Cidadeverde.com

MP entra com ação contra apostila médica que erotiza mulheres

Imprimir

Foto: reprodução

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) entrou com ação civil pública contra responsáveis por um curso online de residência médica que utilizam como material didático uma apostila que contém, segundo os promotores, ilustrações reponsáveis por causar constrangimento e distorcer a imagem das mulheres.

De acordo com a ação, ajuizada na quinta-feira (4), o MP informa que há ofensa à ética médica e até racismo ao apresentar mulheres de forma depreciativa em exemplos de tratamento contra doenças sexualmente transmissíveis.

As apurações do MP duraram dois anos. Em 2016, estudantes da Bahia fizeram representações contra os editores e os responsáveis pelo curso RMed Cursos Médicos por aplicar aulas utilizando o caderno "Hypothesis - Diagnóstico diferencial - síndrome de transmissão sexual".

O caso foi levado ao Ministério da Justiça e ao Ministério Público Federal, em Salvador. Apesar de um curso online com extensão em todo país, a história foi enviada ao MP-RJ pelo fato de a sede do curso ficar na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

Três casos revoltaram os estudantes de residência e são os principais alvos da ação dos cinco promotores que assinam a ação. A apostila desenvolve uma história e depois pede ao aluno que indique qual o tratamento adequado para o problema.

De acordo com os alunos, os enunciados ligado às "ilustrações depreciam, objetificam, erotizam e violentam as mulheres".

Caso 1 - Sobre Damila (personagem fictícia), a apostila conta "ser uma pessoa saudável mas com dois problemas: um corrigmento de odor semelhante a peixe podre e o fato de não conseguir 'segurar' nenhum namorado".

Caso 2 - Uma mulher, Michele, simbolizando o diabo, explica que sempre foi "recatada" e se privou das "coisas boas da vida": "desiludida, amargurada e revoltada com o 'chifre' recebido, decidiu dar uma guinada radical em sua vida... há seis meses se diverte em noitadas muito loucas com as amigas da academia de ginástica, teve alguns encontros mas só quer se divertir. Há três meses foi levada a uma casa de swing, que passou a frequentar assiduamente".

Caso 3 - Apresenta Joelma, vestida como destaque de escola de samba. "Charmosa e de muitos atributos e sempre disputada pelos gringos. Procura atendimento ginecológico referindo o surgimento de vários machucados na genitália".

Ao fim de cada pequena história, se questiona ao aluno qual deve ser o atendimento médico para os problemas de saúde que surgem nas pacientes envolvidas nestas histórias.

Foto: reprodução

"As questões apresentadas de mulher que não consegue 'segurar namorado', nem se casar por possuir corrimento fétido com cheiro de peixe 'podre' e que teme ficar 'para titia', de mulher profissional, recatada e do lar, que se transforma em uma ninfomaníaca, de feroz apetite sexual; e mulata passista disputada por gringos; falam por si", escrevem os promotores, que complementam:

"Seu conteúdo ofensivo e estereotipado revela total desrespeito pelas pacientes mulheres. Afinal, as mulheres apresentadas nas questões do material didático são as próprias pacientes são representadas em histórias erotizadas. Os autores valem-se de clichês depreciativos do gênero feminino, que reproduzem visões antiquadas da mulher na sociedade", destaca o documento apresentado à Justiça.

Os cinco promotores que assinam a ação entendem ainda que os responsáveis pelo material didático "não são comediantes, artistas ou ensaístas", mas oferecem material para "médicos e professores de Medicina em que condutas devem ser pautadas pelo código de ética".

"Existe uma linha tênue entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio. Toda ridicularização tem um discurso de ódio explicando uma imagem distorcida da mulher. Isso não reflete uma realidade brasileira, ainda mais em um curso em escala nacional para médicos", explica a promotora Cláudia Türner.

O Ministério Público pede mudança no material didático, além do pagamento de 10 salários mínimos que devem ser revertidos para a unidade materno-infantil da Secretaria de Administração Penitenciária do RJ ou hospitais públicos.

Outro lado
A reportagem não conseguiu contato com os advogados da Mederi Editora e do RMED Cursos, responsáveis pela edição da apostila e da cessão do material de estudo. Ao MP, a defesa dos dois grupos informou que "é contra a agenda do politicamente correto" e que os textos e imagens não representam imagens discriminatórias".

Os representantes da editora alegam que se utilizaram de humor e que o "humor desfruta de proteção constitucional e que não pode se sujeitar à censura e repressão". Ao MP, os advogados da editora da apostila e da direção do curso apresentaram as seguintes informações:

"Inexistência de qualquer caso clínico, imagens e/ou textos lançados no material censurado que pudesse refletir ou representar uma opinião discriminatória da editora ou seus colaboradores com relação a qualquer grupamento de pessoas, raça, etnia, classe social, credo, etc.; que a ilustração caricata de questão de doenças sexualmente transmissíveis não foi direcionada a qualquer sujeito de direito específico. O simples fato de terem sido utilizadas no material (...) ilustrações ou caricaturas diversas (mesmo que de humor ‘pouco refinado’) visando auxiliar na compreensão e fixação dos conceitos densos das patologias indicadas e respectivos sinais e sintomas clínicos, ainda que não agrade a todos indistintamente, por si só, não tem o condão de transformá-las em ato penalmente típico e censurável. Não e não!

As ilustrações são apenas contrárias à agenda do politicamente correto. Os casos retratam exemplos genéricos, concebidos e ventilados de médico pra médico, estando todo o foco concentrado no conteúdo da informação médica; mesmo que para amenizar a densidade do tema e facilitar a sua compreensão e fixação tenham sido utilizadas charges, desenhos ou caricaturas carregadas no humor. E "que se trata de exercício legítimo de direito expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso IX, o qual garante a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Fonte: G1

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais