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Mulheres lutam pelo direito à moradia em ocupação na periferia de Teresina

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Fotos: Roberta Aline/Cidadeverde.com

Distante das políticas públicas mais básicas, mulheres da periferia de Teresina começam cedo a enfrentar a luta por direitos e a se reafirmarem enquanto mulheres na luta por cidadania. O Cidadeverde.com conversou com moradoras da Vila Terra Prometida, ocupação no bairro Cristo Rei, zona Sul de Teresina, onde quase 80% das 174 famílias são compostas por mulheres. 

Moradia, emprego e sustento são prioridades que centenas de mulheres da ocupação tiveram que ter desde cedo, muitas ainda na infância. Mães, filhas, solteiras e casadas, elas falaram sobre os sentidos de ser mulher a partir das suas jornadas de vida.

Para fugir do aluguel que consumia toda a renda que ganhava mensalmente, Maria Benta Alves, 37 anos, foi uma das primeiras moradoras a chegar na ocupação em 2015. Entregue pela mãe a uma família aos 4 anos de idade, Maria Benta, ou Bia como é chamada pelos amigos, fugiu da casa onde morava em Caxias, no Maranhão, aos 13 anos de idade por conta de maus-tratos.

Mãe de duas filhas, Maria Benta conta o desespero que passou nos primeiros anos de ocupação quando a polícia chegou a desocupar o local por duas vezes. 

“Levei rasteira, spray de pimenta. Minha filha olhou pra mim e disse: mãe, nós vamos morar aonde? Vamos ficar sem casa? Aquilo me partiu o coração, mas eu disse não, a mamãe vai lutar para a gente ter uma casa. E assim a gente começou a ir para a Justiça”, disse a moradora.

Em uma casa simples na rua de nome Panamá, Maria Benta mora com duas filhas e o marido. Ela é referência entre as mulheres da comunidade pelo apoio que dá para jovens e mães solteiras que chegaram ao local buscando recomeçar suas vidas. 

“Aqui nós somos mulheres guerreiras, batalhadoras. Aqui somos pra o que der e vier. Mexeu com uma, mexeu com todas”, diz.

Uma das mulheres atendidas pela rede de apoio feminina é Thaís Abreu, de 26 anos. Mãe de quatro filhos, a jovem engravidou aos 16 anos e desde 2017 mora na ocupação, após se separar do pai de seus filhos com quem morava no bairro Satélite, na zona Leste. 

“Um certo dia eu não estava mais feliz, não estava mais me fazendo bem e eu decidi tomar essa decisão. Foi quando eu entendi o significado de tudo”, revelou Thaís que lamenta ainda ter que lidar com o preconceito por ser mãe solteira.

“A gente conquistou muitas coisas, mas ainda assim temos obstáculos que a gente enfrenta todos os dias, principalmente eu que sou mãe de quatro filhos. Muitas pessoas apareceram na minha vida só para me criticar. ‘Ah, ela tá sozinha, precisa de um homem pra ajudar ela porque senão ela não vai ter como se manter’ e não é nada disso, porque até então eu consegui me manter junto com as crianças aqui. Era pouco, era difícil? Mas amor e carinho nunca faltou em casa”, garante.

Thaís é mãe dos três irmãos que fizeram sucesso na internet após compartilharem um vídeo vendendo um quadro pintado pela irmã caçula. O objetivo era angariar fundos para reformar  a casa de taipa que estava escorada para não desabar. Com a repercussão, a família conseguiu apoio para construir uma casa que está quase pronta. 

Foto: Montagem / Yasmim Cunha/Roberta Aline

Mulher na liderança

Liderança na comunidade, Maria Benta relembra o preconceito que sofre por protagonizar a luta por moradia.

“Quando eu entrei aqui na terra e comecei a andar na frente, os homens da comunidade falavam: ‘Ah, é uma mulher aqui à frente’. Um rapaz veio de fora e disse que não dava certo, que tinha que ter era um macho. Se ele fosse homem de verdade, teria a compreensão que uma mulher é igual a um homem”, conta.

Maria Benta disse que chegou a ser insultada por buscar representatividade enquanto liderança para o reconhecimento da ocupação como área legal. Com a articulação dos moradores, a justiça constatou que o terreno pertencia ao patrimônio da União e poderia ser regularizado.

