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Revitalização do Centro passa por reocupação, avaliam especialistas

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Foto: Renato Andrade / Cidadeverde.com

Muito se fala em revitalização do Centro de Teresina, mas essa é uma ação que vai além de reorganizar os espaços, passa pela atração de pessoas para fixar residência no Centro de Teresina.

Nesta reportagem, O Cidadeverde.com ouviu o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Piauí, que defende que o retorno de moradores ao Centro de Teresina é a única saída para revitalizar a área.

Também conversamos com a professora Jasmine Malta, especializanda em Patrimônio e Cidades, que explica que a usabilidade do Centro de Teresina precisa além de gente, de segurança.

E ainda, com Luan Rusvell, arquiteto e urbanista, ativista do Movimento Popular pelo Direito à Moradia em Teresina, que pesquisa sobre mobilidade urbana, e se desloca pela cidade sob duas rodas, utilizando uma bicicleta.

Para entender o presente é preciso voltar ao passado

Resgatando um pouco a história da ocupação da capital, relembramos que Teresina nasceu na antiga Vila do Poty, hoje bairro Poty Velho, na zona Norte de Teresina.

"Teresina surge dali, de uma vila de pescadores que foi, praticamente, forçada a sair da Vila do Poty para a chegar a Vila Nova do Poty, ali na Igreja do Amparo. É tanto que surge até a lenda urbana da Santa que caminhava, que saia do Poty Velho e para a igreja do Amparo, que era a maneira de fazer com que as pessoas fizessem o mesmo caminho", explica Jasmine Malta.

Tendo sua sede administrativa transferida, junto com ela vieram as pessoas, que necessitavam estar mais perto da gestão da Cidade. E assim, o Centro de Teresina começou a ser ocupado por residência, em grande parte de pessoas de alto poder aquisitivo e que detinham cargos na gestão pública.

"O mercado vive da oportunidade e a oportunidade é criada pela necessidade [do público consumidor]", Wellington Camarço, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Piauí.

Abre-se, então, a oportunidade para o comércio. E quanto maior era a necessidade das pessoas se tornava crescente, também, a necessidade do comércio por espaços para abertura de lojas e criação de depósitos.

"O centro sofreu uma atividade predatória do próprio comércio, que expulsou os moradores. Todo pedacinho de chão era interessante para o comércio", ressalta Wellington Camarço.

Parafraseando o filósofo Thomas Hobbes que disse que "O homem é o lobo do homem", as fontes ouvidas pelo cidadeverde.com foram unânimes em afirmar que o comércio foi o lobo do próprio comércio.

Esvaziamento do Centro: um processo natural

Foto: Renato Andrade / Cidadeverde.com

Segundo Wellington Camarço, o esvaziamento dos centros urbanos aconteceu em praticamente todas as cidades, nas grandes e nas pequenas.

O arquiteto é enfático ao revelar que onde ainda não aconteceu é porque ainda vai acontecer.

E neste sentido, os gestores públicos podem ter, ainda, a oportunidade de fazer algo para evitar esse processo de declínio do Centro comercial de seus municípios e suas consequências.

"Isso se dá quando o comércio ataca demais as residências, pois precisa destes espaços para comercializar produtos e serviços. Então o próprio crescimento do comércio prejudica o comércio. E essa atividade predatória acontece em Teresina, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em qualquer pequena cidade", explica o presidente do CAU.

No caso de Teresina, em especial, outro fator também contribuiu para que a área comercial do Centro da Capital entrasse em declínio.

"Precisamos resgatar a política habitacional do prefeito Wall Ferraz. Parece até um crime falar mal da gestão Wall Ferraz, mas ela foi baseada na política habitacional do Programa Vila Bairro", diz Wellington Camarço.

Segundo o presidente do CAU, essa política habitacional era baseada na atração de pessoas do interior do estado para fixar residência na Capital.

"A prefeitura mostrava e orientava onde elas tinham que ocupar, sempre ampliando o território da cidade. As pessoas faziam as ocupações e a Prefeitura entrava com o Vila Bairro. Vila é o mesmo que favela, mas aqui na nossa cultura não usamos o termo favela. Essa prática causou um prejuízo enorme que foi a ampliação do perímetro urbano de Teresina", relembra Camarço.

A professora Jasmine Malta, especialista em Patrimônio Urbano, também, fala sobre esse aumento, desenfreado do perímetro urbano de Teresina, que hoje está em cerca de 40 quilômetros, quando são consideradas as últimas habitações mas zonas Norte e Sul de Teresina.

"O perímetro urbano de Teresina, é hoje maior que o perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro. E isso é inconcebível para uma capital considerada ainda jovem", explica a professora.

