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Feminicídio na Ufpi reproduz machismo estrutural, diz defensora pública no Piauí

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Foto: Renato Andrade/ Cidadeverde.com

O assassinato da estudante de jornalismo Janaína Bezerra, 21 anos, na Universidade Federal do Piauí (Ufpi) tem gerado questionamentos nas mais variadas esferas. Mais do que isso, a defensora pública no Piauí, Verônica Acioly, levanta a discussão sobre a necessidade de se repensar a educação, principalmente, de meninos. Ela- que atua no caso em defesa da família da vítima- analisa que o meio cruel praticado no feminicídio reproduz um machismo estrutural que passa por questões como a objetificação da mulher.

"O caso Janaína não havia relação familiar ou de afeto. Foi um estranho, mas foi um fato que reproduz esse machismo estrutural, esse patriarcado que as pessoas dizem que é besteira, mas não é. O comportamento dos homens é de nos objetificar, como se fossêmos propriedade, que não podem levar um não a uma cantada", analisa Acioly que atua no caso após designação extraordinária.

Janaína foi encontrada morta  no campus da Ufpi as vértebras do pescoço deslocadas. Ela teria sido vítima de estupro também após ser assassinada. O estudante de mestrado, Thiago Mayson da Silva Barbosa, 28 anos, foi indiciado por homicídio duplamente qualificado, estupro, fraude processual e vilipêndio a cadáver. 

Com quase duas décadas atuando como defensora pública, Verônica diz que o feminicídio da estudante de jornalismo foi um dos casos que mais me lhe causaram uma pertubação emocional, principalmente, pelo perfil da vítima: uma jovem negra, de família humilde, consciente de direitos, que havia conseguido ingressar em um curso superior e que via na educação um meio para interromper o ciclo de pobreza.

Foto: arquivo pessoal

 "Fui à casa dela, é uma família negra, periférica que rompeu a "bolha" porque a Janaína acessou o Ensino Superior, era uma das melhores alunas do curso, uma poeta, uma menina de 21 anos consciente da sua raça, do seu lugar social e que era a esperança de uma alteração de rota, o que é muito difícil. Então quando ela falece, falece também muitos sonhos de uma familia inteira. Ela era a filha mais velha e a gente viu que as irmãs se espelhavam nela", lamenta a defensora. 

Para ela, Janaína Bezerra carregava consigo um imenso simbolismo e a crueldade empregada no assassinato tem um peso ainda maior. A defensora pública é enfática ao afirmar que "não existe nada que justifique uma violência sexual com a brutalidade"
 
"Não há nada que justifique tirar a vida de uma mulher, uma mulher que tinha uma compleição física de uma criança, que era o sonho de uma família inteira. Ele matou uma cadeia de pessoas com aquele ato porque de alguma maneira, os meios de execução, demonstram uma objetificação da Janaína, como se fosse apenas um objeto de prazer", analisa.

"Feminicídios ocorrem todos os dias, mas com a especificidade dessa vítima que era uma esperança tão profunda da familia, uma menina tão simbólica no seu próprio meio universitário e com tamanha crueldade nesse feminicídio, realmente, eu vi poucas vezes", completa Acioly.

 

O que é  violência?

A defensora pública chama a atenção para a necessidade de envolver os homens em um debate sobre machismo, objetificação da mulher.

" É importante chamar a educação dos meninos e questioná-los sobre como se sentem sendo parte desse gênero que nos coloca tanto medo, nos vulnerabiliza tanto, se eles não conversam entre si. Parece que falta esse debate entre os homens. Se não envolvermos os homens nesse debate, essa cultura não será alterada. É tão dificil mudar, porque existe uma parcela da população que tem poder  e quem abre mão de poder voluntariamente? nosso papel, enquanto mães, pais e responsáveis, é repensar a forma de criar meninos e meninas. Tenho até visto a forma de criar as meninas ser alterada, pra serem independentes, terem autonomia, mas não vejo isso com os meninos tantos", analisa.

Verônica Acioly diz que a diferença entre homens e mulheres não é sinônimo de inferioridade.  Para ela, além de repensar a educação de meninos, o debate sobre violência de gênero deve ser evidenciado. 

"É preciso conversar com outras mulheres, pois muitas não têm consciência do ciclo da violência. É necessária uma educação em direitos. O que é violência? é só o tapa, uma ameaça, uma pressão psicológica? se a gente consegue interromper, nesse primeiro momento, muita coisa pior pode ser evitada. Depois, alterar a forma de pensar de meninos e meninas que não fique só na igualdade de homens e mulheres no papel, mas que a gente busque isso pra educação. A igualdade não quer dizer que somos matematicamente iguais, pois não somos, mas essa diferença não quer dizer que a mulher seja inferior ao homem. São diferença  que contribuem para a evolução da humanidade, mas não deveriam hierarquizar os gêneros, que é o que ocorre", diz a defensora. 

Verônica Acioly foi designada de forma extraordinária para atuar no auxílio à família de Janaína Bezerra, desde a formação do inquérito policial e entrega ao Ministério Público que, inclusive, já ofereceu denúncia à Justiça. 

"Atualmente minha atuação é no Núcleo da Mulher,  que abarca as violências ligadas à Lei Maria da Penha, que não foi o caso da Janaína. Mas como gerou muita comoção, eu e o Dr. Gerson estamos dando apoio à familia, acompanhamos o velório, o sepultamento, tentamos colaborar com a polícia, conversamos com a delegada que presidiu o inquérito, conversamos com toda a rede de assistência. Enfim, auxiliamos a família, fazendo o acolhimento, integramos eles na rede de assistência estadual e municipal, estamos trabalhando em conjunto com o serviço de assistência do Ministério Público. É uma intervenção porque a família tá muito machucada, o pai tá desempregado sem condições de trabalhar no momento, as meninas estão muito abaladas. Então é importante ajudá-los para que essa família se reerga e essas meninas possam continuam o sonho da Janaína", desabafa a defensora que defende um julgamento justo com respeito às leis. 

 

Graciane Araújo
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