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Mudança interna ampliou risco de prescrição de multas ambientais, admite Ibama à PGR

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Foto: Ibama/ divulgação 

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) admitiu à PGR (Procuradoria-Geral da República) que uma mudança interna, instituída em 2020, ampliou o risco de prescrição de multas aplicadas a infratores ambientais.

Uma portaria de junho de 2020, assinada pelo presidente do órgão, Eduardo Fortunato Bim, instituiu uma equipe nacional de instrução de processos, o que alterou a maneira como os autos de infração são analisados. Servidores passaram a atuar em processos de qualquer lugar do país, e não somente em suas áreas de lotação.

"Sem a colaboração dos estados, em especial para indicar servidores para instrução e julgamento, a capacidade operacional da equipe ficará reduzida e, assim, o risco prescricional aumenta", afirmou o Ibama em documento encaminhado à Câmara de Meio Ambiente da PGR no último dia 12.

O fator de risco de prescrição se soma a uma lista de outras medidas da área ambiental do governo Jair Bolsonaro (PL) que ampliaram a possibilidade de impunidade de infratores ambientais, inclusive aqueles multados já na gestão do presidente.

Em 13 de março, a Folha de S.Paulo revelou que um documento do próprio Ibama aponta risco de prescrição de mais de 5.000 autos de infração lavrados em 2020, o segundo ano do mandato de Bolsonaro. A quantidade equivale à metade dos autos lavrados naquele ano.

Com base na reportagem, a Câmara de Meio Ambiente da PGR cobrou explicações do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.

O ofício foi enviado pelo coordenador do colegiado, subprocurador-geral Juliano Baiocchi, que deu dez dias para o ministro apresentar explicações sobre o risco de prescrição de multas e sobre recomendações anteriores feitas pela câmara da PGR.

A resposta foi encaminhada pelo presidente do Ibama. Uma nota técnica foi elaborada pela Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais.

O colegiado da PGR já havia recomendado alterações no funcionamento da conciliação ambiental, uma etapa criada em 2019 para enfraquecer a fiscalização feita por órgãos ambientais. Esse enfraquecimento é uma bandeira de Bolsonaro, antes e depois de ser eleito presidente.

A conciliação é mais um fator de risco de impunidade de infratores. A medida provocou acúmulo e paralisação de processos, o que potencializa perdas de prazos processuais e a consequente prescrição dos autos.

Um cruzamento de dados feito pela Folha de S.Paulo, publicado em 27 de março, mostrou a existência de mais de R$ 1 bilhão em multas do Ibama, aplicadas em 2020, sem encaminhamento a setores de conciliação ambiental. Na lista estão 28 madeireiras autuadas por exploração ilegal de toras da Amazônia, além de centenas de desmatadores, duas siderúrgicas, uma ferrovia e uma estatal.

Na resposta à PGR, o Ibama admitiu que são necessários "ajustes nos procedimentos" de conciliação e que houve "choque na gestão processual, afetando, por vezes, o fluxo ideal".

"O que ocorre, neste momento, é a consolidação de uma etapa e início de um modelo processual baseado em informatização de todo processo, e que não encontra transição fácil dado o nível de defasagem que existia", afirmou o órgão. A conciliação busca tornar o processo mais eficaz, e busca-se o cumprimento das metas, disse.

Além da instituição de uma equipe nacional de instrução e da conciliação ambiental, uma terceira medida do Ibama contribui para a prescrição de processos. O presidente do órgão, num despacho de 21 de março, alterou um entendimento e anulou etapas de processos de infração ambiental. Bim considerou inválida a notificação de infratores por edital para apresentação de alegações finais.

A medida, revelada em reportagem publicada em 30 de março, impacta milhares de processos, segundo técnicos do Ibama. Os atos processuais a serem anulados tornam-se inválidos para interromper a prescrição dos autos, como consta no documento do presidente do Ibama.

Uma quarta medida provocou "sensível redução na efetividade do processo administrativo sancionador ambiental", como apontou a Câmara de Meio Ambiente da PGR numa nota técnica elaborada em setembro de 2021.

Os integrantes do colegiado se referem a uma instrução normativa conjunta do MMA (Ministério do Meio Ambiente), do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), de abril de 2021, que regulamenta o funcionamento dos núcleos de conciliação ambiental.

"Essa concentração de poderes/competências nas mãos de um só agente público -que não tem prazo, por exemplo, para análise do relatório elaborado pelo agente ambiental- pode acarretar prejuízo ao regular exercício de poder de polícia dos agentes de fiscalização ambiental", afirmou a nota técnica, que sugere uma readequação dos procedimentos definidos na instrução normativa.

A resposta do Ibama ao colegiado da PGR não deu explicações detalhadas sobre os apontamentos feitos pelos integrantes do MPF (Ministério Público Federal).
O Ibama apontou uma "contínua redução do número de servidores" para compor a equipe nacional de instrução de processos. "A redução se deu, em alguma medida, por conta dos superintendentes que realocavam os servidores para demandas locais."

O órgão ambiental fez concurso público para reforçar o quadro de servidores e "tentará outras alternativas para otimizar o rito do processo sancionador", conforme a resposta à PGR. Entre essas alternativas estão mudanças num decreto de 2008 e na instrução normativa criticada pela Câmara de Meio Ambiente. O órgão não diz que alterações serão essas.

O presidente do Ibama chegou a ficar afastado do cargo por 90 dias, por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), em razão das suspeitas de favorecimento a contrabando de madeira ao exterior. Bim foi investigado na Operação Akuanduba, deflagrada pela PF em maio de 2021. Ele retornou ao cargo em agosto de 2021.

Bim, num despacho, dispensou a necessidade de autorização para exportação de madeira. O STF derrubou os efeitos do despacho.

O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também foi investigado por suspeitas de crimes no envio de madeira da Amazônia para EUA e Europa. Ele pediu demissão do cargo no mês seguinte à operação policial. Salles foi o responsável pela indicação de Bim ao cargo de presidente do Ibama.

Fonte: Folhapress

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Tags: IbamaPGR