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Cinco momentos em que decisões de Biden pareceram políticas de Trump

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Foto:reprodução/instagram@joebiden

Joe Biden foi eleito presidente dos EUA em boa parte devido à campanha dedicada a se mostrar um ser humano totalmente diferente de Donald Trump. Se o republicano era o símbolo do negacionismo da Covid entre líderes globais, o democrata priorizaria a ciência acima de qualquer critério. Se o republicano não tinha compaixão pela situação de imigrantes que tentam entrar de modo ilegal no país, o democrata os trataria de outra maneira, sem deixá-los entregues a más condições em abrigos.

Recentemente, no entanto, a declaração do chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, espelhou uma percepção muito clara em determinados momentos da atual gestão na Casa Branca: as decisões de Biden podem se parecer bastante com as de Trump. Diante da crise provocada após EUA e Reino Unido atravessarem a França em um acordo de fornecimento de submarinos à Austrália, Le Drian ressaltou que o movimento, classificado de "unilateral, brutal e imprevisível", se parece muito com o que fazia Trump".

O democrata, claro, é bem diferente do antecessor em diversos temas. Diferentemente do que acontecia na gestão do republicano, Biden, por exemplo, colocou o ambiente no topo das prioridades de seu governo e manteve uma agenda forte contra leis antiaborto, como a aprovada recentemente no Texas, a mais restritiva do país. Da mesma forma, condenou com fervor os projetos de lei que dificultam o acesso ao voto, um desdobramento das alegações falsas de fraude nas eleições.

Por outro lado, mostrou frieza incomum ao defender a saída americana diante das imagens de afegãos desesperados para fugir do Talibã e revogou a obrigatoriedade de pessoas já vacinadas com as duas doses utilizarem máscaras, ainda que especialistas fossem contrários à medida.

Assim, chamam a atenção os temas nos quais ele se aproxima das políticas de Trump. Da relação com a Europa à postura frente à China, veja cinco momentos em que presidente e ex apresentam convergências.

IMIGRAÇÃO

Ao lado da Covid, a onda imigratória na fronteira sul dos EUA foi a maior crise doméstica enfrentada por Biden nos primeiros meses de mandato. No primeiro dia no Salão Oval, em janeiro, revogou a declaração de emergência que ajudou a financiar a construção do muro na fronteira dos EUA com o México e derrubou o veto à entrada de pessoas de alguns países de maioria muçulmana.

Ele, porém, seguiu utilizando uma medida do governo Trump para expulsar imigrantes durante a pandemia de coronavírus. A regra, tratada como uma ordem de saúde pública, virou justificativa para a expulsão imediata de pessoas que tentarem entrar no país violando restrições de viagens ou de modo ilegal.

O democrata também manteve a decisão de fretar voos para deportar imigrantes detidos na fronteira ao tentar entrar nos EUA sem documentos. A estratégia era uma marca da política anti-imigração do antecessor. As aeronaves chegaram a levar brasileiros algemados e em condições questionadas por autoridades diplomáticas e defensores de direitos humanos.

Mas foram as imagens das más condições dos abrigos onde estavam crianças imigrantes que representaram o símbolo do início da crise imigratória atual. Sob críticas de descontrole na fronteira e restrições ao acesso da imprensa para acompanhar o trabalho das patrulhas na divisa dos EUA com o México, o governo viu o site Axios publicar fotos de superlotação e improviso nas instalações.

Tendas com capacidade para 260 pessoas apresentavam lotação de até 400, sem respeitar o distanciamento social exigido pela pandemia do coronavírus, e menores ficavam nos centros de detenção mais do que as 72 horas permitidas pela lei americana e em condições pouco apropriadas.

E imagens recentes de agentes de fronteira no Texas, a cavalo, ameaçando imigrantes haitianos com rédeas, como se eles fossem animais, despertaram críticas até de democratas. Mesmo diante da pressão por um tratamento mais humano, a Casa Branca intensificou o processo de deportação, num movimento que pode, inclusive, chegar ao Brasil. Agora, haitianos voltaram ao país sem alternativas, em meio a uma crise econômica, política e social, jogados à própria sorte. Justiça seja feita, Biden chamou nesta sexta (24) as fotos dos guardas a cavalo de "ultrajantes" e disse que "haverá consequências".

RELAÇÃO COM A EUROPA
A imagem da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, encarando um Trump sentado, de braços cruzados e cara de menino mimado durante reunião do G7, em 2018, espelhava a postura do ex-presidente em relação à Europa e ao resto do mundo. Era a América em primeiro lugar e fora de órgãos multilaterais.

Biden, por sua vez, restauraria os elos quebrados com aliados tradicionais dos EUA e devolveria o país à liderança global, com forte participação em fóruns e pactos internacionais. Essa última parte até aconteceu, e, no primeiro dia de mandato, o democrata devolveu os EUA ao Acordo de Paris, por exemplo.

Dois episódios recentes, por outro lado, mostram que as coisas não são tão simples assim.

Depois de manter o acordo de Trump para tirar as tropas americanas do Afeganistão, Biden definiu o prazo de 31 de agosto como data limite para concluir o processo. Duas semanas antes, porém, o grupo extremista Talibã, no vácuo da saída americana, retomou o poder, espalhando terror entre milhares de afegãos. O medo de eles serem mortos por terem contribuído de alguma forma com a ocupação ocidental ficou evidente em cenas desesperadas de homens se agarrando a aviões decolando.

Diante da dificuldade para retirar estrangeiros e afegãos no prazo definido, os EUA foram pressionados a negociar uma extensão da data limite, o que não ocorreu. E o Reino Unido, apesar de ter sofrido o segundo maior número de baixas do lado ocidental na guerra, pouco influiu sobre o timing ou a tática da saída.

