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Entenda a prisão de Roberto Jefferson e as ordens de Moraes contra ele

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Foto: Arquivo/Cidadeverde.com

O descumprimento das regras de prisão domiciliar levaram o ex-deputado e dirigente do PTB Roberto Jefferson a receber uma nova ordem de detenção determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Em setembro, o Supremo já havia alertado sobre episódios de desobediência e a possibilidade de multa diária de R$ 10 mil caso Jefferson seguisse violando as regras das medidas cautelares. No sábado (22), ele publicou um vídeo em que chama a ministra do STF Cármen Lúcia de "prostituta" e "arrombada".

No dia seguinte, Jefferson resistiu à prisão com tiros de fuzil e granadas contra agentes da Polícia Federal que tentavam cumprir a decisão. Ele foi levado ao presídio de Benfica, na zona norte do Rio.

Para especialistas em direito, o político poderá responder a novos crimes, como tentativa de homicídio e posse ilegal de armas. O ex-deputado, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), foi preso em agosto de 2021 após incitar atos contra o STF. Desde janeiro, por questões de saúde, estava em prisão domiciliar.

Entenda a situação jurídica de Roberto Jefferson:

Por que Roberto Jefferson estava preso?

Em agosto de 2021, a PF solicitou a prisão de Jefferson, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes. O político era alvo da investigação que passou a ser conhecida como o inquérito dos atos antidemocráticos.

O ministro argumentou que Jefferson divulgou vídeos e mensagens com o "nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao TSE e ao seu presidente".

No final de julho daquele ano, Jefferson concedeu uma entrevista a um canal no YouTube em que defendeu a intervenção militar. "Defendo o artigo 142 da Constituição, uma intervenção do poder moderador e garantidor das Forças Armadas", "o Supremo não é mais uma instituição" e "temos que agir agora [...] e, se preciso, invadir o Senado" foram algumas das declarações dadas.

A PF justificou o pedido dizendo que as postagens nas redes sociais e as declarações em entrevistas indicavam a atuação de Jefferson na organização criminosa investigada por atacar as instituições, desacreditar o processo eleitoral, reforçar a polarização e o ódio e gerar animosidade na sociedade.

Moraes assinou o mandado sem a manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República), porque o órgão descumpriu o prazo dado de 24 horas para se posicionar.

Após a prisão, a subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, disse que Jefferson, hoje ex-deputado, não tinha foro especial e que detê-lo resultaria somente em cerceamento da liberdade de expressão.

Naquela ocasião, foram determinadas a busca e a apreensão de armas e munições, computadores, tablets e celulares do ex-deputado. A conta de Jefferson no Twitter também foi bloqueada.

A prisão de Jefferson foi justa?

Não houve consenso entre especialistas ouvidos à época pela Folha de S.Paulo. Parte deles criticou a fundamentação da prisão preventiva, outros enxergaram a argumentação de Moraes suficiente. Aqueles que discordaram consideraram que nem todas as falas de Jefferson até então configurariam crimes. Para Moraes, havia indícios da prática de mais de dez delitos previstos em lei.

Em janeiro, por questões de saúde, Moraes atendeu ao pedido dos advogados de defesa e converteu a prisão preventiva em domiciliar. A professora de direito penal da FGV Direito de São Paulo e advogada Raquel Scalcon diz que desde aquela época havia uma discussão sobre a prisão e a legalidade do inquérito no qual a detenção foi baseada, o que é comum em crimes associados a linguagem.

A advogada afirma que, embora os critérios da prisão preventiva tenham sido apontados como vagos, eles são os mesmos usados para qualquer pessoa. Ela considera que a prisão domiciliar foi uma medida mais razoável, mas reforça que, desde a determinação, Jefferson violou as regras de forma constante.

O que aconteceu com o inquérito dos atos antidemocráticos?

Em abril de 2020, a pedido da PGR, foi instaurada uma investigação para identificar organizadores e financiadores de manifestações pedindo o fechamento do Congresso, do STF e a volta da ditadura militar.
Em junho de 2021, no entanto, a Procuradoria pediu o encerramento do inquérito no Supremo, argumentando que não foram encontradas provas contra autoridades com foro especial.

No mês seguinte, Moraes arquivou a investigação e abriu uma nova para apurar a existência de uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições para abalar a democracia. Como argumento, disse que a investigação de pessoas próximas a Bolsonaro justificava a continuidade das apurações.

Por que Roberto Jefferson recebeu nova ordem de prisão?

Jefferson foi preso por descumprir, de forma reiterada, as regras da prisão domiciliar. No sábado (22), ele usou a conta no Twitter da filha, Cristiane Brasil (PTB), para xingar a ministra do STF Cármen Lúcia. A magistrada foi chamada de "bruxa de Blair", "Cármen Lúcifer" e comparada a prostitutas.

O ex-deputado comentava uma decisão do TSE que concedeu três direitos de resposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que devem ser veiculados em canais da Jovem Pan.

Para Marina Coelho Araújo, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, "a decisão que deu a ele a prisão domiciliar era clara no sentido de que não poderia ter comunicação por mídias sociais".

"Assim, o vídeo em que se referiu à ministra era um descumprimento das condições da prisão domiciliar. Além de configurar vários outros crimes, o vídeo demonstra que a medida cautelar deveria perdurar, mantendo o acusado preso em estabelecimento prisional compatível com o regime fechado."

O Alexandre de Moraes disse ao determinar a prisão de Jefferson?

