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Fraude na Paraíba infla arrecadação dos clubes no campeonato estadual

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Nádya Araújo/Ascom Botafogo-PB

Jogo entre Botafogo e Perilima, pelo Campeonato Paraibano

No início da noite do dia 12 de janeiro, Edson Willian Piotto voltava de um passeio com os cachorros em Jaraguá do Sul (SC). Na mesma hora, Marciano Cruz da Silva assistia a um culto na cidade. Dimitry da Silva Oppa descansava em casa em Joinville após uma tarde de pescaria.

Os três nunca viajaram à Paraíba. Mesmo assim, foram registrados como torcedores que estiveram naquela noite no estádio José Cavalcanti, assistindo à vitória do Nacional de Patos sobre o CSP, por 2 a 1, pela rodada de abertura do Campeonato Paraibano.

Morando a mais de 3.000 km de distância da cidade de Patos, eles constam como beneficiários do programa Gol de Placa, criado em 2005 pelo governo estadual para financiar os clubes locais em troca de renúncia fiscal de empresas. Pelas regras do programa, o torcedor ganha um ingresso a cada R$ 50 apresentados em notas fiscais do estado. O benefício vale para todas as partidas do Paraibano.

Neste ano, o governo anunciou que vai destinar uma receita recorde. Serão R$ 4,1 milhões. A verba é a principal fonte de renda para os dez times que disputam o Estadual.

De acordo com documentos da Secretaria de Estado da Juventude, Esporte e Lazer, aos quais a reportagem teve acesso, advogados catarinenses e beneficiários de programas sociais longe da Paraíba assistiram ao jogo em Patos. A maioria tem seus dados cadastrais disponíveis na internet.

"Adoro futebol, mas nunca pisei na Paraíba. Acabei virando torcedor fantasma", disse Piotto ao ser questionado se havia assistido à partida no sertão paraibano. Além do nome, o CPF do advogado consta na lista enviada pelo Nacional ao governo cobrando parte da sua verba no programa.

A fraude foi tão escancarada que os dirigentes do Nacional de Patos usaram notas fiscais de apenas um posto de gasolina para lançá-las no sistema do programa. O estabelecimento fica em João Pessoa a mais de 300 km da cidade.

Segundo o registro, 1.308 ingressos foram trocados no mesmo dia da partida por notas emitidas pelo posto da capital. Os cupons totalizaram R$ 71.167,80.

O número de torcedores é inflado para aumentar o montante que o clube recebe de empresas que ganham desconto no recolhimento de ICMS para pagar os ingressos adquiridos com notas fiscais.

De acordo com a lei, até 5% da fatura da empresa com o ICMS é deduzido. Até agora, apenas a Energisa, empresa de energia que atua no estado, participa do Gol de Placa.

O borderô da partida publicado no site da Federação Paraibana mostra números divergentes. Pelo documento, 1.620 torcedores que ganharam os ingressos pelo programa entraram no estádio. No documento, os bilhetes subsidiados renderam ao time local receita de R$ 25.200, o que equivale a 78% da renda de R$ 32.280 contabilizada pelo clube. Cada bilhete trocado no programa entra com o valor de R$ 20 no borderô.

Excluindo os "fantasmas", apenas 354 torcedores pagaram para assistir ao jogo.

No mesmo dia, o Serrano foi derrotado pelo Atlético de Cajazeiras com o estádio vazio. Mesmo assim, o time cadastrou 484 cupons trocados.

Pelo boletim financeiro da partida, o Serrano vendeu 47 ingressos na bilheteria e teria arrecadado R$ 740. Com ajuda do programa, faturou mais R$ 10.400. A maioria das notas foi trocada no dia da partida e emitida por uma posto de gasolina na própria cidade.

Na plataforma da secretaria de esportes, os funcionários que fazem os registros zombam ao cadastrar os torcedores "fantasmas". Um deles foi identificado pelo Serrano com o nome de "Rafael da Abunda Que Nem Sente".

Nas seis primeiras partidas do torneio, 6.018 ingressos do "Gol de Placa" foram trocados rendendo R$ 77.796 de arrecadação aos clubes. Dos seis mandantes, apenas o Treze não usou o programa.

Clube mais popular em João Pessoa, o Botafogo foi um dos destaques de público do futebol nacional em 2018. Turbinado pelo "Gol de Placa", o time declarou em seus borderôs uma média de 5.433 torcedores por partida no ano, superior a Coritiba e Ponte Preta.

Documentos obtidos pela reportagem revelam que em 2015 o time alvinegro trocou mais de 4.000 ingressos do programa em apenas uma partida e não pediu autorização ao governo, como determina a legislação.

Na abertura do campeonato deste ano, o público do Botafogo despencou. Na goleada sobre o Perilima, por 4 a 1, no dia 12, a diretoria do time informou que apenas 19 pessoas foram beneficiadas pelo programa das 507 que assistiram ao jogo no estádio.

A queda de torcedores abriu suspeitas sobre possível fraude nos números registrados até 2018. "Nunca ouvi falar nesse programa", disse a professora Luciana Freire, 40, após comprar quatro ingressos para o jogo de abertura do torneio. Ela costuma assistir aos jogos do Botafogo no Almeidão com a família inteira. A professora mora em Juarez Távora, cidade localizada a 100 km da capital.

De acordo com a lei, os clubes precisam disponibilizar e divulgar os pontos de troca dos ingressos.

O Governo da Paraíba informou que está "pronto para adotar todas as providências cabíveis em caso de desrespeito da regularidade e legalidade" do programa Gol de Placa.

Segundo a lei, a Controladoria do Estado é responsável por fiscalizar o programa. Questionado sobre a responsabilidade da Controladoria, o governo não se pronunciou.

Na nota, a secretaria preferiu repassar a culpa para a Federação Paraibana de Futebol e para a CBF, organizadores das competições disputadas pelos clubes do Estado.

A Federação Paraibana informou que "não tem qualquer poder de fiscalizar e não tem qualquer ingerência no referido programa". Em nota, a entidade afirmou "que não faz parte do programa, o qual repita-se, possui apenas duas partes: de um lado o governo e de outro lado os clubes".

A Energisa Paraíba informou que vai cobrar explicações da Secretaria Estadual da Fazenda. A reportagem não conseguiu contato com os dirigentes do Serrano e do Nacional e nem com os donos dos postos de gasolina que emitiram notas fiscais. O Botafogo ainda não respondeu.

 

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