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Acrobata completa uma década com publicações sobre produção artística

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Fotos arquivo Acrobata

Criada em 2013, a revista Acrobata completou dez anos no último mês de junho. As publicações, inicialmente apenas na versão física, circulavam não apenas no Piauí mas em eventos literários por outros estados do país como Balada Literária (SP/PI), Publique-se (PE), Encontro Nacional de Periódicos Literários na  Bienal Internacional do Livro do Ceará (CE), Feira do Livro de São Luís (MA) e Revistaria (SP).

Ao longo desse período do formato impresso, a revista assumia o formatou nove edições, contando com a parceria de artistas visuais (Cícero Manoel, Wagner Setúbal, Kátia Barbosa, Júlio Vieira, Joniel Santos, Hudson Melo, Giuliapex, Gil Duarte, Rogério Narciso e Lysmark Lial) que marcaram o diferencial das publicações, elaborando um estilo conceitual marcante em diálogo com os artigos, entrevistas e poesias que encheram os olhos das leitoras(es) que nos acompanharam até a última edição dessa fase.

Em 2019, a Acrobata ultrapassou os limites físicos de uma revista de 100 páginas e se reinventou em publicações digitais através do site revistaacrobata.com.br. Nessa transição, os textos passaram a ter uma periodicidade quase que diária e conseguindo chegar a leitores de países como Estados Unidos, Portugal, Argentina, Espanha, Irlanda, França, Colômbia e México.

Em entrevista ao Cidadeverde.com, Demetrios Galvão e Aristides Oliveira, criadores e editores da Acrobata, falaram um pouco sobre como foi possível manter esse trabalho de curadoria e publicação ao longo de uma década e quais as metas e desafios da revista para os próximos anos. Confira:

Qual o desafio de manter a Acrobata ao longo desses dez anos?

Aristides – Acredito que fazer parte de uma conjuntura em que a arte e a leitura foi tão desvalorizada no país, onde os artistas e intelectuais viveram por momentos difíceis ao longo desses últimos seis anos foi nosso maior desafio. Com a reestruturação da democracia pós-2016, voltamos a respirar uma fase em que a cultura retorna como pauta prioritária e os assombros do anti-intelectualismo perdeu espaço.

Outro desafio que é importante destacar é o fato da Acrobata ser uma publicação independente, mobilizada por uma teimosia diária em formar leitoras(es) com trabalhos de qualidade, onde estamos sempre atentos na apresentação de artistas e pensadoras(es) com ideias plurais, demarcando suas representatividades no corpo do site. 

Afinal, produzir uma revista que contemple todas as cores e lugares de fala não é fácil, mas muito prazeroso. 

Demetrios – Os desafios são materiais e imateriais, passam pela questão financeira, mas também em manter o ritmo das publicações e dos contatos. Ter energia o suficiente para equalizar o trabalho institucional, as demandas de casa e essa atividade não remunerada, porém, prazerosa que é editar. Na edição de nº 1 da Acrobata o nosso entrevistado, o escritor e editor Sérgio Cohn, nos disse que o cenário artístico no Brasil é feito por “loucos necessários”, pessoas que encaram o desafio de fazer arte a qualquer custo. Imagino que estamos nesse time (kkk). 

Editamos a revista por paixão e vontade de fazer as coisas acontecerem, sentimento que é um misto de prazer estético com atuação política. Uma ideia que brotou no segundo semestre de 2012 deu vida a primeira edição da Acrobata em junho de 2013 com o primeiro lançamento no SALIPI (Salão do Livro do Piauí).

Desse momento em diante seguimos olhando pra frente sempre pensando em como fazer a próxima edição, encarando os desafios da curadoria (parte mais prazerosa), das estratégias de venda e busca por apoiadores para viabilizar a impressão das edições.

É fato que não se faz arte ou se publica neste Estado / País sem dificuldades e todo esforço nesse sentido é sempre de resistência e insistência. Com o tempo nos acostumamos com as dificuldades e entendemos que nosso esforço não se resume a algo pessoal/ individual, não é um ato egoísta, mas uma ação que alimenta leitores, leitoras, autores, autoras, artistas e todo um cenário com o qual a revista dialoga e atravessa.

