Cidadeverde.com

"Feio não pode perder oportunidade", diz ator

Imprimir
No sítio onde mora próximo a Teresópolis, cidade da Região Serrana Fluminense, Jackson Antunes tem a tranqüilidade com que gosta de levar a vida. É um homem extremamente pacífico no lidar com a família, no jeito de ser e até no de falar. Mas o senhor que o empurrou e o machucou há alguns dias em plena rua, só tinha em mente o violento Leonardo, personagem que o ator interpreta em A Favorita.
Na novela, Jackson bate em Lilia Cabral, que dá vida à submissa Catarina. Mas foi na realidade que o ator sofreu as conseqüências disso. "Tive uma lesão na perna direita, gravei algumas cenas apoiado na cadeira de rodas e sentindo muita dor", resume o ator.

Foto: Jorge Rodrigues Jorge

Simpático, Jackson Antunes
quebra imagem deixada
por personagem Leonardo
 
O desagradável episódio passou, mas o personagem continua emocionando Jackson. "Acho oportuno reerguer a discussão sobre a violência doméstica", valoriza. Ele conta que a carga de emoção nas cenas da novela é alta. E cria seus próprios mecanismos para fazer o que é ficção parecer a mais cruel realidade. "Às vezes estou soltando fogo pelas ventas e o diretor grita: corta. Mas volto com a mesma intensidade depois, não tem descontinuidade, porque treino", explica.

O treino a que Jackson se refere vem de um drama. Há quase 40 anos, por causa de uma perda, o ator entrou em depressão e passou a sofrer de síndrome de pânico. "Me levaram para terreiro de macumba, me encheram de remédio, mas eu fui ler sobre o assunto", recorda. E pesquisando, ele diz que passou a entender o que tinha, viu que podia dominar essas sensações e usá-las a seu favor. "Hoje levo essas sensações para meus personagens. As pessoas têm pânico e não saem de casa. Mas é só se conhecer para levar tudo isso no cabresto", opina, ao dizer que aceita contestações de psicólogos entendidos no assunto. "Os especialistas podem me contestar porque não sei explicar. Mas uso tudo isso na prática com meus personagens. E dá certo", valoriza.

Muitos atores acreditam que hoje o público não confunde mais ator e personagem. Você também pensava assim até ser agredido por causa do Leonardo, seu papel em A Favorita?
Realmente pensava que já não faziam mais essa confusão. Mas às vezes me pergunto se esse episódio não reflete o momento que passamos. O senhor que me agrediu parecia muito bem informado. Tanto que no início achei que ele estava brincando. Ele falava dos políticos, do Daniel Dantas. Vi a indignação dele e até concordei, porque também fico revoltado com tantos escândalos. E quando ele me viu acho que não se segurou. Eu estava ali e acabei pagando o pato.

Você acredita que uma manifestação como essa também mostra que há pessoas que não estão a fim de ver determinados dramas retratados na ficção?
Acho que tem gente que prefere ver tragédias na realidade e não vê-las na ficção mesmo. Porque a ficção é abrangente, leva à reflexão, à provocação. Faz um assunto ser discutido. De vez em quando a gente ouvia falar de um caso de violência contra a mulher. Mas agora vejo meu personagem estampado em todas as capas de revista, o tema sendo discutido em um programa com grande audiência como o Domingão do Faustão, psiquiatras falando e pessoas na rua dando sua opinião. Acho isso bom porque falamos de uma realidade que é dura, mas acontece. Mulheres chegam até mim para mostrar marcas.

