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Veja trajetória de João Claudino e suas lições de empreendedorismo

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O empresário João Claudino Fernandes morreu nesta sexta-feira(24), aos 89 anos, vítima de complicações de um câncer, que já vinha enfrentando. Como empresário, ele sempre foi uma pessoa muita ativa nos empreendimentos que fundou e sempre com uma visão muito abrangente do comércio como um todo.  

Em março de 2016, o empresário concedeu uma entrevista à Revista Cidade Verde, onde revelou os dez passos que asseguraram o sucesso dos seus negócios. Na época da entrevista, o Brasil estava no meio de uma crise econômica e além de falar como tudo começou, ele destacou como enfrentar crises. Desde a seca, ainda no início de tudo, até as crises econômicas pelas quais passou.  

Confira a reportagem completa que foi capa da edição 133: 

Ele tem apenas o primário e começou os negócios com uma pequena “bodega”, em Cajazeiras, cidade do interior da Paraíba. Ali, ainda em 1949, João Claudino Fernandes percebeu que tinha o tal “tino” para o comércio, capacidade que herdou do pai, o seu Joca. Cinco anos depois, vendeu o ponto para se unir a um dos 15 irmãos, Valdecy Claudino, e ao pai. Em 1958, quando a seca chegou à Paraíba, a família previu uma grave crise econômica e decidiu mudar a loja de cidade. E foi em Bacabal, no Maranhão, que começou, de fato, a história de um dos maiores conglomerados de lojas do país. 

A primeira loja do Armazém Paraíba foi aberta no local onde funcionava uma antiga usina de beneficiamento de arroz. Eram 13 funcionários em pouco mais de 200 metros quadrados – uma alternativa que, para os Claudino, era provisória: duraria apenas o período da seca. Mas logo essa ideia de voltar para Cajazeiras foi descartada. A região vivia um ótimo momento para o comércio e as ideias inovadoras dos dois irmãos faziam os negócios avançarem a passos largos, num ritmo acelerado de expansão, inclusive para os estados vizinhos. 

Apesar do sucesso, nem de longe se imaginava que aquela loja era a base de um grupo que hoje engloba 13 empresas, cujo faturamento chegou a R$ 3 bilhões em 2015, segundo a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) – e, somente as vendas do Paraíba, respondem pela metade desse valor. 

Mas qual é o segredo do sucesso? 

Prestes a completar 86 anos, o empresário João Claudino, ou “Seu João”, como gosta de ser chamado, falou abertamente à Revista Cidade Verde sobre os caminhos que percorreu e os desafios que enfrentou desde que abriu sua primeira “bodega”, há 67 anos, até chegar aos dias de hoje, com mais de 280 lojas espalhadas pelo país. 

A conversa tranquila de quem tem experiência no assunto revelou uma lista com os 10 passos para manter os negócios de pé e fazê-los prosperar. 

1.VOCAÇÃO 

“Você tem que ter tino para a atividade que escolheu. E isso serve para tudo na vida. Você tem que ter a certeza do que quer e gostar do trabalho. Se você não gosta, não adianta, porque o trabalho vira sofrimento. Mas se gosta, aí nem parece trabalho, é lazer. Quando eu montei minha primeira bodega, eu percebi que tinha jeito para aquilo e que gostava”. 

2.DEDICAÇÃO 

“Isso vem naturalmente quando você gosta do que faz. Quando saímos da Paraíba, ainda não éramos vistos na sociedade como grandes empresários. O que fez crescer, o que fez expandir, foi a dedicação mesmo, o trabalho mesmo, a empolgação. Eu não tinha estudo, mas tinha a vontade de trabalhar, disposição para fazer as coisas”. 

3.CREDIBILIDADE 

“Essa é uma característica que te leva para todo canto. Quando você consegue conquistar a confiança do cliente e das pessoas com quem você trabalha, aí você tem futuro. E isso você consegue dando seriedade ao seu trabalho, cumprindo com o que promete, tendo palavra”. 

4.VALORIZAÇÃO DO FUNCIONÁRIO 

“As pessoas acham que pagar bem o funcionário já é valorizar. Isso é um equívoco. Você pode pagar muito bem, mas se você não demonstrar reconhecimento pelo trabalho que ele faz, não adianta. Quando chegamos a Bacabal, trouxemos conosco entre seis e oito pessoas que já trabalhavam na loja da Paraíba; e no Maranhão, completamos o nosso quadro. Escolhemos pessoas que estavam dispostas, que queriam vencer, e abrimos o negócio com rapidez. Isso também foi fundamental na hora de expandir, porque como tinha gente capaz de assumir as novas lojas, dava certo. Você não deve começar um negócio se você não tem gente capaz ao seu lado, e é preciso acreditar na capacidade dessa pessoa, deixar que ela mostre seu talento. Não trouxemos nossos executivos de fora. É gente formada aqui, que conhece a história por dentro, a fundo, não superficialmente. Esse, sim, é o bom administrador. A empresa é do tamanho da grandeza do funcionário. Ela pode até começar com pouco dinheiro, mas se tiver gente boa, ela cresce. E, essa pessoa que veste a camisa, que é apaixonada pela empresa, ela vai tratar bem o cliente”. 

5.CLIENTE EM 1º LUGAR 

“Essa é a nossa fórmula. O cliente é o principal. Sem cliente não existe empresa, é preciso saber agradá-lo. Quando começamos no Paraíba de Bacabal, era somente uma loja de tecidos e confecções. Mas o cliente sempre pedia outras coisas. Eu, sabendo que a aquisição era fácil, prometia aquela mercadoria a tal tempo. Aí eu colocava à venda e dava certo. Daí, passamos a vender máquina de costura, camas, colchões. Até carros nós vendemos naquela loja, porque o cliente pedia e víamos que era possível”. 

6.EQUILÍBRIO FINANCEIRO 

“Desde o começo, nossa economia, lá em Cajazeiras, já era grande. E, de onde se bota e não tira, o resultado é muito bom. Quando há exagero de despesa, se gasta o que não pode, se gasta tudo que ganha, aí não sai da dificuldade. Quando se usa só 80% do que ganha, já pode dar certo, mas 60% é melhor. Se gastar só 40%, aí você fica muito bem. Se gasta só 20%, fica rico nem que nãoqueira. Com economia, você consegue se adaptar a mudanças, estar pronto para o que vem pela frente. A gente não pode pensar que o dia a dia vai ser sempre do mesmo jeito. Se a política muda, tudo muda”. 

7. INVESTIMENTO EM MARKETING E PROPAGANDA 

“Quando eu comecei, só tinha um jeep – isso quando eu já estava bem. Era com esse jeep que eu fazia toda a publicidade. Eu dirigia o carro usava um microfone, e eu mesmo falava e distribuía brindes. Era uma forma muito econômica de publicidade, mas que dava retorno. A gente estava sempre inventando esse tipo de coisa porque havia poucos meios de comunicação. Os artistas lançavam seu compacto de 78 rotações e vinham fazer o show aqui. Aí cobravam barato, porque queriam mesmo era divulgar. Nós fazíamos um chamamento público e era uma folia muito grande. Trouxemos Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Luiz Gonzaga... muita gente boa. Havia filiais nossas que já tinham um palanque na frente, para facilitar. Sempre demos importância para a publicidade, especialmente no aniversário do Paraíba, que hoje é nossa segunda maior data de vendas [perde apenas para o Natal]. Isso é resultado da força da publicidade”. 

8.INTUIÇÃO E PLANEJAMENTO 

“Tudo na empresa, durante os primeiros anos, foi feito com base na intuição, mas também tem que saber planejar. No meu caso, não estudei. Por isso que eu digo até que é possível vencer na vida sem ter muito estudo, dependendo da disposição e coragem de trabalho. Mas hoje existem técnicas que não podem ser ignoradas e, por isso, é preciso ter estudo. Estamos na era da perfeição, quando queremos um serviço, procuramos o melhor: o melhor fotógrafo, o melhor jornalista, o melhor médico, o melhor advogado. A gente tem que marchar para a perfeição, então tem que estudar”. 

9.ACOMPANHAR DE PERTO 

“Para ser a melhor, para ser perfeito como tem que ser, o dono tem que estar lá, perto, e fazer de tudo. Ele é exemplo para os funcionários. Então, se ele é empolgado, se trabalha, se tem dedicação, ele passa isso para quem trabalha para ele”. 

 10.NÃO ARRISCAR DEMAIS 

“Tudo tem que ser na medida. Se você arrisca muito, não tem controle. Arriscar pode dar certo, mas pode não dar. Por isso, é importante ter cautela. Quando a gente soube que o Maranhão era promissor, eu viajei para lá em abril, conheci o local antes, e só em julho, colocamos a loja. Era preciso ver antes. Ter excesso de confiança, de coragem, pode resultar em erro. É necessário ter um pouco de timidez, mas também na medida. Com tudo isso, você está pronto para receber as coisas boas, mas também para enfrentar as dificuldades”. 

E como enfrentar a crise? 

De 1958, quando o Armazém Paraíba foi aberto em Bacabal, até hoje, a moeda mudou sete vezes na tentativa de conter a inflação, que chegou a Para ser a melhor, para ser perfeito como tem que ser, o dono tem que estar lá, perto, e fazer de tudo. Ele é exemplo para os funcionários. As transições não foram fáceis para a maioria dos empresários. João Claudino lembra que, em 1986, quando a moeda mudou de Cruzeiro para Cruzado, no governo de José Sarney, suas lojas deixaram de lucrar, mas nem se cogitou a possibilidade de fechar as portas. Assim também aconteceu em vários outros momentos de crise. 

“O plano Cruzado não foi bom para a gente. Foi bom para quem devia e tinha muito estoque. Estávamos na situação inversa. Tivemos que dar o desconto ao cliente, mesmo sem ter tido. Era a lei. Os empresários mais corajosos, que tinham muitas dívidas, tiveram vantagem. No entanto, em seguida, veio o Plano Collor e foi diferente. Não houve vantagem para quem tinha mais dívida. Foi difícil para todo mundo, mas a gente tinha se preparado para qualquer mudança e saímos, relativamente, com tranquilidade entre um plano e outro”. 

A crise econômica atual, que fechou cerca de 100 mil lojas em 2015 no Brasil, também afetou o Grupo Claudino, na Construtora Sucesso. Seu João conta que teve que demitir quase 50% da mão de obra da construtora. 

“Existe uma dificuldade em receber e não se pode trabalhar sem ter dinheiro. Ninguém pode ficar sem receber o salário. O funcionário resiste por 15 dias, um mês, no máximo, mas não mais do que isso. E não deixamos chegar nesse atraso porque tivemos o cuidado de reduzir a mão de obra. É dolorido, faz pena. É uma coisa que fazemos com peso, sentimos a frustração que a pessoa sente, mas temos conduzido bem o momento e não foi preciso fechar nenhuma porta”, pondera. 

João Claudino ressalta que ainda espera mais dificuldades em 2016, mas aconselha os empresários a não tomarem medidas muito drásticas e esperar a crise passar. 

“Eu já apertei bastante o cinto, não tem mais para onde apertar. Só que se apertar demais, a coisa para. É preciso trabalhar mais agora e acreditar que as coisas vão melhorar. Tem que se conformar que isso é uma fase. Passa crise, passa seca, passa plano [econômico]. Um está preparado, o outro não. Mas, se você tem capacidade para dirigir e idealizar, isso vai fazer a diferença”. 

A sucessão do trono João Claudino não pensa em parar de trabalhar, mesmo tendo os cinco filhos engajados nos negócios da família. Com 85 anos, ele ainda vai ao Paraíba todos os dias. “Eu trabalho porque eu gosto mesmo. Eu sei que hoje os jovens planejam melhor, mas eu estou aqui, à disposição para quem precisar traçar novos planos, para quem precisar de orientação, tirar dúvidas. Acredito que eu ainda tenha alguma utilidade. Não tenho a mesma disposição de quando comecei. O que tenho é a maturidade administrativa”. O empresário, entretanto, revelou que ainda tem um sonho: ver os filhos tocarem os negócios daqui para frente. “As coisas estão caminhando para uma sucessão natural. Eu já estou passando a bola. Cada um dos meus filhos já está nas suas atividades e a conclusão do meu sonho é vê-los dando continuidade ao que já foi feito, aprimorando. Esse é o meu verdadeiro sonho de pai”.

 

 

Caroline Oliveira
Com informações da Revista Cidade Verde
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