Esse crescimento desordenado do perímetro urbano afastou as pessoas do Centro, seja pela distância, seja pela dificuldade de transpor esse obstáculo.

"Esse crescimento afastado do Centro obrigou os gestores públicos a investir em políticas públicas para levar serviços para os bairros mais distantes. Serviços como escolas, farmácias, supermercado e o próprio comércio. Isso criou novos centros comerciais nos bairros afastados, para atender as pessoas que estavam distantes do Centro", explica Wellington.

Segundo Wellington essa política de "espalhamento da cidade" passou por uma política de perpetuação da gestão do PSDB no comando da Prefeitura de Teresina.

"O projeto Vila Bairro era uma política que incentivava o crescimento da cidade. O prefeito precisava ter a população na mão para se perpetuar no poder. O PSDB se perpetuou no poder por essa política, de dar e receber em troca. Eu te dou uma casa em Teresina e, daqui para frente, você vota no meu partido. Não se trata de uma contrato lavrado, mas é natural que as pessoas se tornassem gratas", assevera Wellington Camarço.

Para o presidente do CAU, a Capital piauiense foi pensada para ser o que é hoje, mas somente agora é que se percebe que as escolhas do passado tiveram sérias consequências.

"Teresina foi pensada para ser exatamente isso. Só não se imaginou que as conseqüências de tudo isso. Era tudo muito imediatista. Não era pensado em médio e longo prazo, era pensado somente na próxima eleição. Eu preciso que ocupem áreas dos meus correligionários, para eu pagar os apoios recebidos. Isso é uma prática política, e não é uma prática criminosa. Não foi pensado nas conseqüências desse tipo de gestão", assevera.

A primeira tentativa de salvar o Centro

A verticalização dos bairros próximos ao Centro, foi a primeira tentativa de manter as pessoas morando, e consumindo, no bairro.

A primeira iniciativa de saneamento da Capital, voltada para o esgotamento sanitário, foi realizada pelo governador Alberto Silva. À época foram contemplados a área Central, próximo ao Pólo de Saúde e o bairro Morada Nova, na zona sul de Teresina.

Em 1998, o então governador Mão Santa, implantou o programa Sanear, na zona Leste de Teresina.

Foto: Ascom / CAU

Segundo Wellington Camarço, o Sanear foi o marco para a verticalização da zona Leste da Capital. E, ainda, uma tentativa de agregar as pessoas próximas a região Central, mantendo assim a hegemonia do comércio local.

Mas esse processo de verticalização teria começado tardiamente em Teresina.

"A cidade ficou quase 150 anos sem edifícios e as pessoas sendo jogadas para lugares afastados. Com a verticalização, as pessoas começaram a ficar próximas umas das outras e próximas do Centro, em bairros como Jóquei e São Cristóvão. O adensamento vertical favoreceu que a cidade pudesse usufruir dos serviços que tivessem perto, logo ali no Centro", enfatiza o arquiteto.

O arquiteto aponta o Plano Diretor de Ordenamento Territorial de Teresina (PDOT), concebido na última gestão do prefeito Firmino Filho, por meio da Lei Complementar nº 5.481, de 20 de dezembro de 2019, funciona com uma segunda tentativa de salvar o Centro de Teresina, e trazer habitações para a região.

Em linhas gerais, o plano incentiva os investidores a construir ao longo das vias já existentes para reduzir os custos de investimento do poder municipal, de levar os serviços até a população.

A professora Jasmine Malta tem ressalvas ao processo de verticalização. Para a professora é preciso preservar o traço original da cidade, com os casarios, com o desenho da circulação de pessoas e, ainda, diminuindo tráfico de veículos, por exemplo.

"Teresina é uma cidade extremamente quente, e estamos fechando o canal de circulação de vento com esse processo da verticalização. Se a gente verticaliza o Centro ele vai ficar mais quente, ainda. Alguns dizem que vai ficar mais sombreado, mas sombreado para quem? Derruba a casa, preserva a fachada, e faz um prédio enorme. E aquele prédio vem com características modernas, com uma vidraçaria azul, de cima até embaixo, mas que 14h ele projeta um calor infernal sobre a avenida. Ai você não tem vegetação, não tem gente e animal que aguente essa temperatura", coloca a professora.

A professora defende que Teresina precisa ainda se organizar em termos de Políticas Públicas e Legislação na questão de preservação do Patrimônio. "Temos o tombamento da fachada. A fachada está tombada, e da fachada para dentro? Posso derrubar e fazer o que quiser", diz a professora.

O arquiteto e urbanista, Luan Rusvell, tem a mesma linha de pensamento de Jasmine Malta e explica que a legislação de Teresina precisa ser ampliada.

