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Piauiense muda canções de roda e best-seller é adotado em todo o país

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"Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Sambalelê precisava é de uma boa palmada" - quem nunca cantou para os filhos ou ouviu essa música dos pais quando era criança? Parece uma brincadeira ingênua, mas traz uma série de problemas camuflados no "meio lúdico", que têm sido propagados há séculos, sem a menor reflexão - até que as coisas começaram a mudar.

Recentemente, alguns DVDs infantis passaram a trocar a palavra "palmada" por "lambada", para afastar a questão da violência. Mas a música tem muitos mais pontos negativos. Após vastas pesquisas, o pedagogo Isaque Folha acredita que mesmo doente, com traumatismo craniano, Sambalelê era obrigada a sambar para alegrar os senhores de engenho que se divertiam às custas da escravidão.

Bem cruel não é, mesmo? Mas não é só essa música que traz valores invertidos implícitos. O clássico "Atirei o Pau no Gato" traz a violência contra os animais de forma até clara. E foi exatamente essa cantiga que deu início ao trabalho do piauiense Isaque Folha, de modificar, recriar e tornar as canções cantadas em sala de aula e em casa uma forma verdadeiramente saudável de aprendizado. E essas mudanças já alcançaram todo o país.

"Eu estava assistindo a uma palestra da professora Ivone Boechat, quando ela disse: 'Por que cantamos Atirei o Pau no Gato, quando poderíamos cantar o Luar do Sertão?'. Nesse momento, há uns 10 anos, me veio um insight: transformar as cantigas de roda. Então, comecei a pesquisar a história, as origens das tradicionais cantigas. Isso levou sete anos. Enquanto isso, também procurava parceiros para a execução do projeto", conta Isaque.

Quem é Isaque Folha?
O piauiense Isaque Folha é professor, pedagogo, músico-educador, escritor poético e cronista, conferencista da área de Relações Humanas, cantor e compositor. Já ministrou palestras em mais de 90 municípios do Estado e percorre todo o país dividindo palcos com grandes nomes da educação nacional e internacional, como Augusto Cury, Rubem Alves, Hamilton Werneck, Ivone Boechat, entre outros. 

 

O projeto saiu do papel há três anos, após uma parceria com o Instituto Vicente Nelson. O livro "Cantigas de Valor" passou a ser adotado nas principais e mais tradicionais escolas de Teresina, como paradidático, dentro da grade curricular, do Ensino Infantil e Fundamental I. 

O sucesso do trabalho rompeu as barreiras piauienses e o livro já chegou às cinco regiões brasileiras, consagrando "Cantigas de Valor" como o maior best-seller piauiense, alcançando quase 20 mil exemplares, mesmo de forma independente.

Valores corretos

As contribuições do livro para o desenvolvimento infantil vão muito além de momentos de entretenimento. Segundo o pedagogo, a obra contempla vários objetivos:

- Incentivar o contato com a leitura desde cedo, considerando elementos necessários para o bom desenvolvimento intelectual;

- Resgatar a brincadeira de roda, como instrumento de integração entre crianças;

- Incentivar o regionalismo musical, já que todas as cantigas presentes no CD foram gravadas em ritmos brasileiros, como baião, samba, axé, etc.

- Ensinar valores e normas de convivência pacífica;

- Despertar o senso crítico dos educadores, das crianças e das famílias com relação aos pontos positivos e negativos da cultura.

Para o pedagogo, o problema não está em cantar as músicas originais, mas na falta de senso crítico. "Se logo depois de cantar as professoras fizessem um trabalho de análise com as crianças, não haveria problema, mas não é isso que acontece. As músicas são cantadas de forma indiscriminada, sem nenhum senso crítico. Ou seja, a gente continua repassando 'baboseiras' de geração em geração", critica o professor.

Encontre o erro

Os problemas sociais estão camuflados numa infinidade de clássicos infantis: Teresinha de Jesus despreza a família para aceitar a ajuda de um desconhecido, lamentando, em seguida, a frustração e o "sangue derramado" em seu coração. A cuca e o boi da cara preta vão pegar a criança que não dormir depressa, como se o medo fosse um sonífero. Sambalelê, como já citamos, era obrigada a dançar mesmo machucada, senão apanharia. 

Veja as versões originais e algumas das criadas pelo pedagogo piauiense:

"O primeiro problema dessa música é Teresinha desprezar o pai e o irmão para dar a mão a um desconhecido.  Isso contraria o que os pais ensinam aos filhos, sobre não falar com estranhos, não comer coisas oferecidas por estranhos, não por uma questão social, mas para a criança se guardar por não saber se aquela pessoa é má ou boa. E as desgraças da música continuam: Esse cara entra na música como cavalheiro, é aprovado por Teresinha, mas deixa claro suas segundas intenções [da menina mais bonita quero um beijo e um abraço] . Ela termina a música sem a família, se envolve com um rapaz que não lhe fez bem e canta 'tanto sangue derramado dentro do meu coração'. Aí podemos levantar várias questões, como que tipo de violência ela sofreu desse moço", comenta o professor. 

"Como é que eu estou numa escola, falo sobre inclusão, sobre respeito, sobre amar o outro e continuo cantando que o cravo espancou a rosa? Aí a gente vê a violência do homem contra a mulher, vê também a violência da mulher contra o homem, porque é o cravo que fica pior. Ou seja, só tem violência. As pessoas falam: 'Ah, então você faz a versão politicamente correta?' Não! Eu não faço uma versão politicamente correta, faço a versão correta, entende? Porque se eu tenho uma criança, uma pessoa em formação, não posso ficar estimulando que ela brinque com cantigas que incentivam a violência. Isso é loucura, é insanidade", reflete Folha.

 

Trabalho contínuo

Apesar de já ter posto em prática o trabalho, Isaque Folha não pensa em parar. O próximo passo é transformar o projeto Cantigas de Valor Volume 1 em DVD, o que ele espera concluir ainda em 2018. Em seguida, a meta é lançar o Volume 2, com novas músicas. A obra que transforma músicas infantis está a venda nas principais livrarias de Teresina e pela internet. Veja trechos:

Jordana Cury
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