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Graça Cordeiro fala do preconceito a pessoa com HIV e dá recado aos jovens

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Chegando aos 31 anos acolhendo piauienses e maranhenses soropositivos em situação de vulnerabilidade, o Lar da Esperança é um símbolo de solidariedade e amor ao próximo. 

Atualmente abrigando cerca de 200 pessoas, a casa vive de doações e do trabalho de uma equipe dedicada de voluntários coordenada por Maria das Graças Cordeiro Ferreira, uma senhora cuja história de vida é um exemplo de determinação e voluntariado. (Saiba como ajudar no final da matéria).

Em janeiro de 2020, o trabalho de Dona Graça, como é conhecida, completa 31 anos de apoio a portadores do vírus HIV (sigla em inglês para síndrome da imunodeficiência adquirida). Desde 1989, a contadora se dedica a garantir abrigo, comida e oportunidade a quem perdeu o amparo da família e o lar onde viveu.

A solidariedade de Graça Cordeiro venceu o estigma da desinformação. Ela relembra a primeira vez em que um rapaz a procurou buscando ajuda. Ele era piauiense e havia sido demitido do trabalho em São Paulo após ser diagnosticado. Ao voltar para o Piauí, foi rejeitado pelo pai e pelos irmãos.

Foto:Yasmim Cunha/Cidadeverde.com

‘’Ele bateu na minha porta. Eu de cara a cara com a 'Aids', uma pessoa saudável, não tinha nada dele que não parecesse normal. Eu não sabia se abraçava, se pegava na mão. Sabíamos que era uma doença contagiosa, mas na época não tínhamos nenhuma informação’’.

Ainda assim, a contadora abrigou o jovem rapaz e a partir dali, sua acolhida se tornou um porto seguro para centenas de pessoas. Com histórico de ajuda a moradores de rua, Graça passou a focar sua vida de voluntária à portadores do vírus em situação de abandono e vulnerabilidade social.

Sem recursos, no início dos anos 90, a contadora passou a abrigar as pessoas dentro do seu próprio escritório localizado em um prédio no Centro de Teresina.

‘’Comecei a juntar gente. Fui guardando gente até debaixo de mesa. Comecei a fazer comida lá mesmo. Eu não tinha dinheiro para o aluguel então comecei a ocupar as salas ociosas do prédio, que estava quase a venda.  O povo começou a fugir de mim. Perdi clientes. As pessoas começaram a desocupar o prédio’’, relembra.

Com o aumento de pacientes atendidos pela ação, a mobilização de Graça e de sua equipe de voluntários exigia um novo espaço. A Avenida Capitão Vanderley, número 5000 no bairro Piçarreira, na zona Leste de Teresina, desde 2002 passou a ser o abrigo onde centenas de pessoas reconstruíram suas vidas.

Em um terreno doado pela Universidade Federal do Piauí, o Lar da Esperança, onde se encontra atualmente, foi sendo erguido tijolo por tijolo, telha por telha. A solidariedade e a dedicação dos voluntários moveu autoridades e artistas que doaram materiais para a construção da casa que hoje tem capacidade para abrigar centenas de pacientes.

Foto:Yasmim Cunha/Cidadeverde.com

Para o abandono, um lar de esperança

Há 26 anos no Lar da Esperança, o cozinheiro chefe aposentado Valdecir Palhano, 56 anos, é um dos acolhidos mais antigos. Natural do Maranhão, ele conta que o Lar da Esperança lhe deu uma nova oportunidade para reconstruir sua vida após a rejeição da sociedade. 

‘’Aqui foi o único lugar que eu encontrei acolhimento porque fiquei sem a família, sem os parentes porque era uma doença muito nova e a partir da hora que você descobre que era soropositivo, muita gente não conhece, minha família não tem estudo, minha cidade era pequena, logo todo mundo ficou sabendo e fiquei totalmente, como se diz, rejeitado por todos’’, relembra Valdecir.

Morando em uma casa que conseguiu a dois quarteirões do Lar da Esperança, Valdecir, também conhecido como Seu Vavá, passa o dia no abrigo e dorme em casa. ‘’Gosto dessa independência, mas se não fosse pelo Lar da Esperança eu não teria construído nada, porque um salário mínimo é muito pouco. Tem pessoas que sobrevivem mas acho que só Deus’’ , revela o aposentado.

Seu Vavá diz que hoje tem uma vida normal apesar das adversidades que a portabilidade do vírus lhe trouxe, como a distância dos familiares e amigos. ‘’Tenho uma vida normal, não estou dizendo para ninguém pegar HIV porque não é fácil, não. Porque minhas medicações são muito fortes e existe também a solidão dos amigos, da família que a gente não é acolhido mais. Eu não tenho contato com ninguém, a não ser o pessoal aqui da casa, que são a minha família, eles sim se importam comigo’’, disse. 

Com sabedoria dos anos de vida, Seu Vavá deixa uma mensagem para as pessoas. ‘’Que se previnam. Tenha mais amor ao próximo porque quem ama, protege’’, disse.

Foto:Yasmim Cunha/Cidadeverde.com

Como ajudar

O abrigo recebe todo tipo de donativos de alimentos não perecíveis até materiais de limpeza. Carnes, leite e gás também são ítens necessários para garantir a alimentação dos acolhidos. Dona Graça explica que as contas exigem recursos financeiros que muitas vezes não chegam.