Desde que a novela estreou, você já ouviu muitos desabafos?
Eu viajo muito pelo interior. E como sou um ator sem paredes, as pessoas se aproximam de mim. Porque o público espera do artista um sorriso ou uma cara carrancuda. De mim, recebem sempre um sorriso. Isso faz com que as mulheres cheguem para mim e abram o coração. Muitas dizem que agüentaram violência em casa por mais de 20 anos. Geralmente só quando o problema se volta também para os filhos é que elas deixam de suportar. Sou do Norte de Minas Gerais, terra onde o machismo vai muito longe e envolve a violência contra a mulher. Na cidade grande, por sua vez, não há meio-termo. Ou é a história do crime passional ou resolvem tudo com uma mesada maior. A questão da violência está tomando proporções sérias. Vivi algum tempo no Rio e só fui conhecer o meu vizinho no dia em que ele entrou zangado pela porta dizendo que eu estava fazendo muito barulho. Se eu não parasse, ele ia encher minha casa de tiros. Até por isso decidi viver em um sítio. Para tentar ter uma vida melhor e ver meu filho tratar bem os outros.

Você nasceu e cresceu no interior, optou por viver longe do burburinho da cidade grande mesmo depois de se tornar ator e é avesso a badalações. Sente-se meio bicho-do-mato no mundo de glamour da televisão?
Minhas irmãs até me cobram por que eu não vou à Ilha de Caras, não aproveito as festas, não apareço na Contigo... Mas, eu não vou a nada não é porque quero preservar alguma coisa, é porque não gosto mesmo. Se eu chegar em um lugar que não tem som de viola, não tem graça.

Essa postura nunca o atrapalhou na carreira?
Nunca deixei de trabalhar. Acho que a única coisa que poderia ser diferente é que se eu adotasse uma outra postura, teriam de falar com dezenas de assessores antes de marcar uma entrevista comigo. Eu também falaria sempre com óculos escuros e marcaria encontros com a imprensa em lugares luxuosos, vivendo uma vida que não condiz com a realidade desse país e nem com a profissão de ator, que não tem estabilidade nenhuma. Ator não pode parar de trabalhar. Meus colegas me adoram, nunca briguei com ninguém e já trabalhei com os mais diferentes autores e diretores fazendo personagens maravilhosos.

Você guarda alguns trabalhos com mais carinho?
O Regino de O Rei do Gado foi um marco para mim. Outro personagem lindo foi o Frederico Jordão, em Anjo Mau, quando fiz par romântico com a Lilia Cabral. Também fiz um trapezista malhado em Memorial de Maria Moura, o Valentim. E a essa altura da minha vida aparece o Leonardo, em A Favorita. Ainda bem que sempre estou pesquisando, estudando, observando. Porque, senão, não conseguiria fazer esse personagem. Apesar do Leonardo não ter muito espaço na novela, diga-se de passagem. Gravo apenas uma vez por semana. Nunca tive personagem grandão, não. Meus personagens vão comendo pelas bordas. Mas vou sempre com paixão. Se tiver uma cena em que apareço só no fundo sem falar nada, vou com tudo, como se fosse a última da minha vida.

Mas você já negou personagens? Não disse, por exemplo, que não faria um surfista em uma novela?
No fundo acho que eu faria, sim. Conviveria bastante com pessoas desse universo para aprender algo. Mas é que fiz muitos personagens que são a cara do caboclo do Brasil e acho o pessoal do sertão mais encantador. Eu fico 10 horas ouvindo um senhor do sertão e nem respiro. Mas às vezes em 10 minutos de conversa com o cara da cidade a gente escuta tanta bobagem... Gosto do caboclo do sertão porque ele não tem vaidade, não fala dele. Porque hoje a gente não ouve mais a palavra "nós". É só o "eu". Até com time de futebol é assim. Por isso não gosto da história do craque ou do protagonista. Tudo é o conjunto. E o trabalho em televisão é o trabalho de equipe mais perfeito que existe. Se um contra-regra ou um dublê faltar, cancelam a gravação. A verdade desta profissão é que a gente tem de estar disponível para os personagens. Eu nunca disse não.

