Cidadeverde.com

Saiba como o estupro impacta a estrutura mental e social de sobreviventes

Imprimir

 

Foto: Freepik

 

Estudos internacionais apontam que sobreviventes de estupro ou abuso sexual desenvolvem problemas físicos, mentais e sociais ao longo de toda vida, incluindo disfunções sexuais e quadros de depressão e ansiedade agravados pelo TEPT (transtornos de estresse pós traumático). Também geram até 18,7% mais sofrimento para mulheres violentadas, indicando o peso do gênero e da culpabilização da vítima.

O caso do jogador brasileiro de futebol Daniel Alves, 39, detido na Espanha esta semana, levantou debate acerca dos impactos do estupro na saúde mental das vítimas.
Ex-capitão da Seleção Brasileira e casado com uma modelo internacional, Alves é acusado de estuprar uma jovem de 23 anos no banheiro de uma boate em Barcelona. A vítima disse que não quer a indenização garantida pela Lei espanhola, mas apenas a prisão do agressor -o que desestruturou a defesa do jogador.

O estupro pode, entretanto, causar danos mentais difíceis de serem superados. Uma pesquisa britânica feita com jovens nascidos entre 2000 e 2002 mostrou que a violência sexual está associada, em ambos os gêneros, a sofrimento psicológico médio e alto, risco de automutilação e de tentativa de suicídio.

Divulgado na publicação internacional Lancet Psychiatry em 2022, o artigo "The impact of sexual violence in mid-adolescence on mental health" (O impacto da violência sexual na saúde mental de jovens no meio da adolescência, em português), mostrou que aos 17 anos já havia "uma lacuna de gênero bem estabelecida e substancial na prevalência de doenças mentais comuns". Foram avaliados 5.119 meninas e 4.852 meninos que sofreram violência sexual no ano anterior ao questionário.

As meninas do grupo tiveram taxas mais altas de depressão, ansiedade e automutilação. O levantamento reforça que as adolescentes entre 14 anos e 18 anos "têm cinco vezes mais chances de sofrer agressão sexual que seus pares masculinos".

O artigo recomenda políticas públicas e mudanças sociais para redução da violência sexual e "diminuir a diferença de gênero na internalização de problemas de saúde mental."

Já o trabalho "Exploring the relationships between sexual violence, mental health and perpetrator identity" (Explorando a relação entre violência sexual, saúde mental e identidade do agressor, em português), publicado em 2018 por pesquisadores australianos no BMC Public Health, destacou como a origem do violentador amplia o dano mental.

Foram ouvidas 336 mulheres por meio de questionário anônimo aplicado em consultórios médicos. Em um país no qual uma em cada cinco delas já sofreu algum tipo de violência sexual desde os 15 anos, os pesquisadores avaliaram índices de depressão, ansiedade e TEPT nas participantes.

"Encontramos associações significativas entre estupro/agressão sexual e problemas de saúde mental", afirmam os autores.

Casos de coerção e controle geraram as maiores pontuações de TEPT e ansiedade em comparação com mulheres sem experiências de violência sexual.

Além disso, quando perpetrados por conhecidos, os atos levaram as vítimas a índices maiores de TEPT. No caso de estranhos, o destaque foi a alta significativa das pontuações de depressão.

"Os profissionais de saúde devem perguntar sobre os diferentes tipos de violência sexual [...] e sobre a identidade do perpetrador para informar sobre a probabilidade de sintomas contínuos", recomendam os pesquisadores.

"Sexual assault and posttraumatic stress disorder: a review of the biological, psychological and sociological factors and treatments" (Agressão sexual e transtorno de estresse pós-traumático: uma revisão dos fatores e tratamentos biológicos, psicológicos e sociológicos, em português), por sua vez, indica que mudar atitudes de culpabilização da vítima e desestigmatizar o assunto são essenciais para uma melhor assistência no processo de recuperação.

Publicado pelo Mcgill Journal Medicine em 2006, o estudo candense reforça que a "recuperação do trauma do estupro é uma jornada profundamente pessoal e altamente individualizada." 

Thiago Dornela Apolinario, médico psiquiatra formado pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em sexualidade humana com mestrado na área de violência sexual, trabalhou por anos com sobreviventes no Seavidas, serviço do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. De acordo com ele, muitos dos problemas da violência sexual se manifestam anos mais tarde, especialmente se ocorrem com pessoas muito jovens.

Quando a pessoa entende o que passou, o evento traumático pode se manifestar como dificuldades na construção de vínculos e na própria sexualidade, na forma de disfunções sexuais, e em questões de autoimagem e autoestima.

Mesmo na fase adulta, a violência sexual pode gerar crises de ansiedade, depressão, insônia, anestesia emocional, transtornos alimentares e abuso de álcool e drogas, que se juntam ao medo de gestações indesejadas e de contrair alguma doença.

"É um sofrimento muito grande ter vivenciado um trauma desses em sua vida, uma situação de ameaça à integridade", diz o psiquiatra.

Quando a reação é dissociativa, ou seja, a pessoa tenta "apagar" certos aspectos do trauma da memória, Apolinario afirma que o trauma pode reaparecer na forma de pesadelos, flashbacks, ou ainda de distanciamento em relação à realidade.

"Muitas vezes as pacientes nos diziam no ambulatório: 'quero colocar uma pedra em cima disso', 'não quero falar sobre isso'. Tem até medo de falar e serem julgadas, porque as vítimas muitas vezes são culpabilizadas na nossa sociedade machista e patriarcal, porém as consequências vão aparecendo a longo prazo, tanto na saúde mental quanto na esfera sexual", pondera.

O psiquiatra recomenda que vítimas com quadros dolorosos e crônicos de saúde mental em função de violência sexual busquem ajuda de equipes de saúde multidisciplinar.

 

Fonte: Folhapress

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais