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Putin cede, ordena mobilização e ameaça guerra nuclear contra Ocidente

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress 

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, determinou pela primeira vez a mobilização de até 300 mil reservistas para lutar na Guerra da Ucrânia, uma protelada admissão de que sua campanha de 210 dias para subjugar o vizinho fracassou em seus objetivos -não derrubou o governo de Volodimir Zelenski e sofreu reveses recentes.

Em pronunciamento pré-gravado na TV nesta manhã (madrugada no Brasil), o russo disse também que irá proteger as populações de território ocupados que pretende anexar após referendos a serem feitos em quatro regiões ucranianas no leste e no sul do país a partir de sexta (23). E que está disposto fazer isso com armas nucleares contra os EUA e aliados que apoiam Kiev.

Segundo o presidente, a Rússia enfrenta 1.000 km de linhas de frente contra o Ocidente na Ucrânia –uma referência ao fato de que os EUA e aliados forneceram bilhões de dólares em armas e inteligência a Kiev. "Na sua política agressiva antirrussa, o Ocidente cruzou todas as linhas", disse Putin.

"Chantagem nuclear tem sido usada, e não estamos falando apenas do bombardeio da usina de Zaporíjia. Mas também de pronunciamentos de altos representantes da Otan sobre a possibilidade de usarem armas de destruição em massa contra a Rússia", afirmou o líder -no domingo (18), o presidente americano Joe Biden havia alertado o russo a não usar a bomba, insinuando reação proporcional.

"Eu gostaria de relembrar eles que nosso país também tem vários meios de destruição, e em alguns casos eles são mais modernos do que aqueles de países da Otan. Quando a integridade de nosso país é ameaçada, é claro que que nós iremos usar todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e seu povo. Isto não é um blefe."

Aqui, Putin se referia ao movimento que levou à escalada dramática, esperada desde que o Ocidente se reuniu em coro para condenar Putin e sua guerra no debate da Assembleia-Geral da ONU, iniciado nesta terça (20) com críticas ao russo feitas inclusive pelo secretário-geral António Guterres.

A resposta russa veio na forma do anúncio de que administradores das duas repúblicas separatistas do Donbass, o leste russófono da Ucrânia composto pelas províncias de Lugansk e Donetsk, promoveriam um referendo pedindo a anexação. Ali, boa parte do território está fora do controle de Kiev desde 2014, na esteira da anexação da Crimeia por Putin, que reagia à derrubada de um governo aliado em Kiev.

Foram seguidos pelos títeres russos em Kherson e Zaporíjia, áreas ocupadas no sul do país que estabelecem uma ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia. Todos que optarem por ser parte da Federação Russa, nas consultas já denunciadas por Kiev e pelo Ocidente como farsas, estarão protegidos, disse Putin.

A jogada de Putin busca isolar o governo de Volodimir Zelenski, que havia recuperado no começo do mês território ocupado em Kharkiv (nordeste), feito ataques ao sul e mesmo contra Lugansk, província que o Kremlin havia conquistado em julho.

O russo joga com o risco de uma Terceira Guerra Mundial, nuclear na essência, para tentar no mínimo congelar as linhas estabelecidas: hoje ele controla quase toda Lugansk, Kherson e Zaporíjia, inclusive a citada maior usina nuclear da Europa, mas apenas 60% de Donetsk.

A lógica é terrivelmente simples: se virarem parte da Rússia, no entendimento legal do Kremlin, ataques a essas áreas passam a ser contra a nação -e a doutrina nuclear russa prevê o uso da bomba, sejam ogivas táticas de baixa potência para uso contra tropa ou estratégicas, que visam mudar rumos de guerra com grande destruição, se houver risco existencial ao país.

Ninguém pode dizer que Putin não havia telegrafado isso. Já no discurso inaugural da guerra, em 24 de fevereiro, ele só não usou a palavra nuclear para ameaçar que interviesse. Depois, mobilizou suas forças estratégicas e fez testes de armas como mensagens.

Deu certo por um tempo. Mas o Ocidente respondeu dobrando a aposta, e só os EUA já empenharam quase quatro vezes o orçamento militar ucraniano em 2021 com o envio de armas.

Até aqui, Putin não mudou o termo "operação militar especial" com o qual buscava limitar o escopo político de sua guerra em casa, mas na prática tudo mudou. Nas últimas semanas, enfraquecido pelas derrotas, o presidente viu a pressão relatada entre a elite mais linha-dura do país por uma ação mais eficaz crescer.

Falta de gente sempre foi a falha central, embora não única, da campanha russa, que pecou por um ataque descoordenado em três frentes em fevereiro e diversas falhas táticas e de logística.

Ao fim, contudo, a queda de Kiev não veio porque havia poucos soldados, explicação para a perda de Kharkiv.

Segundo a explicação dada posteriormente por Serguei Choigu, o ministro da Defesa, a Rússia poderá convocar todos com alguma experiência militar, mas não aqueles que serviram como conscritos ou estudantes. Isso dá cerca de 300 mil pessoas, num universo de 25 milhões passíveis de convocação, muito mais do que os estimados 200 mil que participaram da invasão inicial.

Ao todo, as Forças Armadas russas têm cerca de 900 mil homens na ativa, número que subirá para 1,04 milhão em 2023. Tem o maior arsenal nuclear do mundo. A Ucrânia tinha, antes da guerra cerca de 200 mil soldados e 900 mil reservistas, mas mobilizou toda sua população masculina de 18 a 60 anos na prática.

"Não sei o que vai acontecer, se serei obrigado a lutar", disse o analista financeiro Serguei S., morador de Moscou, por mensagem de texto. As regras da mobilização ainda serão clarificadas pelo governo. "Estou com muito medo, não sabemos onde isso pode parar", completou ele, que tem 47 anos, é casado e tem duas filhas.

Choigu também divulgou pela primeira vez desde março uma estimativa de soldados russos mortos na campanha: 5.937, ante de 15 mil a 20 mil especulados pela Otan. Disse também que morreram 61 mil militares ucranianos, enquanto Kiev admite 11 mil.

 A reação ocidental vem acompanhando o fuso horário, sendo registrada primeiro entre os europeus. Zelenski já havia dito que uma mobilização significaria admissão de medo. "Nenhuma quantidade de ameaças ou propaganda pode esconder o fato de que a Ucrânia está ganhando esta guerra", afirmou o secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace.

Joe Biden falará na ONU nesta quarta, e deverá condensar a resposta da Otan, que já disse recusar qualquer anexação de áreas ocupadas. Durante oito anos, o Ocidente viu a Crimeia, de resto uma região historicamente russa, ser absorvida sem muito mais do que sanções e protestos; agora, luta uma guerra com consequências imprevisíveis.

Do lado russo, sua maior aliada, a China, pediu negociações entre as partes e disse que sua posição, de não condenar Moscou, é conhecida. Na semana passada, Putin e Xi encontraram-se às margens de um fórum no Uzbequistão, e prometeram mais laços militares.

Ambos os países haviam selado uma aliança político-econômicas na Guerra Fria 2.0 pouco antes da guerra, mas o prolongamento da mesma é um problema para o chinês, que busca duelar com seus problemas internos e sofre pressão para não levar adiante o plano de anexar Taiwan, ilha que considera sua.

O anúncio da mobilização abalou a já enfraquecida Bolsa de Moscou, que caiu 9,45% durante a manhã. Grupos ativistas de oposição, que foram praticamente extintos, tentaram promover protestos contra a guerra em correntes de rede social.

 

Fonte: Folhapress (Igor Gielow)

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