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Grávida baleada na barriga fala sobre bebê na UTI

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Claudinéia dos Santos Melo teve esta semana o primeiro encontro com o filho, Arthur, baleado ainda no útero, no último dia 6, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Em entrevista, Claudinéia conta que só pensava em ter um parto normal e como os planos mudaram por causa da violência no Rio de Janeiro.

"Pensei logo nele. Porque a barriga começou a doer muito. Eu falava: 'Não consigo andar, não consigo andar'. Ele (policial) falou: ' você consegue, vem devagar que você consegue'. Aí me colocaram na viatura e me socorreram, me trouxeram pra cá", desabafa Néia, como é chamada.

O bebê Arthur pesa pouco mais de três quilos e tem 50 centímetros.

"Meu plano era ter meu filho na data certa, normal, parto normal. Tudo... Veio tudo diferente. Veio tudo diferente", conta.

Na ocasião, Claudinéia ainda não havia visto o filho a quem imaginava "branquinho e lindo". A mãe só conheceu o bebê sete dias após o seu nascimento. O incidente aconteceu na Favela do Lixão, às 17h.

"Só vi quando o carro da polícia parou atrás. Eles chegam rápido, né? Eu rapidamente olhei, tinha mais policiais na frente, vi que ia acontecer, né? Lá perto tem um depósito de bebidas, eu tentei ainda. Para entrar no depósito, mas não deu tanto tempo", recorda.

Claudinéia descreve o momento

"Senti o impacto, né? Impacto forte. Pensei até que fosse um estilhaço de algum litro, alguma coisa que tivesse quebrado ali. Quando olhei... vi que era. Falei pro rapaz: moço fui atingida", lembra.

O Disparo

O disparo que atingiu Claudinéia entrou pelo lado esquerdo do quadril e chegou até o bebê, que já estava encaixado para nascer. Passou de raspão pelo crânio, feriu a orelha direita, fraturou a clavícula, perfurou um pulmão, atingiu duas vértebras dorsais e atravessou o outro pulmão, até sair do outro lado.

O médico Eduardo Macedo, coordenador da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Neo Natal, para onde Arthur foi transferido após o parto conta como está a criança.

"Imagina a seguinte situação: a criança a termo, a criança está no lugar mais seguro do corpo dele, que é a barriga da mãe. E como ele nasce? Com um estrondo, com um tiro, que literalmente ameaça a vida dele e da mãe dele. Tem que ser retirado às pressas. Quando ele vai dar o primeiro choro, ele não consegue, porque os dois pulmões dele não funcionam. Então imagina isso, como é chegar ao mundo assim? É um paciente gravíssimo mesmo. Naquele momento com risco de óbito imediato? Sim, era., analisa Eduardo Macedo, coordenador da UTI Neo Natal.

Dois dias depois, as feridas estavam tratadas, a hemorragia contida. O segundo desafio de uma vida recém iniciada: uma cirurgia na coluna vertebral.
"Uma explosão da terceira vértebra dorsal, uma fratura da quarta vértebra. Mostra que tem uma medula muito inchada. Até com um pouco de hematoma, mas é uma medula que não está rota, uma medula. Não se rompeu", conta o médico.

Se a coluna se rompe, a pessoa perde os movimentos. Não foi o que aconteceu com Arthur. A medula é por onde passa toda a comunicação do cérebro com o resto do corpo. Os médicos fizeram uma descompressão, retiraram um pedaço do osso de trás das vértebras atingidas, dando espaço para a medula se recuperar.

Na sexta-feira (7), um novo exame já mostrava que a descompressão havia sido um sucesso.

"Hoje, qualquer prognóstico que a gente faça é precipitado. O bebê progride muito rápido. Todo mundo se espanta. Ele já respira sozinho, com auxilio mínimo de aparelhagem. Inclusive já tá comendo, por sonda, mas tá comendo e progredindo conforme a gente espera", conta Eduardo Macedo.
Néia teve alta na quinta-feira (6).

"Quero tocá-lo. (chora muito) Quero tocar, que é coisa que eu não fiz, né? Quando ele nasceu", desabafa.

130 tiroteios no RJ

Enquanto Claudinéia se recuperava e Arthur lutava pela vida, o Rio não teve trégua. Foram mais de 130 tiroteios este ano. No Complexo da Maré, a disputa entre as quadrilhas rivais durou sete horas de fogo pesado.

Na quarta-feira (5), uma menina de 13 anos foi baleada dentro da escola onde estuda, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Samara se recupera de uma perfuração do pulmão.

Na sexta (7), o eletricista Carlos Henrique Olímpio foi atingido quando ajudava a preparar a festa junina do Morro de São Carlos, na região Central do Rio, onde morava. Olímpio morreu a caminho do hospital. No sepultamento, a coreografia da festa que já tinha sido ensaiada com a vítima.

A menina Vanessa havia acabado de chegar da escola quando começou o tiroteio entre policiais e traficantes. Parentes dizem que os policiais invadiram a casa. Não se sabe de que arma saíram os disparos que atingiram a menina. Vanessa, que trancou a porta para se proteger foi baleada na cabeça. Ela tinha 10 anos.

Além de Vanessa, o subcomandante da UPP, tenente Márcio Luiz, também foi atingido por um dos disparos durante o confronto. O oficial foi baleado no ombro e levado para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Lins, e não corre risco de vida.

"Alguém tem que fazer alguma coisa, tá? Até agora o poder público não veio aqui perguntar se a gente precisa de alguma coisa. Mas ontem a Polícia Militar entrou dentro da casa dela sem ser convidada, sem ter permissão. Quero vir dizer na minha cara, na cara do pai dela e na cara da mãe dela que a gente pode contar com o poder público no Rio de Janeiro. Quero que venha aqui dizer. A gente precisa fazer alguma coisa pra isso parar. Quando é que isso vai parar? Nós estamos esquecidos, dentro da comunidade mora gente de bem, se isso fosse na Zona Sul, numa rua do Leblon. Cadê a proteção? Eu te pergunto cadê a proteção? Que proteção é essa? Que segurança é essa, senhor secretário de segurança? Senhor governador? Que gestão é essa? A gente não aguenta mais isso.", questiona a tia da menina

O secretário de Segurança do Rio, o delegado Roberto Sá respondeu ao questionamento.

"Eu tenho a dizer para ela que a gente sente cada dor, de cada família que perde alguém, e que a nossa luta diária é no sentido de equacionar os problemas de violência no Rio de Janeiro, a gente vive um momento dramático de crise econômica que faz com que as polícias tenham uma perda muito grande de seus recursos", defende-se o secretário.

A crise afetou a segurança
Mais da metade da frota da Polícia Militar está parada porque não há dinheiro para consertar os carros. E a polícia do Rio enfrenta bandidos com imenso poder de fogo. A cada dia são recolhidas 24 armas - só este ano foram apreendidos 300 fuzis de guerra. Desde janeiro, 16 policiais foram mortos em serviço.

"Uma recomendação vai ser sempre no sentido na opção de evitar o confronto. É melhor perder um criminoso e não ter uma vítima de bala perdida, do que entrar no confronto", garante o secretário Roberto Sá.

Fonte: G1

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