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Senador do RS quer audiência para discutir acidente no PI

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A história trágica e o drama dos catadores de feijão piauienses revelado na série de reportagens iniciada na última quarta-feira (9) pelo Congresso em Foco vai finalmente ganhar a atenção das autoridades especializadas em Direitos Humanos do Congresso e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

 

O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, prometeu promover uma audiência pública em conjunto com a comissão responsável pelo mesmo tema na Câmara e acionar o Ministério Público Federal para avaliar a situção das famílias de Corrente (PI).

 

"É a força do poder econômico agindo contra essas famílias. O caso é da maior gravidade e uma questão essencialmente de Direitos Humanos", avaliou o senador. "Vamos exigir uma solução para o caso. Essa é nossa obrigação ao ficar sabendo de uma situação dessas", disse.

 

O deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, vai intimar todas as autoridades envolvidas com o caso e na volta do recesso parlamentar vai articular a audiência pública com o senador Paulo Paim (PT-RS). Pompeu adiantou que é preciso apurar por que a punição pelos responsáveis pelo acidente não aconteceu até hoje na Justiça criminal da Bahia.

 

"A maior tragédia é a Justiça que está causando na vida dessas famílias. É pura negligência, má fé e até dolo. Um total desprezo pela miséria dessas pessoas. Chamando a responsabilidade das autoridades envolvidas, elas pelo menos terão que passar pelo constrangimento público antes de decidirmos o que pode ser feito neste caso", dispara o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. "São casos como esse que mancham a imagem do Brasil lá fora. A Justiça que tarda, falha", avalia o deputado.

 

Menores de idade

 

Mesmo sendo experiente ao lidar com situações degradantes de pessoas humildes, Frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de combate ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ficou impressionado com a situação das famílias correntinas. Ele ressalta o trabalho infantil que o caso também carrega. Dos 79 nove trabalhadores levados para a cata de feijão, e que estavam no acidente que matou 14 pessoas, 23 tinham menos de 18 anos.

 

"É impressionante. Um terço dos trabalhadores era menor de idade na época. A história de todos foi interrompida. O grau de miséria se mede pelos sonhos deles. Uma simples lápide para os familiares mortos como mostrou a reportagem", lembra Frei Xavier Plassat. "Imaginam quantos casos iguais a esses aconteceram como no caso de Unaí e os responsáveis ainda continuam livres."

 

O religioso se refere ao assassinato, em janeiro de 2004, dos auditores fiscais do trabalho João Batista Soares Lage, 50, Erastótenes de Almeida Gonçalves, 42, Nelson José da Silva, 52, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira, 51, em uma emboscada na zona rural de Unaí (MG).

 

Os auditores atuavam em uma fiscalização para averiguar denúncias de trabalho escravo em fazendas de plantação de feijão, mesmo tipo de cultura da fazenda baiana onde os trabalhadores do Piauí foram submetidos à mesma condição, no município mineiro do entorno de Brasília. O crime causou comoção nacional e obrigou o governo a reforçar as medidas para o combate ao crime, mas os mandantes ainda estão impunes.

 

Os irmãos Norberto e Antério Mânica, os maiores produtores de feijão do país, são apontados como mentores do crime. Ambos foram presos preventivamente, mas conseguiram habeas corpus e respondem ao processo em liberdade. Durante a prisão preventiva, Antério Mânica foi eleito prefeito de Unaí, com cerca de 72% dos votos válidos.

 

"Os casos retratados pelas reportagens dão dimensão e uma profundidade sobre o que é trabalho escravo no Brasil. É difícil convencer as pessoas só com os números. Mas quando se dá o nome, o endereço e os rostos dessas pessoas fica mais fácil compreender o problema", avalia a coordenadora de combate ao trabalho escravo do escritório no Brasil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Andrea Bolzon.

 

Segundo a coordenadora da OIT, o caso servirá como base para peças publicitárias que serão elaboradas ainda este ano pela OIT no Brasil. Serão usados banner em aeroportos e campanhas no rádio e na TV.

 

O alvo da campanha são as empresas privadas, que podem assinar assim como outras 200 já fizeram, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil. "É muito importante as empresas se mobilizarem, principalmente porque assinando o pacto, elas ganham responsabilidade social", afirma Andrea.

 

Trabalho escravo

 

Como mostrou o site, os depoimentos dos trabalhadores, que poderiam enquadrar as empresas no crime de trabalho análogo à escravidão, não valem atualmente como prova para uma denúncia formal na Justiça. Não houve flagrante, nem outras provas foram colhidas na fazenda, na época, por fiscais antes do acidente com o caminhão.

 

Mas a ação do Ministério Público do Trabalho, que resgatou o caso somente em 2007 e a sentença da juíza que determinou o pagamento de indenizações às vítimas em abril deste ano, mostram a vinculação evidente do crime anterior ao acidente: servidão por dívidas, restrição de liberdade e condições degradantes de trabalho. As três situações narradas pelos catadores são exatamente as mesmas que podem enquadrar qualquer empregador no crime de trabalho escravo.

 

"Os dados levantados pela série de reportagens demonstram que o combate ao trabalho escravo precisa se tornar uma prioridade política em nosso país", avalia o presidente da Sub-Comissão de Combate ao Trabalho Escravo do Senado, José Nery (PSol-PA).

 

O senador do Pará pretende convocar uma reunião extraordinária e propor que se inclua o Piauí na lista dos estados que serão visitados pela Sub-Comissão. "É preciso coibir a prática do trabalho escravo, mas é necessário atacar as causas que levam a escravização moderna de brasileiros. Essa é a principal contribuição das reportagens e é o esforço que faço no debate sobre o trabalho escravo aqui no Senado", disse.

 

As tragédias por trás da tragédia

 

O presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Vladimir Rossi Lourenço, colocou a comissão de Direitos Humanos da entidade à disposição para buscar informações sobre o processo criminal que há quase 13 anos não ganhou nem uma sentença em 1ª instância.

 

"Realmente é um tempo excessivo e vamos mobilizar a comissão para saber o que está acontecendo. O triste dessa história é saber que não é um caso isolado", diz.

 

Rossi Lourenço também vai acionar a OAB na Bahia para apurar a denúncia feita contra um advogado acusado de lesar famílias de oito vítimas do acidente, sacando o seguro obrigatório e sumindo com o dinheiro.

 

Israel Moreira de Azevedo, segundo a denúncia, aproveitou o luto e a boa-fé das famílias de oito mortos para conseguir assinaturas em procurações que lhe permitiram sacar R$ 5.081,79 em nome de cada uma das vítimas, cerca de R$ 40 mil no total. O advogado, ainda de acordo com a acusação, não entregou nada para os familiares, em luto desde outubro de 1995, data do acidente.

 

De acordo com a OAB-BA, o advogado está suspenso por infração disciplinar, mas a entidade não informou se a sanção aplicada foi motivada pela sua atuação no caso de Corrente (PI). No ano passado, a OAB julgou cerca de 700 processos contra advogados por atos contra a ética profissional e outros crimes, segundo Rossi Lourenço. "Nós temos combatido isso, mas ainda hoje tem advogado que não repassa pensão alimentícia para seus clientes. Isso é um absurdo", diz o presidente em exercício da OAB.

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