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'A vontade é encher tua boca com porrada', diz Bolsonaro após repórter perguntar sobre Queiroz

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Atualizada às 20h26

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou neste domingo (23) ter vontade de agredir um repórter do jornal O Globo após ser questionado sobre os depósitos feitos pelo ex-policial militar Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Durante uma visita de cinco minutos a ambulantes da Catedral de Brasília, o jornalista questionou o presidente sobre os motivos para o ex-assessor do seu filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher terem repassado R$ 89 mil para a conta de Michelle.

Inicialmente, o presidente rebateu perguntando sobre os supostos repasses mensais feitos pelo doleiro Dario Messer à família Marinho, proprietária da Rede Globo.

Segundo a revista Veja, em depoimento no dia 24 de junho, Messer disse que realizou repasses de dólares em espécie aos Marinhos em várias ocasiões a partir dos anos 1990. A família nega qualquer irregularidade.

Após a insistência do repórter sobre os pagamentos à primeira-dama, Bolsonaro, sem olhar diretamente para o repórter, afirmou: "A vontade é encher tua boca com uma porrada, tá?".

A reportagem presenciou o episódio. A imprensa questionou o presidente sobre a fala, mas Bolsonaro não respondeu.
Em nota, o jornal O Globo repudiou a conduta de Bolsonaro. "O Globo repudia a agressão do presidente Jair Bolsonaro a um repórter do jornal que apenas exercia sua função, de forma totalmente profissional, neste domingo", afirma o texto.

"Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população", completa a nota.

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech, afirmou ser "lamentável que mais uma vez o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista". "Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição", disse.

As entidades de defesa da liberdade de expressão e de imprensa Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Repórteres sem Fronteiras divulgaram nota conjunta para condenar o ato do presidente.

Segundo o texto, as entidades "se solidarizam com o repórter e condenam mais um episódio violento protagonizado por Jair Bolsonaro, cuja reação, ao ouvir uma pergunta incisiva, foi não apenas incompatível com sua posição no mais alto cargo da República, mas até mesmo com as regras de convivência em uma sociedade democrática". "Um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é próprio de ditaduras, não de democracias", afirmam as entidades.

A quebra do sigilo bancário de Fabrício Queiroz, que está em prisão domiciliar, revelou novos repasses à primeira-dama Michelle Bolsonaro.

De acordo com a revista Crusoé, os extratos colocam em dúvida a justificativa sobre empréstimos apresentada até aqui pelo presidente. Entre as transações de Queiroz, até o momento se sabia de repasses que somavam R$ 24 mil para a mulher do presidente.

Desde então, Bolsonaro não havia se manifestado sobre o assunto.

Nos últimos meses, o presidente reduziu os ataques aos Poderes Judiciário e Legislativo e declarações que pudessem gerar atritos entre eles.

A postura mais amena de Bolsonaro vinha sendo atribuída por congressistas à prisão do ex-assessor Queiroz. A intenção seria diminuir o desgaste do governo, proteger sua família e pacificar as relações com os outros Poderes.

Em conversas reservadas, Bolsonaro também vinha demonstrando preocupação com as situações jurídicas do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Em 2018, em entrevistas após a divulgação do caso Queiroz, Bolsonaro disse que o ex-assessor repassou a Michelle dez cheques de R$ 4.000 para quitar uma dívida de R$ 40 mil que tinha com ele (essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda).

Também afirmou que os recursos foram para a conta de sua mulher porque ele "não tem tempo de sair".

O jornal Folha de S.Paulo confirmou as informações obtidas pela revista Crusoé e apurou que o repasse foi maior. Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle de 2011 a 2016, no total de R$ 72 mil.

De outubro de 2011 a abril de 2013, o ex-assessor repassou R$ 36 mil à primeira-dama, em 12 cheques de R$ 3.000.

Depois, de abril a dezembro de 2016, Queiroz depositou mais R$ 36 mil em nove cheques de R$ 4.000.

A reportagem também apurou que a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, repassou para Michelle R$ 17 mil de janeiro a junho de 2011. Foram cinco cheques de R$ 3.000 e um de R$ 2.000. Assim, no total, Queiroz e Márcia depositaram R$ 89 mil para primeira-dama de 2011 a 2016, em um total de 27 movimentações.

Até o momento, o presidente não se manifestou sobre os depósitos à primeira-dama.

A postura agressiva de Bolsonaro e seus apoiadores diante de questionamentos da imprensa não é nova. Em fevereiro deste ano, o presidente reclamou de reportagens publicadas e cruzou os braços com as mãos fechadas, dando uma banana para os jornalistas. Bolsonaro reclamava de reportagens publicadas durante aquela semana, quando afirmou que uma pessoa com HIV -vírus da Aids- representa "uma despesa para todos no Brasil".

Em maio, Bolsonaro mandou repórteres calarem a boca após ser questionado sobre mudanças no comando da Polícia Federal. À época, Bolsonaro foi questionado por jornalistas se havia pedido a mudança na superintendência da Polícia Federal no Rio. "Cala a boca, não perguntei nada", respondeu ele a um primeiro questionamento.

Na mesma entrevista coletiva em que mandou repórteres se calarem, Bolsonaro atacou a Folha de S.Paulo, chamando o jornal de "canalha", "patife" e "mentiroso" pela publicação da manchete da edição impressa do jornal daquele dia. O presidente mostrou uma imagem que reproduzia a capa do jornal, referindo-se à manchete "Novo diretor da PF assume e acata pedido de Bolsonaro", e disse que não interferiu na corporação.

Dias depois, ainda no mês de maio e diante da escalada de agressões verbais de seus apoiadores na porta do Palácio da Alvorada, veículos de comunicação deixaram a cobertura no local até que a segurança dos profissionais fosse garantida.
Parlamentares reagiram nas redes sociais sobre a nova agressão de Bolsonaro à imprensa. O líder da Minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que Bolsonaro tem medo de responder questões relacionadas a Queiroz.

"O medo de responder é tão grande que Bolsonaro quer silenciar quem o fiscaliza de toda forma Ele vai dizer o mesmo à Justiça?", questionou o senador.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), que já foi alvo de agressões de Bolsonaro quando ele ainda era parlamentar, afirmou em seu perfil que a ameça era gravíssima e comparou a atitude à do general do Exército Newton Cruz durante a ditadura.
"Gravíssimo. Bolsonaro ameaça repórter ao ser perguntado sobre depósitos na conta da primeira dama. Repete agressividade de Newton Cruz durante a ditadura. Na democracia, tal atitude não pode ser tolerada."

Em 1983, Newton Cruz também se irritou com questionamentos de jornalistas. Na ocasião, o general mandou o jornalista Honório Dantas calar a boca. Quando o jornalista desligou o microfone, o militar retrucou com um empurrão no repórter ao dizer "desliga essa droga, então".

Neste domingo, Bolsonaro parou na catedral após almoçar no apartamento de um amigo em Brasília.

Após trechos da delação de Messer serem revelados, em nota, a família Marinho negou as acusações do doleiro e ressaltou que ele não apresentou provas.

"A respeito de notícias divulgadas sobre a delação de Dario Messer, vimos esclarecer que Roberto Irineu Marinho e João Roberto Marinho não têm nem nunca tiveram contas não declaradas às autoridades brasileiras no exterior. Da mesma maneira, nunca realizaram operações de câmbio não declaradas às autoridades brasileiras", afirma a nota dos Marinho.

PEDRO LADEIRA, RENATO ONOFRE E ISABELLA MACEDO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) 

 

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