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Resistência: mulheres destacam lutas do movimento feminista nos anos 80 e 90

“Se hoje a mulher é livre, dona do corpo  e pode participar da vida política é por causa da nossa luta também. Nada foi fácil, nunca foi, nem será. Se as mulheres não tivessem unidas nessa época, não teríamos o que temos hoje. Antes, a mulher era tida como objeto e hoje é uma cidadã. Mulher é livre. É a mulher do século XXI”. A afirmação é da delegada Vilma Alves, que nos anos 80 e 90 esteve nas principais lutas do movimento de mulheres em Teresina.

Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, o Cidadeverde.com destaca as principais lutas e conquistas do movimento feminista nas décadas  80 e 90 em Teresina. A década de 80 e início dos anos 90 representaram um marco na história dos movimentos sociais, principalmente os liderados por mulheres. As principais lutas nesta época eram contra a violência doméstica, por  igualdade salarial, creches, pelo acesso ao poder (candidaturas; democracia nos partidos e cota para candidatura femininas); pelo fim das revistas no corpo da mulher nas fábricas e comércio, saúde, como os direitos reprodutivos e descriminalização do aborto. 

Vilma Alves, a primeira delegada da Polícia Civil do Piauí, lembra que as mulheres lutavam para não morrer, para não serem espancadas, não  serem estupradas, conseguirem trabalhar.  Ela destaca que a criação da Delegacia da Defesa da Mulher em Teresina, no governo Alberto Silva, por exemplo, foi resultado das inúmeras reivindicações do movimento feminista. 

Foto: Roberta Aline

DELEGACIA DA MULHER

“A delegacia é um monumento histórico. Foi criada por exigência do movimento de mulheres em Teresina. Essa delegacia é histórica. Primeiro ,as mulheres ficavam na porta com medo de entrar. Então nós já tínhamos o Conselho Municipal dos Direitos  da Mulher e as conselheiras iam para lá. As conselheiras tiveram uma história linda na delegacia no início. Dando coragem às mulheres e dizendo a elas que elas podiam prender os homens”, lembra a delegada Vilma.

Quem também protagonizou manifestações em prol da criação da delegacia especializada foi a jornalista Glória Sandes, que atualmente é ativista da Frente Popular de Mulheres contra o Feminicídio. 

Ela conta que as mulheres realizaram protesto contra a demora em instalar a Delegacia da Mulher, que foi anunciada em 1985, mas só foi inaugurada, de fato, no dia 14 de julho de 1989. Incomodada com a situação, Glória lembra que, na inauguração, só resolveu entrar na delegacia só quando o então governador saiu do prédio.   

“Participei, quando era militante do Centro Popular da Mulher, juntamente com minhas companheiras de luta da época (Lourdes Rufino, Maria Gomes, Francineide, Marineide e tantas outras) da proposta de criação da primeira delegacia da Mulher em Teresina. Lembro que foi no segundo governo Alberto Silva. Fiz um protesto, por causa da demora em instalar e porque notamos que o governador não estava muito interessado, mas fez o maior alarde na inauguração. A filha dele foi que se interessou e então secretário de Segurança instalou. Meu protesto foi só entrar na delegacia depois que ele saísse, pois não permitiria sair na História com fotos junto do governador”, conta Glória. 

Glória Sandes. Foto:Arquivo Pessoal

MAIOR ESTUPRADOR PRESO

Após a instalação da Delegacia da Mulher, a delegada Vilma Alves destaca duas prisões que foram comemoradas pelo movimento feminista na época. A prisão dos estupradores “Ninja” e  “Diabo Louro”.

“Ainda nos anos 80, temos a história do Ninja, que estuprou mais de 130 mulheres e nós o prendemos. Ele tinha uma mancha no corpo e mandava as mulheres fazerem sexo oral.  Prendemos. O advogado soltou e passamos a noite na frente da Vara Criminal e o doutor Joaquim Feitosa foi quem decretou a prisão. Sai numa alegria louca, mandei os meninos prender. Você está sendo preso em nome da lei, eu disse. Foi um prazer pra nós.  As mulheres na época comemoram muito”, conta a delegada Vilma. 

Na mesma época as mulheres fizeram passeata pedindo que a Justiça não determinasse a soltura de “Diabo Louro” ,um homem rico, de “família poderosa”, que estuprou até a sobrinha. 

“Fizemos passeata, nós chegamos na 5ª Vara e  pedimos ao doutor Valério Chaves para não liberar ele. E ele ficou preso. Estamos na luta. Não é luta apenas de ser autoridade policial, mas luta de movimento”, relembra, emocionada, a delegada Vilma.

A juíza Maria Luíza Freitas fez parte do movimento de mulheres, participou de manifestações, e destaca a conquista das mulheres na Carreira da Magistratura Piauiense. Ela conta que até o ano de 87 só existiam duas mulheres juízas, que foram as precursoras:  Maria de Fátima Leite e Eulália Ribeiro Gonçalves. 