Por isso, Tom Tugenhadt, deputado que preside o comitê de Relações Exteriores do Parlamento britânico, afirmou esperar que a "'América em primeiro lugar' não tenha se convertido em 'América sozinha'".

Mais recentemente, o acordo costurado entre EUA, Reino Unido e Austrália para fornecer submarinos com propulsores nucleares ao país da Oceania enfureceu a França, que havia acertado um contrato bilionário com o mesmo propósito antes. A diferença é que os submarinos franceses dispõem de outra tecnologia, inferior à oferecida por americanos e britânicos. O anúncio repentino abriu uma crise entre Washington e Paris, com a rara convocação do embaixador francês para consultas em seu país e declarações inflamadas do chanceler Jean-Yves Le Drian, para quem a atitude foi uma "punhalada pelas costas".

POLÍTICA EXTERNA PARA A CHINA
Um dos últimos atos do governo Trump foi classificar de genocídio a situação de Xinjiang, na China, onde há campos de concentração –chamados de centro de reeducação por Pequim– destinados à minoria muçulmana uigur. O rótulo era apenas a ponta final de uma administração que abriu uma guerra comercial contra o país asiático e inaugurou o que hoje é definido por muitos de Guerra Fria 2.0.

Ninguém esperava que Biden mudasse essa orientação, já que o tema é um dos poucos que unem democratas e republicanos. O que muitos não previam, talvez, era que ele intensificasse a política externa contra a potência asiática, algo que o acordo com a Austrália deixa explícito, já que a ilha-continente está numa região estratégica, o Indo-Pacífico, por onde passam exportações e importações de Pequim.

No começo do governo, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, responsável pela diplomacia americana, chegou a se encontrar com o seu par chinês, Wang Yi, no Alasca, para aparar arestas.

Se os EUA criticam a China devido ao tratamento dispensado aos ativistas pró-democracia em Hong Kong, os americanos ouviram no encontro que o país está no seu "ponto mais baixo" em relação a direitos humanos e que "jovens negros estão sendo massacrados", uma referência ao caso George Floyd.

Biden também mexeu os pauzinhos para extrair do G7, grupo de potências industrializadas, o comunicado mais duro em relação à China. No documento, o país asiático é alvo de críticas por falta de transparência na investigação sobre a origem do coronavírus, práticas comerciais distorcidas e desrespeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, especialmente nas já citadas Hong Kong e Xinjiang.

Há, ainda, preocupações quanto a exercícios militares no estreito de Taiwan, que separa a ditadura comunista da ilha democrática que os chineses consideram ser uma província rebelde, e o contestado mar do Sul da China, onde Pequim diz ser dona de 85% das águas. No fim de julho, por exemplo, houve provocações de lado a lado, o que aumenta a tensão, ainda que uma guerra pareça muito distante.

REVOGAÇÃO DO USO DE MÁSCARAS
Diante da melhora dos números do coronavírus nos EUA após uma campanha inicialmente muito bem sucedida de vacinação, Biden, em maio, anunciou que em quase todas as circunstâncias o uso de máscaras e o respeito ao distanciamento social não eram mais necessários para as pessoas que foram completamente imunizadas contra a Covid-19.

Era, à época, o sinal de que a normalidade retornava a passos largos no país, o que as cifras da última semana, quando as mortes pela doença voltaram a ultrapassar 2.000 por dia, mostram não ser simples, já que há uma parcela significativa de americanos que se recusa a se imunizar. Até o momento, 64% da população já recebeu uma dose, e 55% tomaram as duas –ou a vacina da Janssen, de aplicação única.

Mesmo em maio, quando a revogação foi anunciada, entretanto, especialistas criticaram a decisão. Reportagem do New York Times mostrou que o movimento foi uma surpresa para muitas pessoas que trabalham com saúde pública e revelava um forte contraste com a opinião da grande maioria de epidemiologistas entrevistados pelo jornal americano.

"A menos que a taxa de vacinação aumente para 80% a 90% nos próximos meses, devemos usar máscaras em grandes ambientes públicos fechados", disse Vivian Towe, diretora no Instituto de Pesquisas de Resultados Centrados em Pacientes. Como se sabe, as porcentagens não atingiram esses níveis.

Assim, Biden, que insistiu durante toda a campanha eleitoral nas críticas à gestão da pandemia por Trump, não mergulhou no negacionismo declarado do republicano, mas parece ter se afobado ao tomar a decisão. Seja como for, contrariou o que muitos cientistas afirmavam ser adequado para o momento.

FRIEZA
Um dos momentos mais marcantes da corrida presidencial de 2020 foi quando a campanha de Biden exibiu, durante a Convenção Democrata, o vídeo de um menino gago que recebeu ajuda do então candidato, ele também gago na infância. Consolidava-se ali a imagem de homem que tem empatia, importa-se com os outros e entende as dores do próximo. Um espelho invertido de Trump, portanto.

Ao defender a saída americana do Afeganistão, no entanto, Biden mostrou frieza incomum. Pronunciou-se sobre a vitória do Talibã mais de 24 horas depois do ocorrido, jogou a culpa no colo do presidente afegão Ashraf Ghani, que, deposto pelo grupo extremista, fugiu sem oferecer resistência, e não admitiu falhas americanas no processo, como se as imagens de desespero dos locais para sair do país não fossem, em grande parte, fruto da saída atrapalhada das Forças Armadas de seu país.

Meses antes, em entrevista ao canal americano ABC News, Biden já havia dado uma prévia desse tipo de postura. À época, assim como agora, era a imigração o ponto que mais atormentava a sua gestão. Questionado sobre o tema, o democrata, provocado pelo entrevistador, foi claro em sua mensagem a quem tenta entrar nos EUA: "Não venham".

Fonte:DAIGO OLIVA- Folhapress

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