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Diversidade

Por que o apelo à riqueza é tão forte na comunidade LGBT?

Carlos Henrique Lucas Lima

Não é de hoje que frases como “eu sou rica!”, protagonizada pela belíssima Carolina Ferraz, na novela global “Beleza Pura”, animam não apenas os discursos de artistas transformistas em badaladíssimas festas do tão rentável mercado LGTB, como ainda o de gays que se leem pessoas ricas e poderosas, capazes de enfrentar a tudo e a todos.

 

O discurso da riqueza é uma forma de escamotear as mazelas sociais; é, mais do que isso, um discurso que justifica a falta de humanidade que paira sobre os corpos de pessoas de gêneros e sexualidades dissidentes da norma. Isso quer dizer que uma pessoa, por exemplo aquela guei preta e periférica, lida como “feia” pelos sistemas de normatização, se ancora no dinheiro, ou em uma aparência de riqueza, para se tornar aceitável e legível pela cultura.

 

A reflexão em torno ao chamado “pink money” é aqui rentável, já que seria por meio do consumo, e não de qualquer consumo, que as pessoas LGTB’s poderiam ter acesso à cidadania. Ou seja, o fato de você ser um ser humano não lhe autorizaria a acessar aos critérios da cidadania, apenas o consumo seria capaz de fazê-lo.

 

As beeshas, e aqui penso nas pessoas efeminadas, que se encontram no final da fila da humanidade e da cidadania, diferentemente dos glamorosos gays, altos consumidores de bens de primeira linha, não conseguiriam, como suas “ermãs” ricas, acessar tais objetos de consumo, o que as levaria a um movimento que eu chamo simulacral, ou pra ficar mais fácil, imitativo.

 

O discurso da riqueza está presente nas roupas, que esbanjam brilhos e etiquetas famosas – mesmo que “falsas” (pirateadas), nos acessórios e, sobretudo, nas mais mirabolantes histórias contadas pelas gueis. Está, ainda, na arrogância de muitas: seus comportamentos, por vezes soberbos, são justificados, quase sempre, por frases como “eu sou rica, meu bem!” ou “olha só minha roupa, querida, custou horrooooooores!”.

 

Mas, e esta é a pergunta principal aqui, por que as gueis se utilizam do discurso da riqueza, do glamour, para justificarem suas existências? Dois são os caminhos para uma reflexão nesse sentido. Em primeiro lugar, como afirmei, as gueis efeminadas, as que talvez mais acessam a esses discursos (pois estão no final da fila da humanidade, da cidadania!), fazem-no tendo em vista um modelo, alimentado pela heteronormatividade, de homossexual respeitável. E quem é esse homossexual? Aquele que consome, e que consome muito. Isso justifica o frenesi das guei por certas marcas de roupas e acessórios, além de perfumes e aparelhos digitais, como celulares e tablets.

 

Em segundo lugar, as guei compreendem que somente são valorizados aqueles corpos que conseguem comprar sua cidadania, sua humanidade, independentemente desses corpos serem lidos como homo ou heterossexuais. Isso quer dizer que não basta ser “gente” para se obter respeito: é preciso consumir, é preciso ter, é necessário “ser rica!”.

 

Assim, se por um lado há um modelo de respeitabilidade que paira sobre as guei, o do homossexual respeitável, fiel consumidor das mais variadas bugigangas vindas da Europa e dos Estados Unidos, por outro lado há o entendimento de que, em um mundo governado pelo capital e por suas formas de avaliação de corpos, vale quem tem ou quem parece ter. As guei, dessa forma, mesmo que não dispondo do poder de compra dos gays abastados, produzem discursos de riqueza cujo principal propósito é simular uma humanidade na qual não estão inseridas.

 

Entendo, portanto, que os discursos de riqueza colocam a descoberto o dilema que é não apenas ser lido como pertencente a um gênero e a uma sexualidade dissidente da norma como também ser atravessado, em todos os sentidos da vida, pelo caráter “humanizador” produzido pelo capital.

 

Ao reivindicar os discursos da riqueza para justificarem suas existências, as guei e todas as pessoas de gênero e sexualidade dissidentes denunciam a perversidade da heteronormatividade em seus atravessamentos com o capitalismo, que “humaniza” e concede cidadania àquelxs que podem pagar por isso. Não se trata de demonizar as pessoas que lançam mão desses discursos, mas de compreender o porquê de elas agirem assim.

 

Uma reflexão no campo das sexualidades e dos gêneros dissidentes que não passe por uma dura crítica às perversidades operadas pelo capitalismo é, pra mim, uma forma celebratória de confirmar o estado das coisas, deixando que os falsos brilhos do acué (dinheiro) roubem nossa humanidade.

 

Deixo vocês com a gloriosa Carolina Ferraz. E não vou mandar beijos porque eu sou…!

 

 

Fonte: iBahia - Cultura e Sexualidade

 

 

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