De todas as publicações, qual você considera a mais marcante?

Demetrios - Difícil ter que escolher, mas posso falar do sentimento inesquecível de ter em mãos a primeira edição, de sentir a materialização de uma ideia / sonho, de um esforço coletivo que nos levou a reunir 18 autores/artistas que admirávamos na nossa nº 1. A edição de nº 9, nossa última impressa, também me proporcionou a alegria de publicar uma edição dentro da eleição de 2018, onde fomos políticos em todos os detalhes da revista e tivemos o cuidado de montar uma peça editorial que fosse um testemunho de época.

Essa edição tem uma capa marcante que resume o sentimento daquele momento e diferente das edições anteriores, traz 4 entrevistas, diferentemente das anteriores que tinham apenas uma entrevista cada. Pra mim, a nossa nº 9 foi a edição mais bem editada em todos os sentidos.

Aristides – Tenho a mesma impressão do Demetrios. Lembro até hoje da alegria em ter nas mãos os pacotes que embalavam a 1ª edição. O que foi uma reunião na minha casa, que flutuava no campo das ideias tornou-se realidade. Passei minha graduação sendo “educado” a acreditar que publicar um livro, revista ou qualquer trabalho impresso era algo quase inacessível, que apenas os nossos professores assumiam esse lugar, mas descobri com a Acrobata que, se você tiver uma boa equipe alinhada com um projeto coeso e que
busque o diferencial, é totalmente viável fazer uma publicação perene e potente.

Como foi a transição do impresso para o digital?

Demetrios – Confesso que foi um misto de dor, por sair do impresso, e ao mesmo tempo, de empolgação com o desafio de encarar uma nova fase, sabendo que não iríamos parar de editar e que o sonho não iria morrer. Penso que conseguimos fazer essa transição com muita competência devido ao suporte, apoio e profissionalismo de amigos parceiros como Nonato Costa e o nosso web designer Junior Marduk. 

Esses caras foram fundamentais para a montagem do site e ingresso nessa nossa nova fase. Em nosso primeiro ano foram mais de 500 publicações e em três anos, quase 400 mil acessos. Recentemente tivemos picos de 15 mil acessos, algo que nunca imaginamos. O site colocou a Acrobata em outro patamar no cenário nacional. Temos leitores em todos os Estados do Brasil e acessos em praticamente todo o planeta.

Aristides – Essa transição foi importante por questões práticas. A versão impressa era limitada a 500 cópias e sua distribuição era complicada, pois não tínhamos estrutura de logística para fazer circular pelo país com agilidade. A gente participava de vários eventos pelo Brasil divulgando a revista, mas a campanha de divulgação precisava ser maior, porque trabalhar com publicação independente exige um esforço redobrado para fazer sua “marca” ter visibilidade.

Com a proposta de uma revista eletrônica, saímos de uma periodicidade de publicações semestrais para um fluxo diário | semanal. Uma avalanche de nomes que não tinham como entrar na revista impressa por limitação de espaço físico ganhou espaço no site, ampliando o número de parcerias e projetos.

Com o apoio do Júnior e Nonato, nosso espaço de atuação tornou-se infinito, sem falar que o modelo atual leva nosso trabalho para muitos lugares que provavelmente não irei conhecer, como a Ilha de Seychelles. Onde que eu ia imaginar que a Acrobata tem público num arquipélago situado no Oceano Índico ou na Irlanda?!

Como foi esse contato com colaboradores de outros estados? De que forma isso enriquece o trabalho da Acrobata?

Demetrios – A revista nasceu da necessidade de se comunicar com o fora, com outras pessoas, outros espaços culturais. Esse foi um dos pontos de partida. Sempre pensamos a Acrobata como uma publicação brasileira editada no Piauí, nunca caímos no discurso regionalista. Por isso, as colaborações com autores(as) e artistas de outros lugares (Brasil / mundo) é o que nos fez o que somos e que nos dá força para seguir adiante.

Aristides – Muita gente ainda não sabe o potencial que a internet tem para estar em todos os lugares. Eu e Demetrios somos do tempo das cartas. Aprendi com ele no final dos anos 90 que é totalmente possível estar conectado ao mundo sem sair de casa. 

De tanto ver o Demetrios trocando cartas com poetas pelo Brasil, adotei a mesma prática no início dos anos 2000 para trocar filmes, numa época que nem se pensava no streaming.

Então, já temos o hábito de manter conexões, seja de maneira analógica ou digital. Confesso que não foi difícil trabalhar nessas articulações além-Piauí, porque éramos habituados a fazer contatos e viajar para congressos acadêmicos, conhecer pessoas e fazer intercâmbio de ideias há bastante tempo.

E dessa forma, eu morando em Floriano (PI) e Demetrios em Timon (MA), a Acrobata é editada numa região que carrega o estereótipo de “periférica”, mas que para nós, nunca impediu de produzir um trabalho artrópode, que estende seus membros para o mundo, sem o vitimismo clichê de que estamos afastados dos “grandes centros culturais”.

Como foi desenvolver os projetos Atlas Lírico da América Latina e Vozes Punk? Há previsão de novos projetos semelhantes?

Demetrios – O Atlas Lírico surgiu em 2020, em plena pandemia, algo pensado dentro de um contexto de clausura. Mas, buscando romper o enclausuramento. O Atlas é um projeto em parceria com o poeta, ensaísta, editor e tradutor Floriano Martins. No qual, o trabalho de tradução e curadoria é dele e recentemente a poeta e tradutora Elys Regina Zils passou a integrar o projeto.

O Atlas tem seu foco na poesia produzida nos países de língua hispânica do continente americano, com o intuito de trazer para os leitores e leitoras do Brasil o que tem sido produzido nos países vizinhos. Então, funciona da seguinte forma: fazemos as publicações por rodada/ temporada, cada uma delas contempla 19 países e 3 poetas de cada, totalizando 57 poetas por atualização.

Nesse momento estamos finalizando a 5ª rodada, chegando a um total aproximado de 285 poetas latino-americanos traduzidos e publicados no site. Chamo a atenção para poetas de países como Nicarágua, El Salvador, Honduras, Panamá, Porto Rico, República Dominicana, Equador, do qual conhecemos bem pouco a suas produções literárias.

Aristides – Desenvolver o Vozes do Punk foi muito bom porque migrei da condição de fã e entusiasta do punk rock piauiense para pesquisador. O projeto começou em julho de 2019 e será concluído no início do segundo semestre desse ano, com a publicação de um livro que conta a história dessa movimentação musical que ganhou força em Teresina em 1988 e acompanha os desdobramentos nos dias atuais.

Acabamos de fechar com a DJ Grazi Flores (SP), criadora do Lacuna Tropical, um projeto que me alegra muito. Fizemos uma parceria que irá compartilhar a cena da música eletrônica underground brasileira, através de discotecagens e set lists que tocam nas pistas. Desse modo, nossa leitora(or) poderá curtir o que há de melhor do gênero em casa. Montamos uma programação no site que vai de junho até setembro deste ano, todas as quintas.

Quais os planos e objetivos para os próximos anos?

Aristides – A Acrobata já faz parte do meu cotidiano. Eu não sei como seria minha vida profissional sem pensar nesse projeto, que nos atravessa por 10 anos, todos os dias, sem feriado ou descanso. O futuro da Acrobata é manter a rotina de publicar, ampliar parcerias e comemorar todos os anos cada passo que levar nosso conteúdo para o maior número de pessoas.

Demetrios – O plano principal é não parar. Creio que temos fôlego para mais 10 anos (kk). No nosso horizonte existe a expectativa de uma edição impressa, vamos concorrer aos novos editais de cultura para tentar viabilizar a nossa nº 10.


Breno Moreno
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