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Zeca Baleiro diz que a MPB é feita para “embalar casais”

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Fotos: Yala Sena/Cidadeverde.com



Zeca Baleiro, 44 anos, é um artista inquieto. Maranhense, costuma dizer que nasceu em São Luis por “acidente de percurso” e ao completar 13 anos de carreira garante que está mais maduro.

Nas comemorações, Baleiro está lançando dois CDs – Concerto e Trilhas – e o seu primeiro livro “Bala na Agulha – Reflexões de boteco, pastéis de memória e outras frituras”. Os trabalhos inauguram o selo criado por ele, o Saravá Discos, fato que estreia uma nova fase na carreira do músico.


Artista politizado e compositor que fala dos problemas sociais, Zeca Baleiro avalia que a música popular hoje está sendo feita para “embalar casais” e namoros.





Em sua passagem por Teresina, no Piauí, onde fez show no projeto “Eu Faço Cultura”, da Caixa, Zeca Baleiro falou para o Cidadeverde.com.


São 13 anos de carreira. O que mudou no Zeca Baleiro de “Por onde estará Stephen Fry” para o recente trabalho “Concerto”?

Mudou muita coisa. Não tenho o mesmo tanto de cabelos (risos). A voz mudou. A forma de compor mudou. Tudo mudou. 13 anos são bastante tempo na carreira e na vida de uma pessoa. Eu ouço meus primeiros discos e, com muito respeito, acho que agora faço tudo muito melhor (risos).

O CD “Concerto” aposta em formado recital. É um estilo pouco valorizado no País, assim como o instrumental?

É um estilo menos valorizado. O show que estou fazendo para o projeto “Eu Faço Cultura” para grandes plateias, repertório mais rítmico, dançante, tem mais apelo. As pessoas querem diversão mais rápida, evasivas. Elas querem pensar menos e dançar mais. O que não é nenhum pecado. É bom se divertir. Mas, projetos que aprofundam mais a música, reflete ou que traz uma música mais silenciosa, que requer uma atenção maior do ouvinte são menos prestigiados. Isso é obvio. Eu gosto de alternar. Assim como gosto de show para a loucura das pessoas (risos), eu gosto também fazer uma coisa mais silenciosa, detida, mais reflexiva.





Hoje, o apelo musical é para músicas erotizadas e produzida para vender. Isso o incomoda?


Eu não tenho nada contra o erotizado (risos). Aprecio. Eu também me considero uma pessoa erotizada. Eu acho que a música ficou muito melosa, mais do que erotizada e erotizante. A Música Popular hoje é feita para embalar casais, para embalar namoros, conquistas. Embora, ao longo do tempo, ela tenha tido essa função. A música precisa ter mais abrangência que isso. Canção é uma crônica. Então, serve para comentar o tempo que se vive, para críticas de costumes, criticar o cenário político, para criticar comportamento e avaliar as transformações que o mundo passa. A canção tem várias serventias. Naturalmente, como as pessoas vão ficando cada vez mais superficiais, a canção, assim como a literatura e as manifestações artísticas, seguem a superficialidade. Mas, existe um tipo de música que tem audiência. Quando não tiver mais a gente para. Vai plantar orgânico no interior de Minas Gerais ou criar bode no interior do Piauí (risos).


Há preocupação sobre direitos autorais. A música cai na internet e na banca do camelô. Isso atrapalha?

Atrapalha. Sem dúvida. O direito de autor é o grande patrimônio do compositor. Tem grandes famílias de artistas que já se foram e que vivem disso. É o legado que posso deixar para meus filhos. É minha obra. Quando não se tem o controle disso, devido o avanço tecnológico, da pirataria, sempre se perde. Por outro lado, tem o lado informal de propagar ao máximo o seu trabalho. Há muito tempo o artista não ganha com venda de discos, ganha basicamente com shows. É claro que lesa o patrimônio. Isso tem sido bastante debatido no governo. Defendo que uma nova legislação deve ser criada na internet para preservar o direito a obra.