O ministro listou as regras que deveriam ser cumpridas para que Jefferson seguisse em prisão domiciliar. Além do uso de tornozeleira eletrônica, estava proibido de realizar qualquer comunicação exterior, receber visitas sem prévia autorização judicial, conceder entrevistas e se comunicar com outros investigados.

Moraes afirmou ter ficado amplamente demonstrado, por meio das violações cometidas por Jefferson, a necessidade de restabelecimento da prisão. Ele disse ainda que, por tais condutas, o ex-deputado poderá responder por outros crimes contra a honra e o Estado Democrático de Direito e por discriminação.

Jefferson já havia sido alertado sobre o descumprimento das regras da prisão?

Sim. Segundo o criminalista Maurício Zanoide de Moraes, professor de processo penal da USP, nas prisões domiciliares valem as mesmas restrições que aquelas previstas para o sistema carcerário, como a proibição de fazer contatos externos e postar vídeos em redes sociais.

O especialista destaca o fato de as decisões indicarem que havia a condição de não usar redes sociais e não manter contato com pessoas ou por meio de pessoas sem ordem judicial, exceção a familiares.

"A desobediência dele já vinha acontecendo havia muito tempo nesse sentido. E Moraes afirmou que até chegou a intimar os advogados de Jefferson para que dessem uma justificativa de o porquê de ele estar fazendo aquilo. O ministro também indicou vídeos que Jefferson circulou na internet".

Para o professor da USP, "permitir isso seria a mesma coisa que admitir que presidiários adotassem essas condutas". Na decisão do fim de semana, Moraes apontou que em setembro Jefferson havia recebido visitas e passado orientações a dirigentes do PTB, conforme um áudio anexado ao processo.

Outro descumprimento das regras da prisão domiciliar teria ocorrido quando o ex-deputado concedeu entrevista ao canal Jovem Pan News no YouTube. Segundo o despacho de Moraes, "em decisão de 15 de setembro de 2022, foi fixada multa diária de R$ 10 mil, no caso da continuidade de descumprimento de qualquer das medidas cautelares, além de ter sido o investigado advertido de que qualquer novo descumprimento injustificado ensejaria, imediatamente, o restabelecimento da prisão preventiva".

Que aspecto da decisão que determinou a prisão de Jefferson é alvo de críticas?

O advogado Renato Vieira, sócio fundador do escritório Kehdi e Vieira Advogados, afirma que o único aspecto criticável da decisão foi a proibição de recebimento de visitas de advogados na prisão sem prévia autorização judicial, ordem que ele espera ser revogada.

"Estamos lidando com uma pessoa, o ex-deputado Roberto Jefferson, que fez ataques reiterados ao Estado de Direito. Dizer que ele não pode ter contato com seu advogado também é uma medida que extrapola os propósitos de qualquer medida cautelar no Brasil", afirma.

Marina Coelho chama a medida de inconstitucional. "Há evidente abuso na decisão que proíbe o acusado de falar com advogado sem autorização do tribunal. Isto é inadmissível e viola a constituição federal."

Jefferson poderia portar armas em prisão domiciliar?

O advogado criminal e doutor em direito penal pela USP Leandro Sarcedo afirma que, mesmo tendo uma permissão anterior, Jefferson não poderia ter armamentos no momento em que cumpria prisão domiciliar.
"Não houve concessão de liberdade provisória. Jefferson permanecia preso, mas em sua residência, por motivos de saúde. Assim, parece ser incompatível a posse de arma por um preso, o que pode motivar juridicamente a determinação da volta à prisão, com vistas à preservação da ordem pública", diz Sarcedo.

Quais crimes Jefferson cometeu ao resistir à prisão?

Aos resistir com tiros e granadas que feriram agentes da Polícia Federal, Jefferson poderá responder por tentativa de homicídio qualificado ou por lesão corporal qualificada contra agentes de Segurança Pública, diz o advogado penal e professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Davi Tangerino.

"Jefferson não foi preso porque havia xingado alguém. Ele foi preso porque quebrou as condições de sua prisão domiciliar, e o código de processo penal tem essa previsão explícita", afirma.

Ele também critica a presença do ex-presidenciável Padre Kelmon na negociação para rendição de Jefferson, o que pode ter interferido na ordem de busca e apreensão determinada por Moraes.

A professora de direito penal da USP Helena Regina Lobo acrescenta que o ex-deputado também pode responder por resistência à prisão. Embora tenha dito que não teve a intenção de ferir os agentes, ela diz que a arma usada, um fuzil, e o número de disparos, 20, permitem configurar tentativa de homicídio.

"Quem não concorda com decisões judiciais em um Estado de Direito deve utilizar os meios jurídicos para recorrer. O uso da violência não é meio legítimo de contestar uma decisão ou a autoridade que a proferiu."

Raquel Scalcon (FGV) acrescenta: "A grande consequência jurídica é que aos poucos a democracia constitucional é minada. Quando entendemos que uma decisão judicial tem que ser cumprida só se eu concordar é porque estamos num momento muito sensível da democracia e da ideia de império da lei".

Já as pessoas que defenderam Jefferson após a prisão não devem, a princípio, responder à Justiça. O advogado Renato Vieira afirma que isso pode acontecer caso as manifestações ultrapassem limites e também configurem ataques ao STF, como os que levaram o político inicialmente à prisão

Fonte: Folhapress (GÉSSICA BRANDINO E FLÁVIO FERREIRA)

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