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Homenagem a Bolsonaro causa racha em família fundadora do jiu-jitsu brasileiro

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Uma homenagem ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), aprofundou de vez um racha dentro da família Gracie, que fundou o jiu-jitsu brasileiro. Na última quinta-feira (25), Robson Gracie, presidente da FJJRio (Federação de Jiu-Jitsu do Rio de Janeiro), entregou uma faixa preta ao então candidato como reconhecimento de sua "honra e heroísmo", segundo palavras do herdeiro mais velho do clã mais simbólico das artes marciais.

Foi o sinal para que parte da família reagisse com indignação. As palavras mais duras vieram de Reyson Gracie, que pediu a renúncia do irmão: "A federação jamais poderia prestar homenagem a um político que tem como ídolo um torturador, assassino e ocultador de cadáveres como esse 'senhor' coronel Brilhante Ulstra", disse ele em texto e áudio que circulam nas redes sociais.

A maioria da família apoiou o candidato e defendeu a atitude de Robson, que está com 83 anos. Mas outros membros do clã lembraram que o próprio Robson, nos anos 70, foi preso e torturado durante a ditadura militar, que o considerava subversivo. Sua irmã Reila, que durante dez anos pesquisou a história da família para produzir a biografia de Carlos Gracie, escreveu que nos setenta dias em que Robson ficou preso, ele "foi submetido a choques elétricos e, desesperado, tentou várias vezes se matar jogando-se de cabeça contra a parede".

Procurado pela reportagem, Robson acusou a irmã de não conhecer sua história. O professor confirmou ter sido preso, mas negou ter sido vítima de tortura. "Eu fui preso, mas não tomei um tapa, ela não sabe da história. Abomino a tortura, isso ultrapassa tudo que o ser humano tem que ser na vida. Não sei se ele [Bolsonaro] foi torturador ou não foi."

Ao lembrar sua experiência na prisão do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), o professor de jiu-jitsu disse que viu "coisas terríveis": "Eu fui pra ser torturado, todo mundo que foi lá deve ter entrado na porrada. Quando estive lá eu vi coisas terríveis, eu vi gente gritando, berrando. Mas eu tive um tratamento diferenciado porque tinha sido professor do presidente Figueiredo".

A causa da prisão, segundo Robson, foi sua ligação com Leonel Brizola, uma das grandes lideranças da esquerda durante o regime militar. "Fui acusado de estar junto com o doutor Leonel de Moura Brizola, que era tudo menos terrorista, era um resistente. Isso aí era a minha vida, fui amigo dele, tive uma época no Uruguai, e acredito que fui preso por causa disso."

Procurado para comentar a polêmica que tomou conta de sua família, Rorion Gracie, filho de Hélio, defendeu o presidente eleito e afirmou que a maturidade fez seu primo repensar algumas escolhas da juventude.

"O Robson passou por um tempo apertado naquela época", disse o fundador do UFC. "Naturalmente, foi consequência das atitudes que fez naquela época. O fato de ele estar apoiando o presidente da República, um homem com histórico militar, e ter passado o que passou, significa que ele reconhece que o certo é o que estar por vir nas mãos de Jair Bolsonaro. É uma grande evolução espiritual do Robson. Eu acredito que o Bolsonaro é o homem certo pro Brasil de hoje em dia. Ele não é torturador. Tem uma visão militarista, conservadora e que quer melhorar pro Brasil."

CRÍTICAS DA FAMÍLIA
Ao lado do irmão Reyson, Relia Gracie vocalizou a indignação de uma parte minoritária da família, que repudia o presidente de extrema direita. Ela gravou um áudio criticando o uso político do sobrenome durante as eleições e o enviou a um grupo no WhatsApp que reúne Gracies e amigos. Em contato com a reportagem, a autora da biografia de Carlos Gracie disse que as eleições "enlouqueceram as pessoas" e que ficou perturbada ao ver o Gracie mais velho dando uma faixa preta a Bolsonaro.

