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Com os pés acorrentados

Há alguns dias a sociedade ficou estarrecida com uma cena grotesca para os dias atuais. Uma menina de 11 anos, com autismo, acorrentada pelos tornozelos pela própria mãe numa cidade do interior do Piauí. A denúncia anônima feita para polícia, numa cidade com pequeno efetivo policial, que encaminhou a demanda para o comando mais próximo, que atestou a situação e resgatou a criança e prendeu a mãe. Na audiência de custódia, o juiz liberou a mãe e responsabilizou o sistema de assistência social do município e do Estado, chamando-os à responsabilidade pela situação. Fez correto o juiz?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um quadro bastante complexo, por vezes de diagnóstico igualmente complexo e de muita dificuldade de aceitação por parte dos pais. Não são muitos os pais que encaram isso como mais um desafio. O mais comum é tentar não enfrentar “de frente” como se diz. É desafiador cuidar e conduzir uma criança com autismo até que se torne um adulto. É desafiador incutir na mentalidade da maioria que a criança com TEA possui dificuldades, mas quando direcionada e educada de modo apropriado pode levar uma vida tranquila, sem maiores percalços. É um desafio grande estabelecer rotinas nas escolas para atendimento das crianças com necessidades especiais, notadamente quadros de autismo e suas variações.

Durante minha passagem no Conselho Estadual de Educação do Piauí tivemos grandes discussões sobre o assunto. As Professoras Margareth Santos e Viviane Farias foram duas conselheiras que nos parametrizavam sobre as questões legais que envolviam o estabelecimento de direitos das crianças com estes quadros. Foram longas discussões que terminaram sensibilizando todo o CEE-PI sobre o assunto. Fizemos até uma histórica Audiência Pública para definir parâmetros que balizassem o atendimento a estudantes com deficiência, incluindo os quadros de TEA. Tudo isso para evidenciar uma orientação tácita de estabelecimento de direitos para estas crianças e seus pais.

No caso da criança acorrentada observam-se várias vítimas: a criança em primeiro lugar, a mãe que sem o conhecimento mínimo sobre o assunto achou uma solução desastrosa. O julgador encontrou corretamente o “culpado”: os desvalidos têm que ser acolhidos pelo Poder Público. Cabe ao Estado / Município cuidar de seus cidadãos e cidadãs. Precisam provê o necessário. Não se trata de uma situação simples, mas à mãe sozinha coube o que parecia mais óbvio, ainda que numa situação absolutamente desumana. O acolhimento da criança e sua família é necessário, para conferir-lhes cidadania e acesso a condições melhores. Crianças com autismo nascem em famílias com todo tipo de condição social e econômica. Nem sempre ter condições financeiras implica em se fazer o adequado, mas para quem sequer alcançou a condição mínima de perceber sobre o assunto a situação parece ser bem pior.

No Piauí, o Ministério Público também se mostra bem atuante com relação à manutenção destes direitos. Tem muita gente tentando ajudar, mas ajuda mais se as redes de educação investirem em formação e alternativas para inserção destas crianças. Ajudaria na inclusão, e prepararia melhor a sociedade para esta convivência.

Boa semana para todos (as).

 

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