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Entidades do Piauí repudiam artigo que culpa mulheres por vestimentas

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 Foto: Arquivo/ Cidadeverde.com

Promotora Amparo Paz


Diversas entidades divulgaram nesta sexta-feira (25) notas de repúdio contra o artigo publicado no Jornal Diário do Povo, de autoria de José Maria Vasconcelos, com o título “O pudor atrai o respeito do homem”.

A publicação está causando revolta e indignação pelo teor sexista e preconceituoso. Um abaixo assinado foi lançado na internet condenando o artigo. Veja aqui. 

No texto, o professor diz: "homens, em geral, não avançam na mulher pudorosa, reservada e decentemente ajuizada, que não expõe a sua intimidade emocional e física".

Em outro momento ele ressalta: "fechem delegacias da mulher, providenciem condutas de pudor feminino, vergonhas mais escondidas" e defende: "homens, comumente, só avançam se elas abrirem as pernas". Após a grande repercussão, José Maria excluiu o artigo publicado em seu facebook e pediu desculpas.

Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NUPEVID) divulgou nota repudiando a publicação.

A nota do NUPEVID, assinada pela promotora Amparo Paz, titular da 10ª Promotoria de Justiça e Coordenadora do Núcleo, diz que o texto é um desrespeito aos direitos humanos da mulher expor fatores por causa de vestimentas femininas imputando a elas aspectos de "culpabilização" por serem estupradas e assediadas, por exemplo.  

“Por meio de atos desrespeitosos, violentos e injustificáveis, diante dos inúmeros preconceitos que a cultura machista e a cultura do estupro impõe à imagem feminina, e, pior, pensamentos que podem levar aos atos de violência e assédio sexual ocorridos contra milhares de mulheres”, diz parte da nota publicada nas redes sociais da promotora e no site do MP-PI.

A publicação diz ainda que o conceito de culpar a mulher observado no artigo é lamentável. “Tabu totalmente errôneo de que roupas e mulheres são culpadas pelos assédios que sofrem diariamente ou até mesmo pela falta de interesse de um homem por uma mulher "sem pudor".

Veja a nota na íntegra publicada no site do MP:

Em nome do Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NUPEVID), do Ministério Público do Piauí (MPPI), venho a público REPUDIAR de forma veemente o Artigo com o título “O Pudor atrai o respeito do homem”, publicado, nesta sexta-feira (25), no Jornal Diário do Povo, de autoria do Sr. José Maria Vasconcelos.

Nós lamentamos este fato e registramos nossa preocupação com o reiterado desrespeito aos Direitos Humanos das Mulheres, principalmente, quando vem ao caso de expor a nós, mulheres, fatores de culpabilização por causa de sua vestimenta, por meio de atos desrespeitosos, violentos e injustificáveis, diante dos inúmeros preconceitos que a cultura machista e a cultura do estupro impõe à imagem feminina, e, pior, pensamentos que podem levar aos atos de violência e assédio sexual ocorridos contra milhares de mulheres.

Esse conceito de culpar a mulher é cultural e lamentável. Tabu totalmente errôneo de que roupas e mulheres são culpadas pelos assédios que sofrem diariamente ou até mesmo pela falta de interesse de um homem por uma mulher "sem pudor". Da mesma forma que alertamos sempre para o fato de que o estupro também está atrelado à cultura não significa diminuir a culpa dos estupradores para saírem impunes. Pois, mulheres são estupradas independente de vestimentas. Roupas não podem interferir em nada na liberdade feminina, muito menos impor sentimento de culpa na vítima. A culpa é sempre do agressor!

Encerramos nosso repúdio a esse artigo, dizendo que PUDOR se resume ao respeito entre ambos os sexos, que homens não devem em possibilidade alguma “avançar” em mulher nenhuma e sim tratar TODAS com respeito e respeitando seus direitos e escolhas. A vida ou roupa de uma mulher não se resumem à intenção de conquistar ou exibir-se para um homem. Devemos entender que a mulher usa a roupa que ela quiser! Isso não define seu caráter e muito menos ela está pedindo para ser abusada ou assediada por ninguém!

Amparo Paz – titular da 10ª Promotoria de Justiça e Coordenadora do NUPEVID

A publicação da Defensoria diz que o texto é repleto de machismo e sexismo. Além disso, critica o jornal por publicar o conteúdo, observando que é um "desserviço à população". Veja:

Foto: Reprodução/ Instagram NUPEVID

Não somos descartáveis!

