preparatórios sejam feitos. Se é desse jeito pergunta-se: qual a necessidade de bordar, pintar ou aplicar sobre a farda escolar esta informação, visto que ela não será usada? Por unanimidade decidimos indicar ao Governador o veto.

Fico pensando em algumas leis que são produzidas no nosso país e que terminam virando um bom motivo para refletirmos sobre a política de uma maneira geral. Lembro bem de um kit de primeiros socorros que fomos obrigados a adquirir como uma imposição do Código de Trânsito que trazia umas gases, luvas e esparadrapo, cuja efetividade de uso só servia para se tratar danos pequenos como os provocados por uma topada, por exemplo. Em tempo algum aquele kit salvaria vidas como deve ter pensado o legislador que a incluiu no código e tornou obrigatória a aquisição. É como esta lei “educacional” que vai favorecer bem os comerciantes que trabalham com a personalização de fardamentos escolares. Os pais que, como eu, têm muitos filhos, sequer podem aproveitar a farda de um filho pro outro, visto que as crianças não são obrigadas a terem os mesmos grupos sanguíneos, nos sistemas ABO e Rh, que os seus irmãos.

A lei foi sancionada e publicada em 15 de janeiro de 2020, de acordo com o Diário Oficial do Estado.

Boa reflexão para todos (as).

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