Por quê?
Porque ator feio não pode perder oportunidades. O cara de olhos azuis e dois metros de altura até pode esnobar. Imagine o Grande Otelo hoje batendo na porta da Globo para pedir emprego. Não faço uma crítica à emissora, mas à questão do modismo, da globalização, que fez todo mundo ficar igual. Estive no México fazendo um filme e não vi nenhum rosto daqueles maravilhosos que aparecem nas novelas mexicanas. Eles tem bigode, são baixinhos, carrancudos. Mas nas novelas são todos lindos. As pessoas costumam dizer que a tevê está cheia de atores. Não está, não. São pouquíssimos. Mas para segurar um galã são necessários 30 atores. Por isso que todas as emissoras têm dificuldades para escalar.

 
Magia sob a lona

Ainda na infância, a primeira manifestação artística que deixou Jackson Antunes maravilhado foi o circo. Na pequena cidade mineira de Janaúba, onde nasceu, ele descobriu o mundo dos picadeiros não só como público, mas também como ator. Foi debaixo de uma lona que ele fez suas primeiras apresentações. E ele não demorou para se iniciar no teatro amador. "Junto com alguns amigos fundamos o primeiro grupo de teatro da cidade. Pena que hoje ninguém dê continuidade", lamenta o ator. Não demorou e Jackson seguiu para Montes Claros, indo em seguida para Belo Horizonte. Em uma das inúmeras apresentações que fez durante anos, ele foi visto pelo diretor de tevê Luiz Fernando Carvalho e isso traria frutos no futuro que o ator não imaginava.

Perto da novela Renascer estrear, em 1993, o diretor se lembrou do ator que tinha visto na apresentação em uma igreja, há mais de 20 anos, e mandou chamá-lo. E Jackson Antunes estreou na trama de Benedito Ruy Barbosa como Damião, aos 33 anos. "Passei por todos os degraus. Todo o sofrimento dessa profissão é aprendizado. Os jovens de hoje batem na porta da tevê e já querem estrear em horário nobre, pulando etapas", avalia Jackson.

 
Caipira globalizado

Jackson Antunes não nega as raízes interioranas no jeito de falar, de se comportar, no chapéu de couro quase inseparável que carrega e na música que ouve e produz. O ator adora viola, já gravou 8 CDs de música caipira e faz shows pelo interior do Brasil. "O último trabalho foi gravado há dois anos, a abertura do CD foi feita pelo compositor Lenine e canto canções de dois poetas paraibanos chamados Os Nonatos", conta ele.

O que destoa um pouco de toda essa história é o nome artístico meio americanizado que o ator - Joaquim de nascimento - adotou. Mas até essa escolha foi influenciada pelos músicos que ele gosta de ouvir, como a dupla Léo Canhoto e Robertinho, que revolucionou a música sertaneja principalmente na década de 70, ao se apresentar com roupas de caubói e óculos escuros. "Eles tinham uma música chamada Jack - O Matador. Achava esse nome lindo e adotei Jackson. Hoje, não faria mais isso", diz o ator aos risos.

Trajetória Televisiva

- Renascer (Globo, 1993) - Damião.
- Memorial de Maria Moura (Globo, 1994) - Valentim.
- Irmãos Coragem (Globo, 1995) - Diogo Falcão.
- O Rei do Gado (Globo, 1996) - Regino.
- Anjo Mau (Globo, 1997) - Frederico.
- Pecado Capital (Globo, 1998) - Marciano.
- Labirinto (Globo, 1998) - Teodoro.
- Terra Nostra (Globo, 1999) - Antenor.
- Aquarela do Brasil (Globo, 2000) - Walter.
- A Padroeira (Globo, 2001) - Atanásio.
- Esperança (Globo, 2002) - Zangão.
- Celebridade (Globo, 2003) - Fragoso.
- A Escrava Isaura (Record, 2004) - Miguel.
- Sinhá Moça (Globo, 2006) - Antero.
- Amazônia - de Galvez a Chico Mendes (Globo, 2007) - Bastião.
- Sítio do Picapau Amarelo (Globo, 2007) - Bala de Prata.
- A Favorita (Globo, 2008) - Leonardo. 
 
 
Fonte: Terra
Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais
Tags: