Cidadeverde.com

Plantas Alimentícias Silvestres: uma discussão necessária

Você já parou para pensar sobre as plantas que come? Nossa diversificação alimentícia é muito pequena, quando comparada a diversidade de plantas na natureza. As plantas superiores (que produzem flor, fruto e semente) são o terceiro maior grupo de seres vivos (perde apenas para Moluscos e Insetos), possuindo entre 250 e 300 mil espécies. Entretanto, se for parar para refletir, usamos cerca de 200 espécies de plantas na nossa alimentação, o que representa, aproximadamente 0,06% das espécies encontradas. E por que tão pouco?

Um leitor incauto diria que não as comemos porque são tóxicas, não tem sabor agradável ou porque não está dentro dos nossos hábitos culturais aproveitá-las. Há um pouco de verdade em cada tópico, mas existe muito mais por trás deste fato. Sabemos todos que algumas das plantas que comemos e que são cultivadas, já estão conosco há alguns milhares de anos. A agricultura foi “inventada” há cerca de 10 mil anos, quando o homem que era coletor-caçador, enterrou algumas sementes e estas deram lugar a plantas, porque germinaram. O nomadismo que era a prática que incentivava o hábito de coletar-caçar, deu lugar ao sedentarismo, que optou pelo cultivo das plantas e a criação de animais para abate.

Há de comum em todas as espécies amplamente difundidas, o aprendizado sobre as técnicas de cultivo, seleção de progênies melhores e mais produtivas, combate de pragas que foram aprendidos e aperfeiçoados ao longo dos anos. Este aprendizado acomodou o homem a selecionar estas poucas variedades que utiliza e as relações de escambo e comércio, passaram a incentivar as monoculturas, tornando os cultivadores especialistas na produção destas espécies mais comuns. O fato de serem tóxicas, por exemplo, não é uma boa justificativa, já que ao longo do tempo aprendemos até extrair produtos alimentícios de plantas bem venenosas, sem maiores problemas. É o caso da nossa farinha de mandioca, de cuja extração forma-se o Ácido Cianídrico, que é extremamente tóxico.

Mas a natureza provê coisas muito melhores das que utilizamos normalmente. Nas regiões mais inóspitas, nas quais o cultivo das plantas mais conhecidas é mais complicado, existem alternativas que foram experimentadas por povos tradicionais, mas que, com a facilidade de cultivo e disseminação, acabou por ser substituída pelas espécies mais comuns. Neste particular, chamamos atenção para as Plantas Alimentícias Silvestres (PAS). O desconhecimento do potencial das PAS leva ao desperdício e até à desnutrição de populações que não dominam o conhecimento das potencialidades de algumas plantas, cujo conhecimento tradicional até se perdeu, por falta de conexão entre as gerações de determinadas comunidades.

Dra. Mirna Andrade em coleta no interior do Ceará. Fonte: Arquivo Pessoal.

Pensando nisso, a pesquisadora Mirna Andrade Bezerra, desenvolveu sua tese de Doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal do Piauí, na qual elencou algumas plantas alimentícias silvestres em comunidades do interior do Ceará e passou a verificar o modo de transmissão dos conhecimentos tradicionais destas plantas nas escolas das comunidades, por processos de transposição didática.

A pesquisadora encontrou uma lista de plantas pouco usuais no mercado comum, mas bem tradicionais na região, que suplementam a dieta das comunidades encontradas. A pesquisa teve minha orientação e das Doutoras Edna Chaves (IFPI) e Josiane Araújo (UESPI). Embora muito da cultura tradicional tenha desaparecido, foi possível resgatar a memória de professores oriundos da região e do seu entorno, no município de Viçosa do Ceará (CE).

A pesquisa resultou na publicação de dois artigos e mais quatro artigos foram produzidos contando as estratégias para o mundo científico. O uso de Plantas Alimentícias Silvestres enseja mais discussões sobre o tema. Estas discussões podem minimizar os efeitos da fome em regiões mais isoladas e ajudar na preservação de áreas com espécies silvestres, dada que a importância reforçada pelo caráter alimentício pode fortalecer a necessidade de preservação.

Até o próximo post...