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Arte e humor ajudam trabalhadores de ônibus a combater estresse e realizar sonhos

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Trânsito, engarrafamento, sol, fumaça, barulho. O dia-a-dia de quem trabalha com os ônibus urbanos pode ser bastante estressante e é pensando nisso que funcionários e empresas dos coletivos acabam criando alternativas para trazer mais leveza à sua rotina. O humor, a música e o teatro são algumas destas formas de exorcizar a tensão, cultivar o alto astral e realizar, mesmo que momentaneamente, o sonho dos trabalhadores.


Um grande exemplo disso é um grupo de teatro que se forma todos os anos na empresa Transcol. Funcionários de diversos setores se unem para montar peças e virarem artistas por um dia. Em 2010, o espetáculo encenado foi uma versão humorística de Romeu e Julieta. Os cobradores Ricardo Silva e Anderson Silva, o motorista Barradas, a recepcionista Eleni Campelo e a técnica do setor de Recursos Humanos, Cláudia da Silva Cruz se transformaram em personagens debochados do clássico shakespeariano.

Arquivo Pessoal

O cobrador Anderson encarna Julieta e o motorista Barradas é o narrador.


Ricardo é Romeu e encontra sua amada desfalecida.



Se você pensou que uma das meninas viveu a jovem da família Capuleto, se enganou. O papel principal coube a Anderson Silva, 25 anos, que diz ter aceitado prontamente. "Eu sempre tive um bom relacionamento com todos meus colegas; sempre fui 'apresentado' e brincalhão. Então quando foram fazer a peça, a primeira pessoa que eles pensaram fui eu e eu disse que só faria se eu fosse a Julieta", relembra, bem-humorado.




Romeu pensa que Julieta estava morta e toma veneno.
Ela desperta, se desespera e também morre em seguida.



A peça foi apresentada no Sipatrans



Anderson trabalha há 8 anos na Transcol e conta que sempre gostou de atuar, algo que faz desde os 12 anos. Para ele subir aos palcos e fazer humor é como realizar um sonho. "Eu já pensei em seguir carreira, mas faltou oportunidade", confessa.

Thiago Amaral/CidadeVerde.com

Cláudia, mãe de Julieta, Anderson e Eleni, mãe de Romeu:
teatro aproximou funcionários.


Mesmo sem ter elenco fixo, o grupo já se apresentou na festa de final de ano da empresa e no Rio Poty Hotel durante a Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho nas Empresas de Transporte (Sipatrans). "Este tipo de atividade melhora muito o relacionamento e dá motivação em todo mundo", descreve Cláudia, que viveu a mãe de Romeu. Segundo Eleni, o grupo já tem em vista um novo projeto. "Vamos criar uma nova peça, uma comédia dentro do ônibus", diz.


Humor coletivo
Quem já faz comédia todos os dias dentro do ônibus é o motorista Helton Aguiar Santos, 35 anos, que trabalha há 8 anos na empresa Santana. Ele disse que sempre “tira onda” em suas viagens para esquecer o estresse provocado pela profissão. Deu tão certo, que ele e um outro colega, Luís Alberto, formaram uma dupla de humoristas. Os dois já foram chamados para se apresentar na Sipatrans onde conseguiram visibilidade e foram chamados até para um evento internacional.

Arquivo Pessoal

Helton e Luis Alberto durante o Sipatrans



“Todo mundo ria das piadas que o Luís Alberto e eu contávamos na garagem, aí a dona Aguinela (funcionária do departamento pessoal da empresa) nos inscreveu no concurso de talentos que teve no Sipatrans e pra nossa sorte, conseguimos convencer a todos e ganhamos. Fomos convidados para participar do Salão Internacional do Humor, o que foi muito bom”, relembra, mas não levaram para frente, por falta de apoio. “Os amadores têm que se lapidar. O sistema gosta, porém na hora de apoiar ninguém se manifesta”, lamenta.



A dupla foi a grande vencedora do concurso de talentos promovido pelo Sipatrans



O repertório das anedotas surgiu naturalmente, com o rico manancial de histórias pitorescas que é o ambiente do ônibus. “Acho que por isso ganhamos o concurso”, argumenta Helton. “Nós usamos os passageiros como exemplos. Cada conversa é um roteiro de piadas”. O motorista disse que por viver cansado por causa do trânsito, precisa de distração. “Vivemos sempre à flor da pele com esse caos no trânsito e sorrir alivia a alma e o coração, serve para distrair, apesar de ser momentâneo”, pontua.


Helton diz que, durante as viagens, quando os ônibus em que os dois motoristas estão se emparelham, sempre ocorre uma provocação. “Sempre que os ônibus se encontram no percurso, nós (ele e Luis Alberto) abrimos o vidro e brincamos um com o outro. Eu digo: 'Vai-te embora!', ele responde: 'O que tu faz por aqui? Sai de perto, num sei porquê eu gosto de ti?!'”, relembra sorrindo.


O ritmo no ponto
A cultura aflora nos trabalhadores dos ônibus também quando eles não estão percorrendo as ruas nos coletivos. Após a jornada semanal no emprego, os momentos de lazer no futebol renderam grandes revelações na empresa Dois Irmãos. Mas não foi dentro de campo.


“A reunião dos funcionários geralmente acontece nos jogos de futebol. Um grupo não gostava de jogar, mas ia para assistir às partidas. Para não perder a interação começamos a improvisar um samba”, descreve o Cleiton Araújo, encarregado do setor de treinamento e desenvolvimento da empresa. Com o passar do tempo, os músicos amadores foram se aperfeiçoando na batucada e as cadeiras, mesas e caixas de fósforo não eram mais suficientes para produzir o pagode que eles queriam.


Arquivo Pessoal

Cleiton Araújo o incentivador que virou "empresário" do grupo


Foi aí que Cleiton entrou em ação. Comprou os instrumentos profissionais, buscou outros amigos na empresa e fez a história do Inimigos do Ritmo começar, em outubro de 2010. Os cobradores e motoristas saíam dos ônibus e se uniam para fazer seu som. Atualmente, Marcelo conduz o tam-tam, Samu e Anderson levam o pandeiro, Marcos toca o cavaco, com Cleiton “Shrek” e  Hildegard “Mick Jagger” nos vocais.


Aos poucos, o grupo foi tomando um ar mais profissional e além de se apresentar na festa da empresa começou a dar canjas em aniversários de familiares. “Depois da banda houve uma integração maior. Gente que nem se conhecia na empresa passou a interagir. As famílias hoje saem juntas, nos tornamos parceiros”, declara Cleiton Araújo, exemplificando como a arte é capaz de amenizar a dura rotina de trabalho e melhorar, como um todo, a vida dos funcionários das empresas de transporte coletivo de Teresina.


Carlos Lustosa Filho e Caroline Oliveira
[email protected]

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