"Nós temos uma legislação, que além de não proteger o patrimônio da cidade, ela incentiva que esse patrimônio seja destruído. E esse é o principal motivo do abandono dos imóveis antigos. Em 2015, participei do Movimento Viva Madalena, que ocupou durante 15 dias um casarão no Pólo de Saúde, que estava ameaçado de derrubada para dar lugar ao estacionamento de uma clínica", relembra Luan Rusvell.

Seguindo Luan, a multa paga por conta da derrubada de um casarão é irrisória quando comparada ao lucro que o terreno vazio traz para o proprietário.

Quem nasceu primeiro: o declínio do Centro ou o caos no transporte público?

"Nos vivemos um caos com o transporte público pela morte do Centro e não o inverso", defende o arquiteto Wellington Camarço.

Que exemplifica.

"Eu tenho uma casa no Nova Teresina e preciso comprar meia dúzia de ovos. Eu poderia ter o melhor metrô, que me levasse ao Centro da Cidade, que ainda assim não compensa ir até o Centro, pela passagem e pelo tempo de ida e vinda, nesta viagem. Então eu vou na budega do Sr. João, que fica aqui no bairro. Com o tempo, o Sr João vai ampliando a oferta de produtos e fidelizando os clientes. O mercado vive da oportunidade e a oportunidade é criada pela necessidade", explica Camarço.

Neste sentido, Camarço explica que sem tempo e sem opções de transporte as pessoas começam a resolver suas demandas perto de suas residências, em deslocamentos a pé, de bicicleta ou por meio de veículos automotores.

"As coisas começam a girar naquele lugar, independente da mobilidade urbana. Em tudo que vamos fazer procuramos reduzir esforços. Isso é natural do ser humano.

O transporte público sofreu com isso. As pessoas já não precisavam tanto ir ao Centro.

Não foi o transporte público que criou o caos no Centro, o caos do centro destruiu o transporte público. Um ônibus que vai ao Centro transportando 50 passageiros, não paga o custo da operação", explica o presidente do CAU.

Para o arquiteto Luan Rusvell, o poder público precisa fazer seu papel e investir em políticas publicas de mobilidade sustentável.

"Nos últimos seis anos foram investidos R$ 6 milhões em ciclovias. E isso é muito pouco. É preciso investir mais em ciclovias, calçadas e outros modais e menos em infraestrutura para veículos automotores. Se isso não acontecer, as pessoas não vão se dispor a usar um modal, que hoje, não tem infra-estrutura para ser utilizado", explica Luan Rusvell.

O declínio do setor de serviços no Centro de Teresina

Wellington Camarço explica que o setor de serviços foi o último a deixar o Centro de Teresina. O arquiteto cita o caso de escolas públicas, cartórios e agências bancária para ilustrar esse movimento.

Segundo o arquiteto, o setor de Cartório era um dos que levava muitas pessoas ao Centro, todos os dias. Mas foram obrigados, por lei, a levar filiais e regionais para outros bairros da Cidade.

"Os bancos foram em busca de sua sobrevivência. Os cartórios foram obrigados a deixar o Centro e criar filiais e regionais", explica.

O arquiteto também acompanhou o fechamento de grandes escolas públicas.

"Eu acompanhei de perto a morte das escolas públicas do Centro. Eu morava perto da escola Paulo Ferraz. A unidade fechou e, hoje, lá funciona um grande ginásio. Todas as escolas públicas estão fechando por falta de alunos", explica Camarço.

E como salvar o Centro de Teresina?

As fontes ouvidas pelo cidadeverde.com são enfáticas em dizer que somente o retorno de moradores ao Centro de Teresina é que pode dar nova vida ao Comércio da área.

"A tendência do ser humano é facilitar sua vida. Se estou distante 15 km do Centro eu preciso comprar uma agulha e uma linha, não tem lógica ir na Casa das Linhas, lá no Centro, resolvo minha demanda no armarinho do bairro", diz Camarço.

"O comércio de bairro está super forte, não é só o Shopping, é o comércio de bairro mesmo. Eu consigo encontrar todas as coisas, do material de construção ao aviamento. O comércio de bairro local se fortaleceu bastante. Andamos pelo Centro a rua está linda, está maravilhosa, mas você ver um quarteirão inteiro de espaços fechados, ou está para alugar ou está para vender. Não tem o básico. É preciso iluminação e segurança", assevera a desing de interiores Jasmine Malta.

Um processo de revitalização passaria, portanto, por um reordenamento da área. Um plano que pudesse definir que áreas serão ocupadas pelas residências e quais serão destinadas aos setores de comércio e serviços.

"A revitalização passa pela presença do ser humano. Não são calçadas largas que vão trazer o ser humano para o Centro. Esse trabalho de obras que estão sendo feitas no Centro não é revitalização de Centro, é embelezamento. Isso teria que ser feito numa etapa posterior, após a volta das pessoas para fixar moradias no Centro", analisa Camarço.

