Cidadeverde.com
maesextraordinarias

Extraordinárias: as dores, lições e amores das mães de Chandelly Kidman

  • chandelly4.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly14.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly13.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly12.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly11.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly10.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly9.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly8.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly7.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly6.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly5.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly3.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly2.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal
  • chandelly1.jpg Renato Andrade e arquivo pessoal

Essa até poderia ser uma história comum, se um dos personagens não fosse a multifacetada Chandelly Kidman, uma das drag queen mais querida e famosa do estado. A história do seu nascimento se repete todos os dias nas periferias das grandes cidades.

Aos 19 anos sua mãe conheceu um rapaz num baile de carnaval. De um breve relacionamento vem a gravidez e o abandono. E assim Rosângela Maria Rodrigues se torna mãe de Dackson Micael Rodrigues, a Chandelly Kidman.

Até os três anos, Rosangela se dedicava ao filho, integralmente. Mas é preciso "ganhar a vida" e Rosângela volta ao mercado de trabalho. Nesse momento entra em cena a avó Dona Teresa, que divide os cuidados com a filha. "Minha mãe levava na escola, participava das reuniões, cuidava de tudo que ele precisava enquanto eu estava no trabalho", relembra Rosângela.

Assim Chandelly passa a ter duas mães. Rosângela Maria Rodrigues, sua mãe biológica, e Teresa de Sousa Rodrigues, a avó que a criou. E cresce na convivência com essas duas mulheres que não pouparam esforços para vê-la feliz.

Rosângela descreve o filho Micael com um homem inteligente, carinhoso e dedicado à família. "Ele sempre foi obstinado e agora ele está vivendo o sonho da vida dele, que se tornou o sonho de toda nossa família. Está vivendo da sua arte, está sendo conhecido no Brasil inteiro pela arte drag. Foi uma seleção muito difícil. Eram 150 candidatos e apenas 10 foram escolhidos. E eles está entre os 10. Longe de casa, novamente, mas desta vez para viver esse sonho", explica. 

Rosângela se refere a participação do filho Micael, como a drag queen Chandelly Kidman, no reality show Caravana das Drags, apresentado por Xuxa e Ikaro Kadoshi.

Hoje Rosângela fala do filho com carinho e admiração, mas nem sempre foi assim.

As cartas não mentem

Antes das discussões entre Rosângela e Chandelly começarem a mãe consultou as cartas. "Eu sempre gostei de ter base. Quando eu sentia dificuldade ia consultar as cartas. Numa dessas consultas, as cartas me disseram "seu filho tem estrela, ele é como o sol. E essa estrela precisa brilhar".

As cartas também alertaram Rosângela sobre a separação. "Eu entendi que não seria uma separação definitiva, uma morte, seria um afastamento. Mesmo tendo sido avisada eu não consegui impedir o sofrimento do meu filho. E disso me arrependo muito", fala.
Rosângela se refere aos anos e incompreensão e brigas que fizeram com que Chandelly optasse por viver longe das mães.

O gosto pelas artes

Desde a infância, Chandelly demonstrava o gosto pelas artes, em especial a dança. "Era fã da Carla Perez e sempre estava envolvido em todo movimento de dança. Começou aqui no Teatro do Dirceu, depois foi para a Escola de Dança Lenir Argento, onde se formou bailarino clássico. Ele passou, também, pela Casa de Zabelê e pelo Balé da Cidade", relembra a mãe.

Em todos os passos, lá estava a mãe. "Sempre que ele entrava numa companhia eu ia lá ver como era. Se era bom, se era sério, se estava sendo bem tratado. Eu tinha muita preocupação naquela época", explica.

E a preocupação de Rosângela tinha uma motivação. "Eu sou uma pessoa simples, não tenho estudo, não entendia a condição dele. Eu percebia que ele estava sempre cercado de meninas, mas não tinha interesse por ela. Isso me inquietava. Não tive trato com ele e cheguei de uma vez e perguntei [sobre homossexualidade]. Ele respondeu rispidamente. Eu tinha que ter ajudado meu filho, mas eu não ajudei porque era muito ignorante. Passamos três dias sem nos falarmos aqui dentro dessa casa. E as coisas foram só piorando, as discussões só aumentavam", relembra emocionada.

