Por: Aníbal Cantalice
Morar no Piauí e não conhecer o famoso B-R-O-BRÓ, seria quase uma heresia. A expressão vem da junção das últimas sílabas dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, que são os mais quentes do ano. É nessa época do ano que o piauiense se prepara para grandes ondas de calor e para as demais consequências que o período pode trazer. Dentre as consequências naturais está a falta de chuvas, alto índice de evapotranspiração (ciclo que envolve a mudança da água líquida no solo e nas plantas para a atmosfera em estado gasoso), fazendo com que o ambiente fique mais seco e propício para que aconteçam queimadas.
Então a resposta é fácil “tá queimando porque está quente!”. Se você olhar por esse lado, SIM. O que nós chamamos de inverno vai chegando, o clima vai ficando cada vez mais quente, deixando as plantas secas e o próprio calor faz com que as matas peguem fogo. Mas se o natural é assim, por que a cada ano que passa parece que se ampliam os focos de incêndio? Se você está pensando nisso, você está certo. O mês de setembro normalmente é o que apresenta o maior número de focos de incêndio. Só neste último setembro foram registrados 5106 focos de incêndios no Piauí, ou seja, um aumento de 45% quando comparado à 2020 e a 38% em relação à 2019, sendo que somente em 2010 tivemos um número de focos maior que esse¹.
O que acontece é que grande parte das queimadas são ocasionadas pelo ser humano nas mais diversas formas, desde a uma simples bituca de cigarro jogada para fora do carro em uma área com vegetação próxima até o ato de queimar a vegetação a fim de abrir espaço para a produção de gado, expansão agrícola ou apropriação de território, sendo estas três últimas as causas mais frequentes de incêndio no Piauí e no Brasil. Um dos casos mais graves e extremamente noticiado foi o incêndio que aconteceu na região do Pantanal, que teve como causa a ação humana². O aumento das queimadas ocasionados pelo ser humano, embora ocorram em áreas locais, não é uma ação única, ou seja, acontece em todo o território brasileiro e mundial.
Esse aumento de queimadas implica de diversas formas o ser humano, formas essas que às vezes não refletimos muito, ou pelo menos não nos colocamos como culpados. A principal delas é a perda da vegetação natural, que por sua vez é responsável por diversos processos ecológicos, sendo a manutenção e regulação da temperatura uma delas. Por exemplo, estudos recentes mostraram que a diminuição da vegetação entre 2000 e 2010 levaram a um aumento médio de 0.38ºC nas regiões tropicais, bem como se a devastação continuasse e tivéssemos uma perda de 50% das florestas tropicais o aumento seria entre 1.0ºC e 1.5ºC ³. Com isso, a temperatura aumenta e o ambiente fica propício para novas queimadas.
Então dessa vez parece que a resposta para a nossa pergunta seria “ta quente por que tá queimando!”. Se você olhar por esse lado, SIM. As florestas são queimadas, e por falta de árvores o balanceamento do clima é prejudicado e as temperaturas aumentam. Mas, é aí... Qual é o certo? Que lado você escolhe da história? Se essa pergunta fosse para mim, biólogo, com pesquisas em conservação da natureza e ciências sociais aplicadas, eu escolheria não ter um lado, mas sim entender que existe um processo natural que estamos intensificando, querendo ou não para o nosso bem-estar, apesar de temporário. Eu aconselharia mudarmos nossa abordagem. Começar a pensar em um bem-estar duradouro e combater esse número de queimadas que só vêm aumentando.
Para isso, precisamos nos sensibilizar que qualquer queimada precisa de supervisão adequada e antes disso de autorização dos órgãos municipais do meio ambiente, que descuidos como uma pequena bituca de cigarros ou a queima de um lixo podem gerar um grande estrago ao meio ambiente. Uma das coisas mais importantes é termos consciência que somos os culpados pelas degradações ambientais, e que somos nós que devemos reparar e mitigar as consequências da nossa existência à natureza em uma busca sensata e racional, não esperando um milagre divino ou científico como uma cura imediatista e milagrosa.
Para denunciar queimadas, você pode acionar os números da Polícia Civil (147) e Polícia Militar (190), ambos gratuitos. Para mais contatos de órgãos e entidades que cuidam de denúncias ambientais, entre em: https://www.greenpeace.org/brasil/faca-uma-denuncia-ambiental/
Vamos entrar juntos nesta luta para reduzir as queimadas?
¹ Banco de Dados Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE);
² Relatório da perícia do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman-MT)
³ PREVEDELLO, Jayme A. et al. Impacts of forestation and deforestation on local temperature across the globe. PloS one, v. 14, n. 3, p. e0213368, 2019.