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Globo de Ouro faz edição chapa-branca e sem apostas ousadas

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Foto: Reprodução/instagram/ladygaga

Bradley Cooper e Lady Gaga durante a premiação

 

A cerimônia do Globo de Ouro, do domingo (6), deveria ganhar a pecha de "GoldenGlobesSoWhite", tamanha foi a consagração da chapa-branquice e de certa "visão branca" da história.

Filmes carregados de tom político, como "Vice", ou que tratam do tema do racismo sem rodeios foram solapados pelos anódinos "Green Book" e "Bohemian Rhapsody".

A premiação sepultou esperanças de que Hollywood havia aderido a obras arrojadas. Ficou claro que a fórmula agridoce está longe do fim - para frustração dos que aguardam uma safra condizente com as turbulências do mundo.

Isso é grave se considerarmos que o Globo de Ouro é a largada da temporada de premiações e acontece no período em que os membros da Academia estão fazendo suas escolhas para o Oscar.

Quatro dos indicados tratavam de questões raciais, a começar por "Pantera Negra", que toma emprestadas as convulsões dos Estados Unidos pós-movimento Black Lives Matter e as embala sob uma produção de super-herói.

"Se a Rua Beale Falasse", de Barry Jenkins, recorre à obra de James Baldwin, um dos pilares do pensamento afro-americano, para falar de discriminação no Harlem. E "Infiltrado na Klan" marca um retorno à boa fase de Spike Lee, aqui traçando ligações diretas entre a organização racista Ku Klux Klan e Donald Trump.

Além desses três, todos dirigidos por negros, havia "Green Book", único dirigido por um diretor branco, Peter Farrelly, e que acabou levando a estatueta em comédia, além das de roteiro e ator coadjuvante (para Mahershala Ali).

A história fala de um sujeito ítalo-americano (Viggo Mortensen) que aceita a tarefa de ser chofer de um jazzista negro (Ali) enquanto eles enfrentam a segregação do sul do país nos anos 1960. É um longa que vê a desigualdade racial sob uma lente cor-de-rosa, como se ela fosse apenas uma chaga praticada por brancos malvados, e não a enfermidade estrutural que de fato é.

"Green Book" sofre de alguns dos mesmos males que "A Forma da Água", vencedor do Oscar do ano passado. Há ali um excesso de bom-mocismo, uma opção pelo tom conciliatório que, em última análise, serve mais para manter o status quo do que para induzir a mudanças sociais. O longa de Farrelly é quase um "revival" de "Conduzindo Miss Daisy", outro título algo delirante e com mensagem motivacional sobre um tema complexo como o racismo.

Ao consagrar "Green Book", a associação de imprensa estrangeira de Hollywood, que concede o Globo de Ouro, tomou uma decisão conservadora, para dizer o mínimo. Enviou a mensagem de que é contrária ao racismo, mas o fez optando pela obra menos ousada e a que menos ameaça o estado das coisas. Escolheu a visão branca sobre o racismo.

Na categoria de melhor drama, "Pantera Negra", "Se a Rua Beale Falasse" e "Infiltrado na Klan" foram suplantados por "Bohemian Rhapsody", a cinebiografia quadradona que conta a trajetória da banda Queen. O longa desbancou ainda "Nasce uma Estrela", o grande favorito da noite, que acabou ficando restrito ao prêmio de canção original.

Com duas estatuetas - a outra foi a de ator de drama para Rami Malek no papel de Freddie Mercury -, foi a surpresa da noite e coroou a alta do filão de longas sobre músicos. Há que se apontar que é um gênero que padece por trazer uma visão enviesada da história. A trama de "Bohemian Rhapsody" se esforça para não enfurecer ninguém, para não extrapolar nas cenas sobre os casos gays de Mercury ou para retratá-lo de forma nuançada. É uma versão "Sessão da Tarde", despida de riscos.

Sintomático que os integrantes do Queen - e fiadores do projeto - tenham subido ao palco com a vitória. O rock merecia um tratamento bem melhor nos cinemas.