O afastamento

Aos 16 anos, Chandelly sai de casa. "Eu desabei, chorava o dia inteiro. Minha mãe por diversas vezes pegou na minha mão e disse para eu ir atrás dele e aceitar meu filho. Mas, naquela época eu não conseguia", conta Rosângela.

Em uma das idas a Casa de Zabelê, para ver o filho, Rosângela é atendida por uma psicóloga. "Eu rejeitei o tratamento e isso só atrasou a nossa reconciliação e trouxe ainda mais sofrimento para nossa família", diz Rosângela.

A união veio com a dor

No total, Chandelly e as mães ficaram afastados por sete anos. A reconciliação iniciou quando Dona Teresa descobriu um câncer de mama e toda a família precisou se fortalecer para cuidar, juntos, da matriarca. Vencido o câncer, Dona Teresa foi vítima de um acidente de trânsito, um atropelamento, que deixou sequelas físicas severas. 

"O Micael pagou fisioterapeuta particular e me prometeu que ia me devolver minha mãe caminhando. Ele cumpriu o prometido. Essas dores foram nos aproximando novamente. Ele nunca deixou faltar nada para a minha mãe. Se revezava comigo nos cuidados com ela, até mesmo no hospital. E eu fui admirando cada vez mais o meu filho", relembra.

Vencidas essas batalhas Dona Teresa sofre um AVC isquêmico. Hoje ela anda com apoio e não fala. Mas sorri muito. Em diversos momentos de nossa entrevista Dona Teresa sorria à medida que Rosângela relembrava a história. Nas redes sociais de Chandelly Kidman é possível encontrar vídeos da drag dançando com a avó, na tentativa de arrancar-lhe os sorrisos que a saúde frágil tenta apagar.

Em 2014, Chandelly retorna para a casa das mães, onde vive até hoje. Agora ocupa o primeiro quarto da casa, logo ao lado da garagem e do jardim de samambaias da mãe. As mães cultivam samambaias, rosas do deserto e jibóias. Esse verde foi inspiração para um dos figurinos usadas por Chandelly Kidman no reality Caravana das Drags.

Recuperando o tempo perdido

Rosangela conta que buscou muita informação para entender melhor que se passava com o filho. "Eu lia, conversava com pessoas mais estudadas que eu, ouvia os conselhos da minha mãe. Aos poucos eu fui conhecendo histórias iguais as nossas, de preconceito e dor, mas também histórias de famílias que acolheram seus filhos e filhas, independente da condição deles. Isso foi aos poucos me tocando e me tornei uma mãe melhor para meu filho".

Hoje a mãe relembra com carinho de todas as pessoas que estenderam a mão enquanto a família se fechou. 

"Micael diz que tem muitas mães e muitas irmãs. Pessoas que lá foram ajudaram ele em tudo, inclusive a criar a Chandelly. Eu tenho amor por essas pessoas. Conheço muitas delas e sei que devo muito a elas. Agora buscamos recuperar o tempo que perdemos com brigas. Meu filho nunca esteve sozinho, e isso me consola. Hoje eu rezo para que os pais dos amigos deles possam aceitar seus filhos, também", explica.

Mensagem para as mães de LGBTQIA+

"Acolham seu filho de coração. Lá fora a discriminação é grande. A sociedade está aí para criticar e não para acolher. Nós como mães precisamos dar amor aos nossos filhos. Não temos que nos incomodar com o que as outras pessoas vão achar sobre nós, ou sobre os nossos filhos. O importante é o amor que temos por eles, o carinho que somos capazes de dar a eles. Esse apoio só vai fortalecê-los para o mundo que só os vê com discriminação e sem respeito. E é isso que uma pessoa drag quer ter, quer ter respeito", Rosângela Rodrigues, mãe do Micael e da Chandelly Kidman.

Adriana Magalhães
[email protected]

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais