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"A discriminação não me barrou", diz advogada picoense sobre situações racistas que enfrentou

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Fotos: Paula Monize - Cidadeverde.com/picos

Desterro Matos

O Cidadeverde.com/picos segue dando continuidade a série de matérias que trazem relatos de negros e negras que enfrentam o preconceito, a discriminação racial. Quem viveu fortemente essa realidade, com a força da palavra 'na pele', é a picoense, mãe, professora, advogada e servidora pública, Desterro Matos. A mesma viu nos estudos uma saída para alcançar seus sonhos e superar as limitações financeiras e sociais.

Desterro Matos relembra que uma das piores situações de discriminação enfrentou na infância, quando sua mãe lhe matriculou numa escola privada local. Ela descreve que era excluída por alunos, professores dos trabalhos em sala de aula e até mesmo da rotina da escola.

"Eu venho de uma família muito pobre, nós somos 10 irmãos, minha mãe é analfabeta, mas sempre foi uma mulher de visão. Saímos do interior e fomos para a cidade, ela via que através dos estudos a gente teria uma chance de trilhar um caminho diferente do que já estava escrito. Minha mãe via o meu interesse pelos estudos e pagou as mensalidades na melhor escola de Picos e foi nesse colégio que eu sofri as maiores discriminações que você possa imaginar - pobre, negra. Essa é uma fase que me marcou muito, uma menina de 13 anos, numa escola de rico, negra, pobre, foi bem difícil. "Não era uma discriminação velada, era escancarada mesmo. Minha mãe pagava integralmente o colégio, quando eu ia comprar o meu lanche eu era sempre a última. Todos compravam e eu sempre tinha que ser a última, mesmo estando entre as primeiras da fila. A elite de Picos estava toda lá, quando entro naquela escola tudo vem à tona, mas isso nunca me fez desistir, disse.

Engana-se quem imagina que essas situações deixaram de acontecer com o tempo.  Na carreira como advogada, Desterro durante a representação de um caso também foi discriminada no exercício da profissão.

"Já como advogada recebi um bloco de ações contra uma multinacional. No dia da audiência, veio advogados de São Paulo, Rio, para defender a empresa e quando todo mundo estava sentado ele perguntou quem era o advogado que estava representando. O juiz interviu e me apresentou. Naquele momento você sente a discriminação, sente na pele, mas acabei ganhando a causa", afirmou.

As situações de discriminação racial, pela condição social, não limitaram Desterro Matos. Ela ressalta que foram o combustível para ir em busca dos seus objetivos na vida pessoal e profisisonal.

"Toda essas situações que enfrentei não me barraram, me fizeram acender o desejo de ir adiante. Eu sempre quis ser advogada e batalhei muito para conseguir realizar meu sonho. O 'bum' da minha vida foi quando eu desisti e saí da Justiça Comum para ser servidora do TRT, passei em concurso para professora no município, pois me formei em Letras na universidade. O Direito surgiu em 2006, quando ingressei na Faculdade investindo nos meus estudos, esse era um sonho desde os meus 18 anos. Hoje deixei o TRT, abri meu próprio escritório onde advogo com meus dois filhos e atuo como procuradora adjunta na Prefeitura de Picos", enfatizou a advogada.

Avaliando o cenário atual, Desterro comenta que os casos de racismo tem aumentado nos dias atuais. Segundo ela, é frustrante ver que as Leis que garantem os direitos do povo negro não são cumpridas.

 "Essa questão do racismo aflorou, voltou com força total e está muito difícil de controlar novamente. Vamos convivendo, sendo o negro cada vez mais excluído dos concursos, dos bancos de universidades, pois o negro é tachado de inteligência inferior", concluiu.

Em alusão ao mês da Consciência Negra, o Portal Cidadeverde.com/picos tem produzido matérias que descrevem situações de racismo enfrentadas por negros e negras de Picos. A iniciativa não tem pretensão de vitimizar essa realidade, mas ir na contramão, demonstrando que as vítimas seguiram em frente, assumindo sua identidade racial diante de tudo e todos.

Paula Monize

[email protected]

 

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