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Há 350 anos, PI e CE disputam terras em área de litígio

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Esquecimento, desprezo, abandono. Existe uma região, entre os Estados do Ceará e do Piauí, onde a população não tem identidade e convive com todos esses sentimentos. Há piauienses que querem ser cearenses. E a vontade inversa também. Alguns nem sabem dizer onde estão. Perdidos nas imprecisas divisas entre territórios vizinhos, moradores de, pelo menos, 150 distritos e comunidades localizados próximo às serras Grande e da Ibiapaba sofrem as conseqüências de viverem na área de litígio do Ceará com o Piauí, também conhecida pelos sugestivos nomes de “Cerapió” e “Piocerá”.
 

A questão é secular e parece não ter solução próxima. Conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o problema afeta, pelo menos, 8 mil pessoas apenas entre as recenseadas para o Ceará. A área abrange cerca de 321 mil hectares, conforme projeção do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

A área demarcada em registros oficiais do IBGE e dos dois Estados envolve 13 municípios cearenses — Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús — e sete piauienses — Luís Correia, Cocal, Cocal dos Alves, São João da Fronteira, Domingos Mourão, Pedro II e Buriti dos Montes. À parte a cartografia, também há contestação de divisas nos municípios de Parambu e Novo Oriente, no Ceará, e São Miguel do Tapuio, Assunção do Piauí, Pimenteiras e Pio IX, no Estado vizinho. Conforme o chefe da unidade estadual do IBGE, Francisco José Moreira Lopes, o problema persiste pela falta de uma legislação federal que defina as divisas entre Estados.
 

Por conta disso, o Instituto se baseia no Atlas de 1940 do Conselho Nacional de Geografia para demarcar os territórios. “O problema é que, como é uma área entre Estados, senão houver uma lei federal, continua valendo a de 40”, explica Francisco Lopes.

Para que os municípios não sejam prejudicados, o IBGE faz uma divisão igualitária das divisas, respeitando modificações pós-40. Tanto que para fins censitários, o Instituto não reconhece o litígio, visto que todos os moradores são contados para um outro Estado.

A fim de facilitar a operacionalização do Censo de 2010, o IBGE estabeleceu o prazo até agosto de 2009 para que indefinições de limites e divisas sejam solucionadas. Mas ciente de que o problema não será resolvido tão rapidamente, Lopes admite que a base territorial poderá ser atualizada depois dessa data, tão logo surja uma nova definição.

Em busca de uma solução, parlamentos do Ceará e do Piauí tiveram uma primeira conversa sobre o tema. O governador Cid Gomes designou o presidente da Assembléia Legislativa, deputado estadual Domingos Filho, para tratar do assunto pelo Ceará. Ele revela que, no momento, estão sendo formadas comissões de deputados em cada Estado, que, posteriormente, visitarão os municípios envolvidos no litígio. Até cidades fora dessa área, mas com problemas de reconhecimento de divisas, como Novo Oriente, terão o caso analisado pela Assembléia.

A idéia, segundo o presidente, é formular uma proposta de consenso para apresentar a Cid Gomes e ao governador do Piauí, Wellington Dias. Com a chancela de ambos, o passo seguinte será acionar as bancadas dos dois Estados em Brasília, para a aprovação de um projeto de lei federal que ponha fim ao problema.
 

Proposta em análise

Já o procurador geral do Piauí, Plínio Clêrton, lembra que os próprios governadores já conversaram sobre o assunto e esperam definir a questão até o fim dos atuais mandatos estaduais, em 2010. Segundo o procurador, uma proposta foi enviada pelo governo piauiense ao cearense e encontra-se sob análise. Domingos Filho admite que o projeto foi recebido. “Estamos discutindo, para não haver reação das duas bancadas e continuar tudo como está”, diz. Para o procurador, faltava interesse político. “Governos anteriores não se preocuparam, provavelmente, por ser uma área de Caatinga, baixo povoamento. Mas, as atuais administrações querem colocar um ponto final no problema secular”.

Histórico

As disputas territoriais entre Ceará e Piauí remontam ao século XVII, mais precisamente ao ano de 1656, quando a capitania secundária do Ceará foi separada da capitania-geral do Maranhão e Grão-Pará, que incluía a área hoje do Piauí, e anexada à capitania-geral de Pernambuco. A explicação é do historiador e professor da Universidade do Vale do Acaraú (UVA) e de cursinhos pré-universitários, Airton de Farias, autor de vários livros sobre História do Ceará.

Enquanto o Ceará tinha importância política menor dentro do projeto colonial português, o Maranhão passou a reivindicar a posse do aldeamento indígena Nossa Senhora da Ibiapaba, conhecido como Missão da Ibiapaba, onde hoje está o município de Viçosa do Ceará. “Era um dos maiores aldeamentos da América, com grande presença de índios, fundamental para a obtenção de mão-de-obra escrava. Os escravos negros eram muito caros, e o Piauí não tinha como comprar. Vem daí, a disputa pela região. Não é apenas por terras”, explica o historiador.

Em 1799, o Ceará tornou-se independente, mas as disputas pela região da Ibiapaba continuaram. A separação do Piauí em relação ao Maranhão, em 1811, não atenuou a disputa. “Várias vezes, se pretendeu anexar a Ibiapaba, ora ao Ceará, ora ao Piauí”, narra.

O caso da Parnaíba

Um dos marcos da disputa entre Ceará e Piauí foi o acordo proposto em 1880. Conforme Airton de Farias, os piauienses precisavam de um pedaço de mar para exportar algodão. Como um gesto de “boa vontade” com os vizinhos, o Ceará cedeu a localidade de Amarração, que fazia parte do município de Granja. Em troca, recebeu do Piauí a região de Príncipe Imperial. Hoje, essas áreas correspondem aos municípios de Parnaíba e Crateús, respectivamente. Mas o acordo político não foi bem costurado e acabou estendendo as indefinições acerca da divisa entre os Estados, criando a área de litígio que persiste até hoje.

Na opinião de Airton de Farias, do ponto de vista histórico, o problema dificulta a existência dos habitantes dessas áreas e a criação de um sentimento regional deles com a a terra onde vivem, visto que há diferenças culturais entre o Ceará e o Piauí. “Você é ligado culturalmente a qual Estado? Como o Estado vai fazer políticas públicas para essas pessoas? ”, questiona.
 
Fonte: Diário do Nordeste
 

 
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