No DIA LARANJA, instituído pela ONU como sendo um dia destinado à prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, o POVO piauiense acordou com publicação “devoradora” de conquistas democráticas decorrentes do “sangue” esparramado das 110 mulheres assassinadas no Piauí desde a vigência da Lei do Feminicídio e do de tantas mulheres que diuturnamente se encontram em situação de violência no nosso Estado. O ALFABETO VIOLENTO se instala no artigo e indagamos: qual seria o slogan mais apropriado para representar esse ato ilocucionário? Qual seria a propriedade semântica, ou seja, qual foi a intencionalidade imposta pelo falante? Quais seriam os sons e as marcas das enunciações? Respondemos: a precariedade de um ser humano como CORPO DESCARTÁVEL, destituído de significado social, político e histórico, passível de descarte, VIDA QUE NÃO PODE SER VIVIDA, do mesmo modo como ocorre nos assassinatos de mulheres no Piauí. Nossa anatomia, colocada em uma estrutura de poder, condiciona o status da masculinidade à apropriação do corpo feminino. O background (som de fundo) da escrita é “A PELE QUE HABITA NOSSO CORPO”, mensurada no plano do biopoder, no poder de apropriação e controle do corpo feminino. A macabra reunião das sextas feiras pode ser comparada a ritual em que a vítima do sacrifício é eleita por sua anatomia feminina, destinada ao consumo canibalístico a cargo de uma determinada “confraria masculina” “bem intencionada”, “de bem” e “pais de família” cuja masculinidade se vê testada pela roupa de uma de mulher.

SIGAMOS EM PAZ E EM FRATERNIDADE, MULHERES E HOMENS PIAUIENSES! NÃO BORREMOS NOSSAS MENTES COM O SANGUE DO SACRIFÍCIO DAS MULHERES!

Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro Villa
Margarete de Castro Coelho  

 


NOTA DE REPÚDIO


O Departamento Estadual de Proteção à Mulher do Piauí vêm a público repudiar o artigo publicado no jornal impresso "Diário do Povo" de hoje,  dia 25/01/2019, intitulado “O pudor da mulher atrai o respeito do homem”, em tempo que solicitamos a respectiva retratação por parte do autor do artigo, José Maria Vasconcelos, pelas declarações demasiadamente sexista, intolerantes e preconceituosas  veiculadas na edição supramencionada.

Dado que o texto apresenta a performance de um discurso de ódio que fomenta ainda mais a violência em nosso Estado que é permeado de casos com práticas diárias de violência contra a mulher que muitas vezes culminam em feminicídio.

E, um discurso como tal, que se pauta nessas bases repercute de forma danosa à população, fortificando velhos paradigmas sociais que deveriam ser desconstruídos.

A idealização de uma mulher sublime, perfeita e a exigência de que ela se adeque a determinados padrões físicos e comportamentais são resquícios do famigerado machismo que robustece a violência de gênero tão odiosamente combatida pelas sociedade civil e instituições formalmente constituídas.

Apesar dos inúmeros avanços, principalmente no que tange aos alcances legislativos de proteção a mulher e nas políticas públicas desenvolvidas com o escopo de tanger a violência, é lamentável nos deparamos com um conteúdo de uma matéria veiculada em um meio de comunicação, portanto formador de opiniões, eivado de conservadorismo e preconceito, incompatível com o mundo tão desenvolvido no qual nos inserimos e queremos fortalecer.

O machismo naturalmente pode ser identificado como uma violência contra a mulher, pois se destaca pela diferenciação extrema dos direitos e deveres entre homens e mulheres, arrebatando ao preconceito e a? violência mais latentes, golpeando a liberdade feminina de se expressar e se portar de forma livre e sem ser importunada, sem riscos ou comprometimento em face de sua integridade física, moral, psicológica, sem risco a sua VIDA.

Tais discursos não podem mais serem aceitos e encarados como “naturais”, pois maximizam as diferenças e exuberam a violência travestida no ódio. E, nós, como mulheres e detentoras de prerrogativas dadas pelo Estado Democrático de Direito continuaremos vigilantes, além de buscar consolidar e robustecer as políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher em nosso Estado.
 
 
ANAMELKA ALBUQUERQUE CADENA
DIRETORA DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE PROTEÇÃO À MULHER   

 

Veja a publicação de José Maria Vasconcelos pedindo desculpas. Ele diz que se "excedeu" nos comentários:

Imagem: Reproducao/ Facebook Jose Maria Vasconcelos

 

Lyza Freitas
[email protected]

 

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