Nas indicações e premiações direcionadas à TV e às plataformas de streaming, a questão racial perdeu terreno, embora tenha sido o ponto principal no discurso de Sandra Oh quando a atriz subiu ao palco para receber o troféu por seu desempenho na série dramática "Killing Eve" (da BBC, exibida no Brasil pela GloboPlay).

Oh acabou sendo destacada pela imprensa americana como a única atriz de origem asiática que recebeu o Globo de Ouro duas vezes, e seu discurso correu nesta direção. Sua primeira vitória aconteceu em 2006, por um papel de apoio em "Grey's Anatomy".

Também era indicado Donald Glover, da série "Atlanta", comédia sobre racismo, violência sistêmica, a cultura que abarca o rap, a vida em condomínios populares, lanchonetes e clubes noturnos.

Mas ele já havia ganhado o prêmio na edição do ano passado, e neste quem saiu na frente foi Michael Douglas, pela atuação em "O Método Kominsky" (Netflix). O que chama atenção nesta escolha são os comentários da série sobre a crueldade do mercado no cenário da indústria cinematográfica em que Douglas se destacou nos anos 1980 e 1990.

Seu personagem é um "loser" de perfil bastante familiar aos artistas de Los Angeles. Ele foi esquecido pelos estúdios e, para ganhar a vida, passa a dar aulas de atuação. Endividado e com crises familiares, será amparado por um outro velho amigo, ricaço interpretado por Alan Arkin - que rouba a cena na série e concorreu como coadjuvante.

Outra surpresa: a minissérie "American Crime Story: o Assassinato de Gianni Versace" (FX) desbancou a celebrada "Objetos Cortantes" (HBO) e foi destaque na cerimônia.

A produção conta a história do rapaz que, em 1997, matou um dos estilistas mais famosos do mundo. O criminoso era um serial killer que idolatrava Versace e o cenário de drogas, música eletrônica e fashionismo da cultura gay dos anos 1990 nos EUA.

Darren Criss, que faz o personagem, foi escolhido melhor ator em minissérie - e aqui houve o reconhecimento de uma composição ousada.

Veja a lista completa dos vencedores:

CINEMA
Melhor filme - Drama
"Bohemian Rhapsody"

Melhor Filme - Musical ou comédia
"Green Book: O Guia" (Venceu)

Melhor atriz de filme - Drama
Glenn Close ("A Esposa")

Melhor ator de filme - Drama
Rami Malek ("Bohemian Rhapsody")

Melhor atriz em filme - Musical ou comédia
Olivia Colman ("A Favorita")

Melhor ator em filme - Musical ou Comédia
Christian Bale ("Vice")

Melhor diretor
Alfonso Cuarón ("Roma")

Melhor atriz coadjuvante
Regina King ("Se a Rua Beale Falasse")

Melhor ator coadjuvante
Mahershala Ali ("Green Book: O Guia")

Melhor roteiro
Peter Farrelly, Nick Vallelonga e Brian Currie ("Green Book: O Guia")

Melhor filme em língua estrangeira
"Roma" (México)

Melhor animação
"Homem-Aranha no Aranhaverso"

Melhor trilha original para filmes
Justin Hurwitz ("O Primeiro Homem")

Melhor música para filmes
"Shallow", de "Nasce uma Estrela"

TELEVISÃO
Melhor série - Drama
"The Americans"

Melhor série - Musical ou comédia
"O Método Kominsky"

Melhor série limitada ou filme para TV
"O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story"

Melhor ator em série - Musical ou comédia
Michael Douglas ("O Método Kominsky")

Melhor atriz em série - Musical ou comédia
Rachel Broshnahan ("Maravilhosa Sra. Maisel")

Melhor atriz em série - drama
Sandra Oh ("Killing Eve")

Melhor ator em série - Drama
Richard Madden ("Bodyguard")

Melhor ator em série limitada ou filme para TV
Darren Criss ("O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story")

Melhor atriz em série limitada ou filme para TV
Patricia Arquette ("Escape at Dannemora")

Melhor ator coadjuvante em série, série limitada ou filme para TV
Ben Whishaw ("A Very English Scandal")

Melhor atriz coadjuvante em série, série limitada ou filme para TV
Patricia Clarkson ("Objetos Cortantes")

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