O arquiteto Luan Rusvellver um outro problema no processo de revitalização proposto para Teresina. Segundo o arquiteto ele tem como protagonista as lideranças do setor comercial, mas o arquiteto acredita que as pessoas que precisam de moradia popular, as pessoas que vão comprar e trabalhar no Centro, precisam fazer parte desta discussão.

Foto: Renato Andrade / Cidadeverde.com

"São as pessoas que vão morar que precisam participar da discussão, também. Essa não pode ser uma discussão unilateral", explica o arquiteto.

A proposta de repovoamento do Centro, defendida pelo arquiteto, parte da habitação de prédio abandonados no Centro de Teresina. "A proposta é que esse prédios históricos sirvam como moradia para pessoas de baixa renda e vulnerabilidade possam morar no centro e ter acesso às facilidades do local. Claro que sabemos que esses prédios não tem a infraestrutura necessário, mas o movimento serve para pressionar o poder público para ofertar essa infra-estrutura, para que ele se torne um prédio habitacional", reflete Luan Rusvell.

Wellington Camarço aponta o Incentivo Fiscal como uma das saídas para atrair moradores para o Centro de Teresina.

"A saída é o incentivo. Incentivar as empresas, a construção civil, a ocupar o Centro. Para as construtora é bem mais barato construir no Centro, porque ele já dispõe de toda a infra-estrutura de água, esgoto, energia elétrica e telefonia", analisa Camarço.

A mesma saída também foi apontada pela professor Jasmine Malta, no que tange a manutenção do patrimônio histórico existente no Centro de Teresina.

"É preciso criar atrativos para trazer novos moradores para o Centro. Os proprietários das edificações tombadas precisam receber algum tipo de incentivo, seja desconto no IPTU ou outros benefícios, para manter a estrutura que herdaram", explica.

O valor alto do metro quatro do Centro de Teresina também é um empecilho, explica a professor Jasmine Malta. "Mas isso, também, pode ser alvo de uma legislação específica. A ponto de que se possa promover a atração de moradores para o Centro", diz a especialista.

Para a professora, Teresina conta com uma vantagem, em relação a outros Centros Históricos, como o de São Luís, por exemplo.

"Temos áreas vocacionadas em Teresina. A região da Praça Pedro II é dedicada à cultura. A praça Rio Branco, a serviços. E cada uma das outras áreas pode ser vocacionada para uma demanda da população, promovendo assim a volta dos frequentadores", enfatiza Jasmine Malta.

A segurança do Centro é um ponto chave

A questão da [falta de] segurança no Centro de Teresina vem há muito sendo alvo de denúncias e projetos que tentam reverter a situação.

Marginalizado, o Centro de Teresina se tornou o espaço ideal para o crescimento da população de rua da Capital.

Os prédios fechados tornaram-se os abrigos ideais para quem busca um teto.

Para o arquiteto Luan Rusvell, a questão da segurança passa primeiro pela habitação do local.

"Tínhamos há um tempo atrás famílias morando no Centro, quando pessoas habitam um local ele se torna um local vivo. Quando as pessoas esvaziam esse local se torna inseguro, perigoso, os imóveis são desvalorizados", explica o arquiteto.

A professora Jasmine Malta faz uma pontuação importante neste sentido.

"O que está se desenhando aqui é o que acontece em São Paulo, por exemplo, com a cracolândia", assevera.

A questão da melhora da oferta de Segurança no Centro de Teresina foi um dos pontos chaves da entrevista concedida ao cidadeverde.com.

"As ruas estão todas bonitas, passaram por uma revitalização, existem espaços para o pedestre sentar, descansar, mas não existe segurança. As lojas estão fechando antes do sol se pôr, por medo da violência. Sem segurança não tem como atrair pessoas para o Centro", explica a professora.

A professora também pontuou sobre a melhorias das ruas do Centro da Cidade para tornar a cidade acessível aos pedestres.

"A revitalização do Centro, que a gente tem visto, de retirar a calçada, de promover um diálogo com o pedestre. Esteticamente está muito bonito, está muito atrativo. Mas quem pode usufruir deles sem segurança?", questionar a professora.

Jasmine faz um trabalho com estudantes, de várias idades, e outros públicos de visitação do Centro Histórico de Teresina. "Hoje o bairro Centro está mais ampliado. Vai até a Ponte Juscelino Kubitschek. O projeto Pediculé leva pessoas até o Centro para que elas tenham memórias desta área da cidade. As crianças menores, por exemplo, só conhecem a cidade de passagem, elas não param, não descem dos veículos e não tem memórias com essa área da cidade", explica a professora.


Adriana Magalhães
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