‘’A energia aqui muitas vezes a gente paga atrasado, tiramos de onde não tem e quando pagamos uma conta, outra já tem chegado. Os alimentos  que arrecadamos nesse período natalino às vezes duram até março, abril. No segundo semestre a gente conta com as feiras de ciência e gincanas do colégio que nos doam’’, explica a coordenadora do abrigo.

Ajuda podem ser doadas pelo Banco do Brasil ou pela Caixa Econômica Federal:

Banco do Brasil

Agência: 5605-7
Conta: 305.061-0

Caixa Econômica

Operação: 3
Agência: 1989
Conta: 343-9

Reciclagem solidária

Para complementar as doações, o Lar da Esperança conta com um ponto de coleta de material reciclável. Materiais como plásticos de garrafas peti, cadeiras, ferros, e outros produtos descartados se transformam em insumos e são vendidos como forma de renda extra para manter a casa.

Telefones para contato

(86) 9 8882-4506

(86) 9 9822-3500

Preconceito e convívio com o HIV

Para Graça Cordeiro, os primeiros anos de existência do Lar da Esperança foram os mais difíceis. ‘’No começo era quase um desespero. Casos que a família deixava o paciente com a gente e dava o endereço errado. Às vezes a gente ia até as casa após um óbito e não achava. Gente da família que nunca foi buscar um documento, as roupas, nem nada’’, contou.

Segundo a coordenadora do abrigo, o preconceito diminuiu com o acesso à informação. Ainda assim, ela aponta mal uso das ferramentas da atualidade, como é o caso da internet, para o acesso à informação e à precaução.

‘’Os dados apontam que atualmente os jovens são mais contaminados. Falta essa essa responsabilidade. Acho que falta a gente conversar mais sobre sexo sem que esse sexo seja imoral, sem que esse sexo seja pornográfico, que ele seja natural, com responsabilidade’’, explicou.

Ela aponta ainda que os jovens estão perdendo a chance de usar  a tecnologia ao seu favor, e acabam ignorando as precauções, e agindo sem responsabilidade.

‘’Esse tema se tornou comum nas novelas, os jovens acabam vendo e achando que é normal, interpretam a ficção, como uma realidade distante, que é algo que nunca vai acontecer com eles ou alguém próximo’’, contou. 

HIV não tem cara

Carregada de um estigma histórico a síndrome da imunodeficiência atualmente não possui um público específico. ‘’No começo era só homossexuais masculinos, depois começou a aparecer a prostitutas depois os casais, depois os filhos. Hoje em dia não tem mais cara, nem aparência’’, revelou Graça Cordeiro.

Segundo a coordenadora do abrigo, os avanços na medicina propiciaram uma maior longevidade e mais qualidade de vida aos pacientes. Ela relata momento difíceis que viveu em outras épocas.

‘’Teve semana que eu perdi cinco pessoas, só em um dia perdi duas. Esse ano (2019) não morreu ninguém. Ano passado morreu só uma pessoa. Isso tudo é bom. Mas é importante a pessoa saber se está contaminada, se tratar e não se esconder. Isso (o HIV) não impede as pessoas de estudar de trabalhar, de se formar, de sonhar’’, assegurou.

Incêndio 

Dedicada a ajudar o próximo, foi a vez de Graça Cordeiro ser amparada após sua casa pegar fogo em julho deste ano por conta de um vazamento de gás. O fogo se alastrou pelo teto e ameaçou a estrutura da casa depois de ter queimado parte do telhado da residência, que teve que ser parcialmente reconstruído.

‘’Dia 20 de julho de 2019, eu não vou me esquecer nunca. Geladeira, fogão, roupa, aparelho de som, computador, tudo queimado. Arrumei uma parte da estrutura da casa, comprei tudo no cartão, estou devendo tudo. Algumas pessoas nos emprestaram móveis. Nada que Deus não possa corrigir.’’, contou ela com a segurança de quem acredita no bem e na oportunidade incessante de recomeçar.   

Um recado aos jovens

Graça Cordeiro relembrou que, no início dos atendimentos, tudo era complicado,

não tinha apoio do companheiro e teve que ser firme para fazer do abrigo a prioridade da sua vida. 

Ela contou que se dedicou totalmente ao Lar e deixou de lado muitas coisas, inclusive a chance de casar novamente (o marido de Graça faleceu há 10 anos). 

“Eu me sinto completa, feliz e realizada aqui, não preciso que ninguém cuide de mim, o Lar é a minha vida, e meu companheiro todos esses anos”, afirmou. 

Graça reforçou ainda a importância dos jovens manterem o foco nos estudos e nas oportunidades que, segundo ela, é na juventude que em que elas aparecem. 

“Os jovens de hoje tem muito mais oportunidades, mas nem sempre aproveitam, o meu conselho é para que não esperem, vivam, aproveitem, mas com responsabilidade, o HIV não destrói a vida de um jovem, mas dificulta, e muita coisa pode ser evitada”, contou. 

Graça conta que apesar da trajetória difícil, o Lar é um lugar que representa felicidade, foi lá que ela passou a maior parte da vida, e onde viveu os seus melhores momentos. O seu único desejo é viver bem mais 100 anos, pois segundo ela, ainda tem muito a quem ajudar.

 

Valmir Macêdo e Yasmim Cunha
[email protected]

 

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