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Médica que se recusou a atender menino tem histórico de descaso e maus-tratos contra pacientes

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Uma criança que não recebeu socorro durante uma grave crise convulsiva e acabou morrendo. Um idoso que teve o estado de saúde agravado após ser transportado numa ambulância sem receber o oxigênio que precisava. Uma mulher que, ao tentar fazer uma tomografia computadorizada, foi agredida dentro de um hospital. Uma senhora que, com um fêmur fraturado, ouviu palavrões e teve de aguardar a médica fumar um cigarro antes de ser colocada numa maca. 

Os quatro casos tiveram, em comum, o envolvimento da clínica geral e anestesista Haydee Marques da Silva, de 59 anos, profissional que se recusou a atender o pequeno Breno Rodrigues Duarte da Silva, de 1 anos e 6 meses, na manhã da última quarta-feira (7). Quando chegou de ambulância ao condomínio onde o menino morava, no Recreio, ela se recusou a sair do veículo. Breno, que tinha uma doença neurológica, morreu uma hora e meia depois, esperando socorro.

O último episódio trouxe à tona um histórico de irregularidades no currículo da médica. Após a divulgação do caso, pelo menos duas pessoas procuraram a polícia, ontem, para denunciar a médica. Haydee já tinha uma anotação criminal por agressão a uma paciente, em 2010, no Hospital Memorial Engenho de Dentro. Questionado, o Conselho Regional de Medicina (Cremerj) informou apenas que já houve uma sindicância contra a profissional e que foi imposta a ela uma sanção técnica. O Cremerj não quis fornecer estatísticas sobre a quantidade de médicos que cometeram irregularidades com pacientes nos últimos anos e as eventuais sanções que sofreram.

A auxiliar administrativa Vanessa Ribeiro Martins, de 33 anos, chegou na sexta-feira à 16ª DP (Barra da Tijuca) em busca de justiça para um caso ocorrido em julho de 2016. O pai dela, Leonel Martins, de 62, morador de Campo Grande, era paciente de esclerose lateral amiotrófica e respirava com ajuda de aparelhos. Ele precisou ser levado de ambulância até um hospital para um exame de ultrassonografia. Na ocasião, o atendimento também foi feito por uma ambulância da empresa Cuidar Emergências Médicas, cuja equipe contava com Haydee.

— Quando ela tirou meu pai da cama para colocá-lo numa maca, perguntei “cadê o oxigênio?”. Ela falou que não precisava porque era rapidinho, o trajeto seria curto. Levaram meu pai apenas com o respirador. Quando chegou ao portão de casa, ele já estava sem ar. Ficou 12 minutos sem oxigênio no cérebro — conta Vanessa.

Por causa da falta de oxigênio, Leonel teve lesões cerebrais, precisou ser internado e morreu um mês depois.

Outro caso que veio à tona nesta sexta-feira revela uma situação vivida em fevereiro deste ano por uma moradora do Leblon. Após sofrer uma queda e fraturar um fêmur, uma idosa acionou o serviço de emergência do Hospital Silvestre. Momentos depois, chegou a ambulância. Na ocasião, a anestesista fez o atendimento sem o tradicional jaleco, usando um vestido comum. Dirigiu-se de modo grosseiro a uma cuidadora e à neta da idosa, ordenando que ajudassem o motorista da ambulância a colocar a paciente na maca. Ao ouvir da cuidadora que a médica recebia para isso, Haydee teria retrucado: “Imagine se eu fosse retirar todos os pacientes da maca, minha coluna não iria aguentar”. Quando a neta tentou argumentar, a anestesista teria respondido com um palavrão, e, só depois de se afastar para fumar um cigarro, deu continuidade ao atendimento da paciente.

O caso que parou na Justiça em 2010 foi registrado na 26ª DP (Todos os Santos). A anestesista foi abordada por uma paciente que queria fazer uma tomografia computadorizada na cabeça, no Hospital Memorial Engenho de Dentro. O pedido foi negado pela profissional, dando sequência a discussões e agressões físicas.

— A paciente se exaltou e a médica, indignada, começou a agredi-la, chegando a arranhar a vítima. O caso foi encaminhado ao Ministério Público, e foi oferecido a ela uma transação penal, ou seja, uma pena alternativa. No entanto, ela não cumpriu as medidas impostas pela lei. O processo acabou prescrevendo pelo tempo decorrido — lembra Isabelle Conti, delegada assistente da 16ª DP, que conduz a investigação sobre a morte de Breno.

Também na sexta-feira, agentes da Polícia Civil procuraram Haydee em três endereços e não a encontraram. No fim da manhã, policiais entregaram à mãe da anestesista uma intimação para que ela se apresente para depor até segunda-feira. Haydee é investigada por homicídio culposo por ter se recusado a atender o pequeno Breno.

— Ela está na condição de investigada por homicídio culposo, mas pode ser convertido para homicídio doloso a qualquer momento, caso surjam evidências e depoimentos que comprovem que tinha conhecimento de que a recusa do atendimento poderia causar a morte da criança — explica Isabelle Conti.

A profissional pode ainda responder por outro crime, o de supressão de documentos. Antes de a ambulância deixar o condomínio no Recreio dos Bandeirantes, onde seria feito o atendimento a Breno, câmeras de segurança flagraram a médica rasgando um papel dentro do veículo. Tal ação pode configurar crime caso fique comprovado que se tratava de um documento oficial.

A empresária Rhuana Rodrigues, mãe de Breno, foi ouvida pela delegada assistente da 16ª DP na quinta-feira, por telefone. Duas testemunhas prestaram depoimentos ontem. Uma delas foi o motorista da ambulância acionada para prestar socorro ao menino, Robson de Andrade Oliveira, de 50 anos, que ficou emocionado ao comentar o caso:

— Gosto de salvar vidas. O que ela fez não existe. Ela omitiu socorro. Não importa a idade, se o paciente tem um, dois, mil anos. É uma vida e a gente tem que socorrer. A empresa, a técnica e eu fizemos tudo que podíamos ter feito. Tentamos convencê-la a subir. É de uma tristeza sem fim.

No depoimento, Robson confirmou que a médica alegou não ser pediatra ao recusar o atendimento. O motorista informou ainda que Haydee havia acabado de iniciar o plantão quando foi mobilizada para o socorro a Breno. Segundo ele, a equipe tentou convencer a médica a ver o menino:

— Tentamos convencê-la, falamos que a criança precisava. A técnica ainda falou “doutora, vai ser rápido, fazemos o atendimento e o levamos a um hospital”. Mas ela não parava de gritar. Começou a discutir comigo e se recusou a atendê-lo. Eu acionei a base e avisei que a médica não queria atender o paciente. Eles perguntaram o que tinha acontecido e me pediram para aguardar.

A técnica de enfermagem Marta Campelo, de 26 anos, que acompanhava o tratamento de Breno há um mês, também prestou depoimento. Ela estava na casa da criança quando teve início a crise convulsiva, e acompanhou toda a evolução do quadro. Ficou aliviada ao ouvir o porteiro anunciar a chegada da ambulância, pelo interfone.

— De repente, fomos informados de que a ambulância tinha ido embora e que iriam enviar uma outra. Fizemos todos os procedimentos, mas ele só poderia sair de lá numa ambulância. Não podia se desconectar do balão de ar. Quando a outra equipe chegou, o menino já estava apagado — contou Marta, sem conter as lágrimas. — É uma sensação horrível, de impotência. Tenho dois filhos e me coloquei no lugar da mãe. Espero que ela (a médica) pague por omissão de socorro.

Fonte: O Globo

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