“Poucos me aceitaram aqui. No início foi muito difícil. Quando eu passava era uma piada de mulher ou me xingavam. Eles não aceitavam porque era uma mulher que estava na frente, sendo liderança. Eu tenho muito orgulho porque cada casa que tem aqui tem um pedacinho meu. Ali tem o pedaço de uma mulher, que fez um pequeno trabalho”, diz Benta com orgulho. 

Orgulho em ser da periferia

A vida de luta por direitos não esmorece as mulheres da Terra Prometida. Agora com direito à área, sem risco de desapropriação, as moradoras convivem com novas demandas como saneamento e calçamento. A realidade urbana de periferia não compromete a autoestima de quem tem um histórico de resistência.

“Estar em uma comunidade de periferia é um orgulho muito grande. Poder mostrar a nossa realidade para as pessoas. As mulheres da periferia também têm valor. Só porque eu não tenho um curso superior, ou não sou uma médica, não quer dizer que a gente não tem valor. É o que eu passo todos os dias para as minhas duas filhas, porque elas são mulheres e eu sempre falo para elas: nunca fique atrás do homem, nem fique à frente dele, fique ao lado. Somos iguais”, afirma Maria Benta.

Aos 37 anos, a líder comunitária trabalha como auxiliar operacional durante o dia e usa o tempo livre à noite para voltar aos estudos. Ela está concluindo o 3° ano do ensino médio e tem como sonho se formar em administração para gerir seu próprio negócio. “Quero trabalhar com panificação. Abrir minha padaria e poder administrar ela”, revela.

Preconceito por ser mulher e mãe

Outro desafio apontado por Thaís é ter que lidar com a discriminação da sociedade diante dos jovens da ocupação. 

“Aquele preconceito de que por a gente ser mulher da periferia nossos filhos vão virar bandidos. Nós estamos aqui para quebrar isso. Digo sempre para os meus filhos que estou criando gente. É difícil você criar seus filhos em um ambiente de onde as pessoas têm muito preconceito”, lamenta. 

Thaís foi demitida do seu último emprego após o chefe descobrir que ela era mãe solteira de quatro filhos. “Ele disse que a empresa dele não era creche. Eu falei que nunca tinha trazido meus filhos para o trabalho pra ele dizer aquilo e em seguida ele me demitiu”, contou revoltada.

Apesar dos estigmas, a jovem de 26 anos garante que sua experiência materna lhe trouxe lições.

“Se eu não tivesse tido as crianças, eu não seria essa mulher que eu sou hoje. Eu fui, de uma certa forma, uma criança que teve uma infância turbulenta por problemas com pai e mãe. Quando eu tive meus filhos e vi que eu era a única coisa que eles tinham, aquilo foi o foco, tudo o que eu precisava ter na vida. Uma motivação, um foco, um centro. Eu faço tudo, eu corro, eu batalho. Meu centro do meu mundo é eles”, conta. 

Uma irmã, uma mãe e uma avó

A inspiração para enfrentar as adversidades da vida vem de outras mulheres. Para Maria Bento, sua irmã mais velha, Maria de Jesus, que morreu aos 22 anos é o seu maior exemplo.

“Quando ela era viva, para mim ela era tudo. Foi ela quem me ajudou a fugir da casa onde a mulher me maltratava muito, me batia muito. Eu me inspirava na minha irmã. Ela sempre dizia para eu não desistir da vida, de nada. Eu devo tudo a ela. Ainda hoje lembro das palavras dela”, diz ela emocionada. 

Thaís reconhece na mãe Edna e na avó Maria de Nazaré referências de força emocional. 

“Minha avó porque ela sempre foi a matriarca, uma mulher forte, segura, que perdeu filhos e mesmo assim continuou sendo um pilar. Minha mãe porque meu pai deixou ela, e ela teve que se virar comigo e meu irmão. Ela sempre me ensinou que apesar da gente ter pouco a gente era feliz. Hoje passo a mesma coisa para os meus filhos”, revelou.


A mãe de Thaís na porta de sua casa na ocupação após chuva que caiu a tardinha.

Valmir Macêdo
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