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Um mês depois, Paris tenta virar página

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PARIS — Milhares de flores, velas, bichos de pelúcia e mensagens do mundo inteiro acumulam-se em volta das grades que cercam a Praça do Bataclan, no Boulevard Voltaire. A larga avenida com o nome do filósofo das luzes, que combateu o fanatismo religioso e tanto brigou pelas liberdades civis, tornou-se um memorial pela morte trágica de 99 jovens no maior ataque terrorista da Europa — em toda a cidade foram 130 vítimas. Na calçada em frente ao teatro, um dos palcos da carnificina de 13 de novembro, tomada por homenagens, uma passagem de pedestres foi improvisada. Há 30 dias o bairro virou destino de romaria sob forte esquema policial. Mas os gestos de solidariedade, que tanto comoveram os parisienses, agora fazem mal, numa sociedade que vive em estado de emergência. Enquanto a população tenta retomar a rotina e esquecer as cenas da barbárie, curiosos e turistas que renovam os estoques de flores e suvenires — e ainda posam para selfies — não os deixam esquecer. “As flores do mal”, como chamou o jornal “Le Monde”, em referência ao livro de Charles Baudelaire, preocupam as autoridades. Ninguém ousa retirá-las.

foto: Vivian Oswald

 

— Atravesso a rua para não passar com a minha filha de 8 anos por ali a caminho da escola — conta Sylvie Gillaud.

A vida na França, e em Paris em especial, mudou. Há uma sensação de cidade sitiada. O estado de emergência foi decretado logo depois dos ataques por 12 dias, e desde 26 de novembro por mais seis meses. Isso quer dizer que prisões e apreensões podem ser feitas sem autorização judicial. Estão proibidas aglomerações e manifestações. A segurança nos aeroportos e nas fronteiras está nos limites do desagradável, os hospitais estão em estado de alerta, assim como vários pontos turísticos e prédios importantes, onde foram afixados cartazes com “Plano VigiPirata: alerta de atentado”.

A cidade hoje é guardada por quase dois mil policiais, que desfilam pelos seus cartões postais com metralhadoras a pé, montados a cavalo ou em uma das dezenas de viaturas em pontos estratégicos. Os museus instalaram aparelhos de raios-x na entrada. Como se não fosse o bastante, pedem para os visitantes abrirem as bolsas na entrada e na saída. Já o comércio deve gastar € 100 milhões a mais este ano com câmeras, detectores de metais e seguranças, um aumento de 50% em relação a 2014.

Outras medidas, como destituição de dupla nacionalidade para o cidadão condenado por terrorismo e ampliação do poder de juízes antiterror chegaram a ser propostas pelo governo. Já a intensificação dos ataques contra o Estado Islâmico na Síria é questionada: muitos acham que ela pode se voltar ainda mais contra o país.

No bairro vizinho, o Café La Bonne Bière também quer virar a página. Outro cenário da violência daquela noite, onde morreram cinco pessoas, o estabelecimento reabriu na semana passada, depois de algumas paredes pintadas e vidros trocados. Mas a tomar pelo falatório da clientela e a música animada, ninguém imaginaria o que se passou ali. No meio da conversa de quase uma hora, o barman Sebastien-Luc finalmente se solta:

— Meu nome é Sebastien-Luc. Muito prazer — conta. — Desculpe, desconfio quando puxam papo comigo. Sabia que o assédio seria grande, mas não imaginava nada assim. Eles não são gentis. Vêm aqui atrás de um pedaço da história que não viveram. Não nos deixam esquecer — desabafa.

Sebastien-Luc convive com flashes das cenas daquela noite. Ele e os outros 24 funcionários do restaurante voltaram a trabalhar. Um alívio, segundo o barman, porque é a tentativa de reconstruir a vida, de ocupar a cabeça com outras imagens.

— Havia 19 nacionalidades diferentes aqui. Não tinham um alvo. Não foi uma embaixada, um prédio público. Foi um restaurante qualquer num bairro popular. Nada justifica o que aconteceu — diz.

As escolas também mergulharam em um grande debate. Este ano, a comemoração do dia da laicidade, 9 de dezembro, ganhou novos contornos. O Ministério da Educação distribuiu aos professores panfletos para explicar como tratar o tema. Mas, nas cidades da França, divididas, não é fácil ensinar o conceito. Para muitos alunos muçulmanos, a proibição do véu é opressão. O problema agora é como mostrar que o Estado é laico, mas os espaços públicos têm a liberdade de expressar a religião e crenças que quiserem.

Como muitos franceses, o barman afirma que o processo de integração na França está errado e se pergunta como é possível pessoas nascidas no país se sentirem tão desenraizadas. Sebastien não votou no primeiro turno das eleições, mas lamenta o avanço do partido de extrema-direita. Diz que as pessoas não entenderam nada e estão insistindo nos mesmos erros.

Fonte: O Globo

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