Já ganhou vários prêmios – Sharp (1998) e três indicações ao Grammy Latino – isso lhe trouxe algum retorno?

Eu nunca dei super importância a essa coisa de prêmio. Embora pareça frase de efeito, o maior prêmio é o carinho e a atenção do público. É o artista fazer show e ter plateia. É fazer discos e as pessoas conhecerem o seu trabalho. Tem muita gente premiada, premiada, premiada e não tem público (risos). Já fui indicado três vezes para o Grammy Latino, na última concorri com Ivan Lins. Às vezes, só a indicação é um sinal de respeito ao seu trabalho. Se eu ganhasse de Ivan Lins ficaria até envergonhado, porque Ivans Lins é um gigante, é um cara imenso. Eu guardo eles (prêmios) em casa e sigo em frente. O cara que vive de prêmio, já dizia um escritor, ele está perdido.


Você se considera um homem rico?

Sou rico de amigos (risos), de admiradores, de ideia, de projetos. Não sou rico não, porque tudo que ganhei com o meu trabalho eu investi no próprio trabalho. Montei um estúdio, produtora, produzi discos de outros artistas. Nunca guardei dinheiro. Meu patrimônio são as minhas canções. Agora, estou começando a me preocupar com isso. Estou ficando velho (risos), meus filhos estão crescendo, mas isso não vai me afastar dos meus rumos, pois é fazendo com verdade, com paixão, que se conquista o retorno material. Eu não mudaria a minha rota, por causa de grana.





E o projeto do selo Saravá?


A ideia do selo nasceu da minha vontade de fazer coisas que eu não podia fazer dentro da grande indústria do disco.


Que tipo de coisa?


Tipo, o disco póstumo de Sérgio Sampaio (cantor e compositor, morreu em 1994), que é um compositor importantíssimo para mim. O disco dos dois sambistas Antônio Vieira e Lopes Borgéa, que jamais uma gravadora se interessaria por dois sambistas octogenários. Eu fui e gravei. Tivemos a participação de Elza Soares, Alcione, Genival Lacerda, Rita Ribeiro. Projeto grandioso que deu dignidade ao fim da vida desses caras. Teve também o projeto de musicar os poemas de Hilda Hilst (1930 a 2004), a poeta paulista já falecida. Musiquei 10 canções dela. Chamamos 10 cantoras, desde Maria Betânia a Zélia Ducan, de Angela Maria a Angela Ro Ro. Projetos que o mercado não poderia absorver e pelo selo a gente pode disponibilizar para o publico.





Depois do livro “Bala na agulha” pretende lançar outra publicação?


Existe um projeto, mas não é iniciativa minha. É da Universidade Federal de Goiás, que tem uma coleção chamada “Arte e expressão” e me convidaram para eu ser o segundo autor da coleção. Eles escolheram 21 letras minhas e eu só fiz a revisão. Chamaram artistas gráficos de Brasília para fazer as ilustrações. É uma espécie de some book, um livro de canções, com letras e com status de poesia. Tenho vontade sim de publicar outro. Há dois anos sou colunista da revista IstoÉ. E o próximo livro pode vir a ser as copilações dos textos publicados. Daqui a alguns anos, quem sabe?


Vai viabilizar o seu livro “Bala na Agulha” em Braille?


Vou sim. Um amigo meu do Rio, o Carlos Dimuro, que é poeta e agora tem trabalhado com Ferreira Gullar, ele publicou trechos do último livro do Gullar em braille. E conversando com ele, agente está negociando disponibilizar o meu livro em braille. Outro projeto que estarei ligado é o do Centro Cultural São Paulo, que cria áudio book com voluntários que leem clássicos da literatura, gravam, para que as pessoas com deficiência possam conhecer escritores como Machado de Assis, Josué Motello e outros. Eu vou ler no próximo ano, voluntariamente, alguns clássicos para ficar no acervo.


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Yala Sena
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