Fotos:ArquivoPessoal

“Foi nos anos 80 e 90 que ocorreram dois concursos dentre os quais, algumas mulheres conquistaram seus espaços ingressando na carreira da magistratura, incluindo eu.  Foi também nos anos 80 que a luta pelo fim da violência contra as mulheres ganhou força no Brasil, culminando com a criação, em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), buscando políticas antidiscriminatórias contra a mulher e assegurá-las participação na cultura, economia e política do Brasil”, analisa a juíza.

Outro destaque neste período foi a mobilização das mulheres em Teresina na entrega da Carta aos Constituintes. O Centro de Convenções abrigou cerca de duas mil pessoas.  

Foto: Arquivo Cidadeverde.com

Juiza Maria Luiza

CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DAS MULHERES E BEIJING 

A luta unificada das mulheres resultou na criação do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher (CMDM), que foi implantado por Lourdes Rufino, no governo Wall Ferraz.

Glória Sandes lembra que a implantação do Conselho foi resultado de várias assembleias gerais de mulheres. “O objetivo básico era ter políticas públicas, incentivar organizações de mulheres, combater a violência e toda forma de discriminação contra as mulheres.  Nossa estratégia principal foi sempre buscar o apoio dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, nos engajar nas discussões nacionais para trazê-las aos grupos organizados”, explica Glória.

Dulce Silva também participou desta conquista. Na época, professora da Universidade Federal do Piauí, ingressou no CMDM como representante da instituição.   Ela destaca a luta das mulheres para conseguirem a implantação da Delegacia da Mulher em Teresina.

Foto: Ascom/PMT

Lourdes Rufino

“Esse foi um momento muito marcante, pois embora já tivesse contato com esses movimentos pela via da institucionalidade, uma vez que participei da assessoria de implantação de um Centro de Assistência Comunitária (mais tarde transformado em SASC), no governo Lucidio Portela, a minha intervenção à época era no sentido de intermediar o atendimento às demandas apresentadas por eles. Enquanto agora estava somando com esses movimentos na condição de demandante. Foi assim que estive presente na luta pela implantação da primeira Delegacia da Mulher de Teresina, uma luta árdua considerando que os agentes institucionais de segurança pública não tinham o menor respeito para conosco, muitas vezes éramos motivo de deboche e como não recuávamos chegamos a receber ordem de prisão”, lembra.

Dulce Silva conta que no decorrer desse período havia uma efervescência de demandas e agendas, sendo que em 1994, foi criado o Fórum Estadual de Mulheres Piauienses, integrado à Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB. 

A criação do Fórum está vinculada a um processo que visava à elaboração de um documento do movimento de mulheres, no Brasil, e a preparação das representantes brasileiras para a IV Conferência Mundial de Mulheres das Nações Unidas, a ocorrer em Beijing, China, em outubro de 1995. 

“Tive o privilégio de compor, junto com a companheira Silvana Santana, a delegação brasileira de mulheres integrantes da sociedade civil para participar do Fórum de ONG, na IV Conferência Mundial de Mulheres a realizar-se em Beijing/China em outubro de 1995. Tendo sido uma das experiências mais marcante em minha vida de ativista feminista”, relembra Dulce.

Quanto aos principais legados resultantes da luta feminista, Dulce diz que ainda há muito a se conquistar, mas  há certo acúmulo de conquistas a celebrar como exemplo: a Lei Maria da Penha, as Delegacias de Mulheres, os Centros de Referências para Mulheres e Crianças violentadas, o juizado de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar, os Organismos de Políticas Públicas Para as Mulheres, os Serviços de Atendimento Médicos a Mulheres Vítimas de Violência Sexuais – SAMVVIS, a Serviços de Atenção Integral Saúde das Mulheres – AISM, serviços de Aborto Legal, A Rede Cegonha, entre outras.

“No campo da subjetividade as mulheres hoje se mostram sujeitas de direitos, reconhecendo-se mais autônomas, mais decididas em suas escolhas, vontades e desejos. Embora estejam pagando um alto preço por assumir-se emancipada e capaz de decidir se quer ou não permanecer numa relação abusiva, violenta. Atraindo assim o ódio do parceiro que, ao não se conformar com a rejeição, apela para a violência muitas vezes fatal”, acrescenta Dulce.

Foto: arquivo pessoa

Dulce Silva com Elza Soares

 

As principais conquistas das mulheres:


1827 – Meninas são liberadas para frequentarem a escola

1832 – A obra “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens” é publicado

1879 – Mulheres conquistam o direito ao acesso às faculdades

1910 – O primeiro partido político feminino é criado

1932 – Mulheres conquistam o direito ao voto

1962 – É criado o Estatuto da Mulher Casada

1974 – Mulheres conquistam o direito de portarem um cartão de crédito

1977 – A Lei do Divórcio é aprovada

1979 – Mulheres garantem o direito à prática do futebol

1985 – É criada a primeira Delegacia da Mulher

1988 – A Constituição Brasileira passa a reconhecer as mulheres como iguais aos homens

2002 – “Falta da virgindade” deixa de ser crime

2006 – É sancionada a Lei Maria da Penha

2015 – É aprovada a Lei do Feminicídio

2018 – A importunação sexual feminina passou a ser considerada crime

 

Por Izabella Pimentel
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