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Paraplegias e tetraplegias podem estar com dias contados (*)

A estrutura do nosso corpo é muito perfeita. Grande parte do nosso sistema nervoso encontra-se protegido por estruturas que preservam a integridade do centro de operações principal, formado pelo encéfalo e pela medula espinhal: repousam no interior do crânio e da coluna vertebral. Entretanto, estamos sujeitos a acidentes que podem danificar as estruturas protetoras e nossos centros nervosos ficam suscetíveis a danos.

Quando as lesões ocorrem na coluna, dependendo da altura em que ocorre, o paciente pode perder movimentos da cintura para baixo ou dos ombros para baixo, gerando quadros que vão da paraplegia (comprometimento dos movimentos dos membros inferiores) a tetraplegia (comprometimento dos movimentos dos membros inferiores e superiores). Quadros acidentais podem determinar, de sua ocorrência em diante, uma vida menos autônoma.

Foi o que aconteceu com Gert-Jan Oskam que perdeu a capacidade de andar em 2011, quando machucou a coluna em um acidente de bicicleta na China. Seis anos depois, o holandês conseguiu dar alguns passos curtos graças a um pequeno conjunto de eletrodos implantados no topo de sua medula espinhal que emitia pulsos de eletricidade estimulantes aos nervos. O dispositivo permitia que ele andasse, mas o processo era complicado e às vezes frustrante. Atualmente, uma equipe internacional de pesquisadores relatou que deu a Oskam uma solução melhor: uma maneira de preencher digitalmente a lacuna de comunicação entre seu cérebro e a parte inferior do corpo. As ondas cerebrais que sinalizam o desejo de Oskam de andar viajam de um dispositivo implantado em seu crânio para o estimulador espinhal, redirecionando o sinal ao redor do tecido danificado e fornecendo pulsos de eletricidade à medula espinhal para facilitar o movimento. Oskam agora pode andar com mais fluidez, navegar por obstáculos e subir escadas. “A estimulação antes estava me controlando e agora estou controlando a estimulação”, diz ele.

A nova interface cérebro-espinha também parece promover uma recuperação maior do que apenas a estimulação. Oskam, que manteve algumas conexões da medula espinhal intactas após o acidente, também pode andar usando muletas mesmo com os dois dispositivos desligados, algo que nunca havia conseguido fazer antes.

A estimulação da medula espinhal e as interfaces cerebrais já foram usadas no passado, mas “nunca foram colocadas juntas dessa maneira”, diz Keith Tansey, neurologista do Centro Metodista de Reabilitação. “Do ponto de vista da engenharia biomédica, é um verdadeiro tour de force.” Mas ele e outros, incluindo os autores do estudo, enfatizam que é importante reconhecer que o estudo é uma prova de conceito com um único participante. Ainda não está claro se outras pessoas com lesões na medula espinhal verão os mesmos resultados. Algumas lesões paralisantes cortam completamente a medula espinhal, mas, com mais frequência, as conexões danificadas entre o cérebro e a parte inferior do corpo permanecem. Durante décadas, os cientistas tentaram encontrar maneiras de reparar essas rodovias nervosas quebradas.

O novo estudo se baseia no trabalho de Grégoire Courtine, neurocientista do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne, e Jocelyne Bloch, neurocirurgião da Universidade de Lausanne. Em 2018, a dupla e seus colegas mostraram que a estimulação da coluna combinada com treinamento intensivo pode ajudar pessoas com paralisia parcial a andar. Oskam foi um dos três primeiros participantes desse teste, cada um dos quais manteve alguma sensação na parte inferior do corpo. No ano passado, os pesquisadores relataram que a estimulação também funciona em pessoas com lesões mais graves que não tinham sensação ou movimento nas pernas.

A novidade pode por fim aos sacrifícios impostos para acidentados ou pessoas com problemas semelhantes com outras causas. Vamos torcer para que as pesquisas avancem e que mais pessoas possam gozar do benefício de restabelecer seus movimentos. Pesquisadores em várias partes do mundo buscam este tipo de reparo.

Até o próximo post...

(*)Com base no texto da Science publicada em 24.05.2023.

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