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Amiga de Belchior, Lúcia Menezes apresenta inéditas do cantor

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O estudante de Medicina Belchior costumava, ao fim das aulas na Universidade Federal do Ceará, estender o dia na casa dos irmãos João (seu colega de turma) e Dalgimar (seu professor de Patologia). Estudar? A resposta vem nos versos que o próprio compositor escreveu na época: “Sou candidato a médico e doutor/ Mas o que eu sei de fato/ É samba, meu senhor”. A canção, sem título, era uma das que Belchior — na época ainda longe de se tornar um artista profissional — mostrava naqueles saraus intimistas nos fins dos anos 1960, regados a café, queijo coalho e papos sobre política e filosofia. A menina Lúcia, de 11 anos, irmã de João e Dalgimar, ouvia tudo com atenção, aprendendo as músicas — aos 3 anos, ela ganhou seu primeiro concurso como cantora mirim, ainda em Itapipoca, onde nasceu. É de sua memória daqueles encontros que ela resgata o hino informal daqueles estudantes de Medicina e outras cinco canções inéditas de Belchior que ela mostrou ao GLOBO — além do início original de “Paralelas”, que o compositor descartou na gravação que faria depois.

— Pouco antes de se mudar definitivamente para o Rio, Belchior passou lá em casa para um desses saraus e saiu de madrugada — lembra a cantora Lúcia Menezes, que lançou este ano seu sexto disco, “Lúcia”. — No dia seguinte, ele ligou lá pra casa: “Lucinha, fiz uma música ontem saindo daí, no caminho até aqui em casa”. E cantou. Era “Paralelas”, que depois se tornaria aquele clássico da MPB, e eu fui a primeira a ouvir. Pouco depois, Belchior comentou que a letra estava muito grande e ele ia mudar, acabou tirando todo o início. E trocou “no Karmann Ghia” por “dentro do carro”.

Amigos, colegas de sarau e, como define a cantora, quase parentes (“Todo mundo dizia: ‘Olha o Belchior com a filha dele!’”), Lúcia e Belchior começaram uma relação com ar mais profissional no IV Festival da Música Popular do Ceará, em 1968. Na ocasião, ele a convidou para defender uma canção sua, “Espacial” — o vencedor do festival acabou sendo outra jovem revelação do estado, Raimundo Fagner, com “Nada sou”.

— Foi a primeira música de Belchior a ser apresentada em público — aponta Lúcia, que tinha 12 anos na época. — Pouco depois, tinha um programa na TV Ceará, “Porque hoje é sábado”, onde eu cantava sempre as músicas dele.

Dessa safra inicial — e ainda inédita — de Belchior, da época dos saraus, Lúcia lembra “Cateretê”, que a seduziu pelo ritmo nordestino, que desconhecia (“Vem ver como povo cresce/ E ninguém pode contar/ É como areia que desce/ Das dunas brancas pro mar”). Ela também mostra o frevo “Caravele”, além de uma sem título (leia a letra abaixo) e “Pindorama”, que ela sempre insistiu para que ele mostrasse a Elis Regina, sobretudo pela entrada forte, aguda, de notas alongadas: “Pindora-a-ma/ Que panorama é o te-e-eu?”.

Lúcia também canta outra nunca gravada, mas feita alguns anos mais tarde:

— Pedi para Belchior uma música para rebolar, ele fez “Rosa dos ventos” — diz, antes de entoar: “Sem pagar imposto ou selo/ Comprei a rosa dos ventos/ Para enfeitar meu cabelo/ Pois eu quero é rebolar” (Belchior aproveitou a maior parte dessa música em “Depois das seis”, que ele gravou em 1980). — Acabei não gravando, devo fazer isso.

Belchior mudou-se para o Rio, lançou três compactos (entre eles “A palo seco”) e seu álbum de estreia, “Mote e glosa”, em 1974. Antes, já havia sido gravado por Elis Regina (“Mucuripe”, dele e de Fagner), que também eternizaria “Como nossos pais”, em 1976. Ao longo desse tempo, seguiu próximo de Lúcia e de sua família — ela participava de seus shows quando ele cantava no Ceará. Em 1990, quando Lúcia decidiu gravar seu primeiro disco, ela convidou Belchior para ser seu diretor artístico. Convite aceito, ele sugeriu que ela gravasse um lado de canções suas, outro lado com obras de Fagner. E assim ficou “Divina comédia humana”, de 1991.

— Mais que ajudar com o repertório, ele dirigiu minha voz, acompanhou no estúdio — conta Lúcia. — Em 2001, gravei para ele essas músicas inéditas, das quais não lembrava. Poucos anos depois, meu irmão pediu o telefone dele, mas não conseguiu falar com Belchior e retornou para mim. Liguei para Tota (Batista, ex-sócio do cantor) e para a mãe de Belchior, então soube que ele tinha sumido. A partir daí, nos afastamos.


Fonte: O Globo 

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