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Geraldo Azevedo celebra festas juninas com disco e recorda tortura na ditadura

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Fotos: Reprodução/instagram/@geraldoazevedooficial

Amante dos palcos, Geraldo Azevedo não lembra de ter ficado tanto tempo longe dos palcos quanto nos meses de quarentena. "Não lembro de ter tirado férias na minha carreira", diz o cantor e compositor. "Nunca fiquei tanto tempo sem pegar um avião. Além dessa tensão toda, do medo de se contagiar e contagiar os outros."

Tanto quanto a vida na estrada, especialmente este mês, Azevedo sente falta das festas de Santo Antônio, São João e São Pedro. Devido à pandemia de Covid-19, os arrasta-pés de 2020 ou acontecerão em transmissões pela internet ou estão adiados para quando o contágio pelo vírus estiver controlado.

Há décadas um dos artistas mais requisitados para as festividades juninas, Azevedo, desta vez, celebra essa cultura com um disco. "Arraiá de Geraldo Azevedo", gravado ao vivo, foi lançado há duas semanas, e é o registro de um show que o cantor apresenta há mais de dez anos.

"Todo mês de junho eu faço o Nordeste e depois vou ao Rio de Janeiro. Quando comecei a fazer os shows de São João, ainda era muito mais de canções próprias -xotes, xaxados, baiões. Depois, comecei a inserir clássicos. Não podia deixar de cantar Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, eles são os mentores."

"Arraía", registrado no Circo Voador, onde Azevedo se apresenta anualmente em junho há 11 anos, traz no repertório clássicos atemporais do forró nordestino. Só de Luiz Gonzaga, aparecem trechos de "Olha pro Céu", "São João na Roça", "ABC do Sertão", "Xote das Meninas" e "Sabiá", mas ainda há espaço para "Óia Eu Aqui de Novo", de Antônio de Barros, "Petrolina e Juazeiro", de Jorge de Altinho, e "O Canto da Ema", conhecida na voz de Jackson do Pandeiro, entre outras.

A influência dessas músicas, diz Azevedo, vem da infância. "Hoje a gente sabe que o forró virou nacional, mas nasci na zona rural de Petrolina. A expectativa era grande. A gente juntava madeira para a fogueira, todas as casa tinham. Além dos fogos, ainda limitados, existiam superstições. Eu, por exemplo, tive padrinho e madrinha de São João, daqueles rituais na fogueira."

Do interior de Pernambuco, ele lembra de assar milho na fogueira, do clima de paquera nos convites para dançar quadrilha, das comidas típicas e dos jogos. "A gente não tinha luz elétrica e dormia umas 20h, mas no São João a fogueira iluminava a noite toda, e durava muito."

Já conhecido, Azevedo chegava a ficar intoxicado com a fumaça das fogueiras nas turnês juninas pelo estado natal. Até passou a pedir uma barraca com comidas típicas no camarim. "Era uma das coisas que eu sentia falta, virei pessoa pública. Pedia à produção para montar no camarim. Com munguzá, canjica, doce de macaxeira."

Além da memória junina, "Arraía" tem versões puxadas para o forró de "Espumas ao Vento" (famosa na voz de Fagner) e de músicas conhecidas de Azevedo, entre elas "Moça Bonita" e "Sétimo Céu".

Mais do que o repertório autoral, o cantor insere a própria estética no forró. É um mistura das características mais tradicinoais do estilo com a linguagem desenvolvida pelo próprio Azevedo a partir dos anos 1970, em discos como "Bicho de 7 Cabeças". Também com os contemporâneos e parceiros de Grande Encontro, Elba Ramalho, Alceu Valença e Zé Ramalho.

Para o cantor, que incrementa as músicas com bateria, guitarras e percussões, o forró pé-de-serra -de sanfona, piano e zabumba- segue o mais autêntico até hoje. Ainda assim, o estilo perdeu espaço nos últimos anos, tanto para a música sertaneja quanto para o forró eletrônico, de nomes como Calcinha Preta e Limão com Mel, que aproximam o ritmo à música brega.

O cenário começou a mudar nos anos 1990, lembra Azevedo. Ele chegou a brigar com uma prefeita de Campina Grande, na Paraíba, depois que Elba Ramalho foi substituída em uma das noites de festa por Zezé di Camargo & Luciano.

"Porra, é uma festa nordestina. Tantos dias para você botar esses artistas para tocar... Aí me tiraram do São João e nunca mais me contrataram. E começou a ter mais Calcinha Preta, Daniel, Leonardo e tal. O povo nordestino, carente de ver esses artistas de perto, aplaudia a prefeitura de certa forma."

"São experiências, só acho que realmente se perdeu um pouco. Mas o Brasil tem essa diversidade maravilhosa, essa riqueza musical. Temos que aceitar democraticamente."

Essa percepção, diz o cantor, falta ao atual governo nacional. "Não entende a necessidade do povo brasileiro. Além da [relação com a] ciência, tudo isso. E tem essas manifestações antidemocráticas apoiadas pelo presidente, sempre ao lado de militares. A gente fica preocupado."

Azevedo sempre foi contrário a ditadura militar, desde quando começou a cantar no Recife, interagindo com movimentos estudantis, até fazer quadrinhos críticos para jornais clandestinos. Mas diz que nunca militou por nenhum partido.

Ainda assim, foi preso duas vezes. Na primeira, em 1969, ficou enclausurado por 40 dias. "Levei choque, enfiaram coisa nas minhas unhas e deram muita porrada". Na segunda vez, já nos anos 1970, a situação foi mais complicada.

"Fui preso com minha mulher na época, com os amigos dela, que estavam ligados [a movimentos organizados]. Mas até provar que eu não tinha nada a ver, era muito difícil."

Segundo o cantor, a prisão aconteceu porque tinha distribuídos panfletos contrários à censura após uma reunião com outros nomes da cultura, entre eles Caetano Veloso e Glauber Rocha. Mas ele lembra de ter sido confundido com outra pessoa pelas características físicas –passaram dias chamando-o de "Valério".

Antes de começar a dar entrevistas sobre o assunto, Azevedo ficou anos sem detalhar as torturas publicamente. "Tinha certa vergonha. Fui muito humilhado."

Por exemplo, descobriram que eu era cantor e falavam 'você vai cantar para mim'. Imagine, você encapuzado, nu, e eles ao redor de você, falando para cantar. E você prisioneiro. Se não cantasse, levava porrada. Eu terminava cantando e, mesmo depois de cantar, eles continuavam. Aquilo era muito humilhante."

"E você apanha sem poder se defender. É muito ruim. Ao mesmo tempo, dei uns quatro ou cinco chutes naqueles filhos da puta. Sabe como é, né? Na hora, você reage feito um animal acuado, um bicho."

Festejando o São João de casa, Geraldo Azevedo também lamenta a impossibilidade de reagir contra o governo nas ruas e vê com preocupação a possibilidade de retorno aos anos de chumbo. Aos 75 anos, contudo, ele trabalha diariamente em suas músicas, prepara lives e aguarda o retorno à sua segunda casa, os palcos. "Como em toda tempestade, espero que venha um momento de bonança logo."

 

Fonte: Folhapress

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