"Fiquei muito perturbada", disse ela. "Uma coisa é individualmente as pessoas se pronunciarem. Cada um tem o direito de escolher suas posições políticas. Outra coisa é uma instituição usar o esporte como uma propaganda política, como uma manifestação direta em época de eleição. É uma violação à própria posição institucional diante do esporte, um desrespeito ao esporte, aos atletas e à própria filosofia do esporte."

"A pessoa passar por tudo o que passou e ainda assim defender alguém que minimiza os horrores da ditadura é uma coisa que não consigo entender", disse a filha de Carlos Gracie, falando do irmão. "Pra mim, isso é uma patologia. Chama-se síndrome de Estocolmo."

Reila recorre à história da criação do jiu-jitsu por monges budistas, que não usavam armas, para encontrar uma contradição entre o espírito do esporte e o projeto de Bolsonaro de armar a população civil como uma medida de combate a violência.

"Trata-se de uma arte foi criada por monges budistas, que inventaram movimentos e técnicas de defesa corporal porque não se utilizavam de armas. É inadmissível que uma federação do esporte, criada por meu pai e meu tio, prestar uma homenagem a um político que faz apologia à tortura, isso poderia ser crime e está até passível de sofrer um processo", afirmou ela, que é mãe do lutador Roger Gracie, outro dos herdeiros do clã que se posicionou contra o atual presidente eleito.

A homenagem da última semana não foi o primeiro ponto de aproximação entre a família Gracie e Bolsonaro. No ano passado, durante um torneio de jiu-jitsu promovido pela comentarista Kyra Gracie, o político foi presenteado com um quimono e gravou vídeos ao lado de membros da família. Desde então, os Gracie, como a maioria das famílias brasileiras, se dividiram por causa do pleito.

"Uma grande parte apoia o Bolsonaro, mas não a totalidade e isso foi motivo de grande desavença", disse Reila. "Ninguém tem o direito de falar em nome da família. Minhas filhas, sobrinhos e alguns primos também se posicionaram contra e isso criou uma discórdia, uma tensão na família, às vezes até na esfera pública, o que foi muito desagradável."

Em um áudio que circulou nas redes sociais na última semana, Renzo Gracie se dirige a um sobrinho para criticar feministas e chamar de "bunda suja" quem defende políticas de distribuição de renda.

"Sofri muitos ataques na campanha, inclusive da própria família", afirmou a faixa marrom Karina Gracie, que criou uma página no Facebook para reunir os parentes contra Bolsonaro. "Meu posicionamento contra esse 'ser' gerou ofensas e agressividade. Falaram até que eu devia tirar meu sobrenome da família."

Essa parte descontente agora fala em se engajar nos movimentos que pretendem fazer oposição às políticas do novo governo, temendo que haja uma onda de violência no país. "Eu me sinto resistência", disse Reila. "Fiquei muito assustada com falas que ouvi de parentes meus. As pessoas estavam com sede de sangue, irmãos meus, amigos, pessoas que eu conhecia a história, professores de jiu-jitsu. Eu nunca pensei que fossem capazes de verbalizar esse tipo de coisa."

FAIXA PRETA
A indignação com o PT e com a corrupção levou dois dos principais Gracies vivos a se engajar na campanha do capitão reformado. Rorion, que vive nos Estados Unidos, e Robson, no Rio, disseram ter visto "coragem, honra e heroísmo" em Jair Bolsonaro.

"O Brasil vem de uma série de governos que promoveram muita roubalheira e desgraça ao povo", disse Rorion, "e o Bolsonaro apareceu não como um político, mas como um ídolo nacional, da mesma forma que o Hélio Gracie, meu pai, apareceu nos anos 60, como um ídolo. É um cara sério, trabalhador, não é corrupto, humilde, tem um conjunto de qualidades morais e éticas que deveriam fazer parte do caráter de todo faixa preta de jiu-jitsu. Se o Hélio e o Carlos estivessem vivos, tenho certeza que votariam nele."

Robson, que voltou a defender a homenagem em nome da federação de jiu-jitsu, prometeu demitir o irmão Reyson, que tem o cargo de vice-presidente técnico da entidade.

POR ADRIANO WILKSON
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

 

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