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Após 20 anos, Constituição ainda precisa regulamentar 26% dos artigos

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Vinte anos depois da promulgação da Constituição de 1988, 66 dos 250 artigos da Carta ainda precisam de algum tipo de regulamentação, de acordo com levantamento realizado pela Câmara dos Deputados.

A Constituição é a diretriz das normas jurídicas do país e nenhuma lei pode contrariá-la. Ela foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988. A Carta de 88 marcou a volta da democracia ao país após o fim da ditadura militar. Ela foi chamada de "Constituição Cidadã" pelo então presidente da Assembléia Constituinte, Ulysses Guimarães.

Ao todo, são 126 dispositivos - entre artigos inteiros, parágrafos ou incisos - que precisam de leis complementares para serem validados. Um dos artigos que ainda precisam ser regulamentados é o 18, no parágrafo quarto, que trata da criação de municípios.

A lei definiu que os estados só podem criar municípios baseados em uma lei complementar federal, que ainda não foi votada pelo Congresso Nacional. Por conta disso, 28 municípios brasileiros, com prefeitura e orçamento próprios, podem voltar a ser distritos.

Em maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo de 18 meses, que termina em novembro deste ano, para a regulamentação da lei sob pena de extinguir oficialmente as cidades.

Outro exemplo é o artigo 37, no inciso 5º. A lei prevê que parte do preenchimento de cargos de confiança seja feita com servidores de carreira e que as normas estejam previstas em lei complementar, que ainda não existe. O direito de greve também segue sem regulamentação. Também no artigo 37, o inciso 7º exige uma legislação específica sobre o assunto ainda não votada.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, afirmou em maio último que criaria uma comissão para analisar todos os artigos, incisos e parágrafos não regulamentados, segundo a Agência Câmara, mas a medida ainda não saiu do papel.

DEBATE
O advogado constitucionalista Antonio Carlos Mendes, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que considera a Carta um ?avanço, avalia que a falta de regulamentação é o ?aspecto negativo?. ?Os aspectos negativos decorrem da falta de legislação complementar adequada à nova Constituição. (...) O Legislativo é muito moroso.?

Já o professor Paulo Blair, professor de direito da Universidade de Brasília (UnB), considera que ainda que nem tudo o que é citado como ?carente de regulamentação? precisa realmente de uma lei complementar.

?Muito do que se diz que carece de regulamentação carece mesmo de vontade política de aplicação?. Ele citou como exemplo a recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre proibição do nepotismo e que começa a ser aplicada pelo país.

Blair disse ainda que nos casos onde a regulamentação é necessária, é preciso empenho popular. ?Só há uma instância capaz de forçar o parlamento a fazer as regulamentações necessárias: pessoas na rua mobilizadas, imprensa, sociedade civil organizada.?

Especializada em direito digital, a advogada Patrícia Peck afirma que são necessárias regulamentações em artigos relacionados à tecnologia. Citou como exemplos a questão de interceptações telefônicas; uso dos dados do cidadão por provedores; convergência de mídias; direitos autorais; e democracia digital.

?Nossa Constituição é jovem, foi muito bem elaborada em vários itens, mas ainda precisa de regulamentação em muitos pontos. (...) A realidade mudou, e a lei precisa ser atualizada.?

PARLAMENTARES CONSTITUINTES
A Assembléia Constituinte, que votou e aprovou a Constituição, funcionou entre 1987 a 1988 e contou com a participação de então parlamentares como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador Aécio Neves (PSDB), e o presidente do PMDB, Michel Temer, ainda hoje deputado federal.

O senador Marco Maciel (DEM-PE), constituinte e atual presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, destaca que os dispositivos não regulamentados são um ?desafio? para o Congresso. ?Algumas matérias são complexas e exigem reflexão para que a lei seja a melhor possível.?

Maciel destacou que os itens pendentes de regulamentação mais importantes são os relacionados à reforma política, como a redefinição do sistema eleitoral e as regras de fidelidade partidária. O senador disse ainda considerar necessário que se modifique o rito das medidas provisórias, para que a ?capacidade do Congresso não seja reduzida?.

Outro constituinte, o deputado federal José Genoino (PT-SP) avalia que o período de dois anos para discutir a Constituição foi ?o necessário?. "Foi um exercício de confronto e negociação. Foi o tempo necessário. Por outro lado, não se podia demorar porque país tinha situação delicada."

Genoino integrou a bancada do PT, que votou contra o texto final da Constituição, mas acabou assinando a Carta. Ele defende a convocação de um  ?Congresso revisor?, que, para ele, poderia ser eleito em 2010 e, a partir de 2011, discutiria as mudanças ainda necessárias na Constituição.

DESTAQUES
Especialistas e parlamentares apontam a garantia aos direitos fundamentais como o ponto principal da Constituição. ?Deixou de ter como preocupação o Estado e passou a ser os direitos fundamentais?, destacou Antonio Carlos Mendes, da PUC.

?Deu o direito de as pessoas serem diferentes?, afirma Blair, da UnB. O senador Marco Maciel avalia que a Carta é fruto do ?maior pacto político da nossa história republicana?.

?Graças a ele é que foi possível convocar uma Constituinte e dar ao país uma Constituição nova, moderna, que vinha ao encontro das expectativas da população.? Para ele, a Constituição foi responsável pela criação de ?um quarto poder?. ?O Ministério Público passou a constituir um quarto poder. Foi muito positivo para garantir que se cumpram os objetivos de transparência.?

EMENDAS
A Constituição só pode ser alterada por meio de Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado. Os 250 artigos da Carta de 1988 já receberam 56 emendas. Paulo Blair, da Unb, considera a quantidade de emendas no texto um "sinal de sucesso".

"Uma Constituição precisa estar aberta para o futuro, não pode significar prever tudo o que vai acontecer. Tem que estar aberta para a possibilidade de emenda. Como um documento que continua aberto para o futuro."

 


Fonte: G1

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