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Matheus Nachtergaele escreve carta para Ariano Suassuna

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                                        Expedito Lima/Folha de Pernambuco

Na última quarta-feira (23), foi divulgada uma carta que Matheus Nachtergaele escreveu para Ariano Suassuna, em que o ator ressalta a importância do personagem João Grilo em sua vida.

Nachtergaele interpretou Grilo na adaptação de O Auto da Compadecida para o cinema e televisão em 1999.  A obra foi escrita em 1955 e é um dos trabalhos mais conhecidos de Suassuna.

Ariano Vilar Suassuna, 87 anos, morreu na quarta (23), no Recife, após uma parada cardíaca. Ele estava internado desde segunda-feira (21), no Real Hospital Português, por ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. O corpo do escritor, poeta e dramaturgo começou a ser velado por volta das 23h, no Palácio do Campo das Princesas – sede do governo estadual. Uma missa de corpo presente foi iniciada após a chegada do caixão, que foi conduzido por policiais militares e recebido pelo governador João Lyra Neto, e pelo ex-governador Eduardo Campos. A cerimônia, que foi ministrada pelo Frei Aluísio Fragoso, a princípio, contou apenas com a participação de familiares.

Por volta das 23h30, o público foi liberado para entrar. O corpo fica no local até as 15h desta quinta-feira (24), quando seguirá em cortejo até o Cemitério Morada da Paz, em Paulista, na Região Metropolitana do Recife, local onde ocorrerá o enterro. O sepultamento está programado para acontecer às 16h. As informações foram divulgadas pela assessoria do dramaturgo paraibano.

 

 

Confira a carta

Carta para Ariano,

Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas.

Toda vez que alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.

Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: Por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Treplev, infantil édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas.

Fui domado por cavaleiros de Shakespeare, de Nelson, de Tchekhov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes.

Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.

O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada.

Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos.

Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada.

Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.

Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cercas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom.

Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.

Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo.

De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda história pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.

Teu,
Matheus Nachtergaele

 

Fonte: EGO

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