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Clint Eastwood abraça o sobrenatural em "Além da Vida"

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A onda de filmes espíritas que invadiu os cinemas brasileiros em 2010 pode levar até os fãs mais fiéis do cineasta norte-americano Clint Eastwood a torcer o nariz para seu novo trabalho, “Além da Vida” (“Hereafter”), que estreia nesta sexta-feira (7). O título em português, digno de novela das seis, deve reforçar a impressão de que, aos 80 anos, o consagrado diretor decidiu convencer o público sobre a existência de vida após a morte.

Eastwood, porém, não é afeito a filmes de tese. Mesmo ao lidar com temas polêmicos – a eutanásia em “Menina de Ouro” (2004) e a pena de morte em “Crime Verdadeiro” (1999), por exemplo –, ele sempre prefere contar uma boa história a fazer campanha. Em “Além da Vida”, segue a mesma linha: parte do princípio de que existe vida após a morte sem tentar oferecer respostas para as questões dos personagens ou as do público. É, sem dúvida, o filme mais espiritual do diretor, ainda que o sobrenatural já tenha marcado presença em obras como “Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal” (1997) e, de forma indireta, “O Estranho Sem Nome” (1973).



Matt Damon em "Além da Vida": nova colaboração com Easwood depois de "Invictus" // Divulgação

“Além da Vida” acompanha três personagens que, de formas distintas, estão ligados à morte. Em São Francisco, George Lonegan (Matt Damon, em excelente e sutil atuação) tenta deixar para trás uma promissora carreira como médium. O dom de estabelecer contato com pessoas mortas, que possui desde a infância, tornou-se para ele uma maldição que o impede de levar uma vida normal.

Em Londres, o garoto Marcus sofre com a trágica morte do irmão gêmeo, Jason (George e Frankie McLaren se revezam nos dois papéis), e recorre a todo tipo de crença e tecnologia para entrar em contato com ele: videntes, centros espíritas, vídeos religiosos, microfones superpoderosos e até a observação de espelhos.

Em Paris, a jornalista Marie Lelay (a ótima atriz belga Cécile De France) vê sua vida mudar radicalmente após sobreviver ao tsunami de 2004, recriado por Eastwood em uma sequência de tirar o fôlego (“Além da Vida” foi pré-selecionado para o Oscar de efeitos visuais). Engolida pelas ondas gigantes, ela passa pela chamada "experiência de quase-morte" e, de volta para casa, se dedica a investigá-la.

Com a história de Marie, Eastwood e o roteirista Peter Morgan (de “A Rainha” e “Frost/Nixon”) retratam quem acredita na vida após a morte como vítimas de isolamento e preconceito. A obsessão da jornalista pelo tema tira sua credibilidade e coloca em risco uma carreira em ascensão na TV francesa e um relacionamento amoroso, ainda que sua crença seja mais científica que religiosa. Cada vez mais sozinha, Marie sentirá alívio no encontro com pessoas como ela, com quem possa dividir abertamente o interesse por perguntas que, para grande parte da sociedade, não devem ser feitas.

O encontro entre os três personagens principais será tão conveniente quanto pouco convincente, e a "forçada de barra" para os destinos se cruzarem tira parte da força de “Além da Vida”. O excesso de coincidência, porém, não diminui o prazer de acompanhar o modo detalhado com que Eastwood apresenta as histórias de George, Marcus e Marie, talvez a grande qualidade do filme.

Em entrevista à televisão canadense durante o Festival de Toronto, Clint explicou a preferência por um ritmo mais lento: "Na geração MTV em que vivemos, é algo de que ainda gosto: que possamos desenvolver as histórias de verdade e conhecer as pessoas em detalhes, ao invés de apenas jogar com a dificuldade de concentração dos dias de hoje".

Em um dos melhores momentos do filme, George aproveita uma aula de culinária para conhecer Melanie (Bryce Dallas-Howard, muito bem no papel), uma jovem tão solitária quanto ele. A conversa cheia de revelações acontece durante um dos exercícios, no qual, vendada, ela deve descobrir os ingredientes das pequenas porções servidas por George. A cena – simples, original e bonita – acrescenta pouco em termos de ação, mas é um verdadeiro primor no que diz respeito à construção de personagens.

Com sequências como essa, Clint faz um filme mais sobre a vida que sobre a morte, no qual as especulações sobre “o outro lado” não se sobrepõem ao “mundo real”. Em meio a tantas dúvidas sobre o que vem depois, só há uma certeza: a vida será sempre limitada e as verdadeiras conexões devem ser feitas agora.


Fonte: IG
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